Uma filha, uma netinha

Uma filha,
uma netinha!
Mistura
de tantos “ontens”
vidas vividas
mal dormidas,
bem cumpridas!
Luta e suor,
entrega,
silêncios, buscas
e tanta alegria,
tanto laço,
tanto nó!
Mistura de gens
expectativas
esperas
momentos
suspiros...
Aqui, ali,
de cá e de lá...
Olhos,
sangue
pele
dores
e amores!
Tiques e senões
fatalidades
penações.
Belezas,
Tantas!
E singularidades.
Pequenos e
grandes feitos.
Ah! Tantos jeitos!
Ah! Uma filha,
uma netinha!
Um perfeito encontro
de perdão e
reconciliação.
Promessa de continuidade
e de enfim;
aqui e agora
ou um dia,
lá frente,
felicidade!

Grandes pequenas

Brincava com minha netinha. Ela, mamãe da boneca “Mali” e eu, a vovó das duas. Lindinho demais como ela segura a boneca nos braços e canta: “nana nenê... que a Cuca vem “pegá”, papai foi na “óça”, mamãe foi “tabalhá”... fecha os olhinhos e bate, de levinho, amorosa, nas costas da boneca... e olha pra mim e faz: “sch...sch vovó”, com o dedinho  nos lábios! "Ela tá “dumidu”
No sofá da sala haviam almofadas. Ela deitou a boneca Mali numa das almofadas e continuou ninando... daí, quando achou que ela já estava dormindo, de fato, foi buscar algo no seu quarto. Eu, que estava sentada no sofá, peguei a boneca no colo e continuei ninando. Ao me ver fazendo isto, veio pertinho de mim e disse, muito expressiva e séria: - “Não, vovó! Não podi pegá”.... Acho que demorei um pouco para me aprumar e ela deve ter pensado que eu não iria devolver! Então repetiu: “não pega, vovó! "Respeta" mim"!
Respeta" mim”! Uma pequenina que ainda não tem dois anos, falou isto para mim, hoje! E com propriedade, num contexto adequado.
Depois, voltou para o quarto, anunciando que ia “colhê uma opa” para vestir.  Fui “espiar”. Abriu uma das gavetas do armário e tirou tudo que havia, espalhando pelo chão. Quando me viu, falou: “que baguça”! E, ato contínuo, começou a juntar e recolocar na gaveta. Ao concluir (tudo amontoado na gaveta), completou: “aumô tudo”! “Agora, qué icová denti i passá baton”, vovó”... e riu seu sorriso maroto, apontando para o lugar onde estavam a escova de dentes, o creme dental (que ama!) e o batom “ósa” da vovó!
Muito mais do que só me encantar com o que ela fazia e falava, fiquei introspectiva. Esta consciência de reivindicar respeito para comigo, desenvolvi somente depois de adulta, à duras penas. Sendo que expressar em palavras, assim como ela, ainda hoje, não é tão simples quanto pensar ou escrever. Meu coração palpitou forte, porque ver um ser humano apropriando-se da palavra, usando-a para interagir, proteger-se e demarcar limites, é tudo de bom!
Escutei, atenta, as palavras ditas com doçura e firmeza. Surpresa e emocionada, guardei bem no fundo: “respeta" mim, vovó”! Antes dos dois aninhos! Uma pequena mulher, já cativada pela "maternagem" e por coisas do prazer e fazer feminino! Mas de outro jeito que a bisavó, que a vovó e, também que a mãe. Uma percepção bem singular de si mesma, do seu desejo e do seu lugar. E que precisa de acolhimento, escuta, maturação.
Oh! Pensei no quanto ou quantas mulheres ainda têm que aprender e lutar e gritar "me respeita"! Pensei na delicadeza que temos que ter no trato com estas pequerruchas como ela; que potencializadas, vêm desabrochando... fortes, decididas, num mundo ainda bastante machista, preconceituoso, frágil e inseguro. Não “passar do ponto”: nem além, nem aquém. Trilhar, com elas, sim, o caminho do respeito e do afeto. Sem a marca dos ranços, medos e peso do passado distante e, infelizmente, também próximo; sem a arrogância das conquistas; sem os extremos da repressão ou da permissividade; sem as hipocrisias; sem repetições. Um caminho novo! De afeto, sim! E  de muita escuta e valor a todo “respeta" mim”....


Alquimia

   Imagem de Elcio Limas
Abro os olhos.
A cortina da noite
dilui-se nos braços da aurora...
e as cores do dia...
Ah! Estas me sorriem!
E me encabulam!
Porque me veem
assim, acordando,
despida de reservas
e cuidados, entregue.
E elas bailam
e brilham, e brincam
no céu da manhã suave.
E me chamam!
Meu corpo, tímido
enlaçado por esta alegria
que compõe e
decompõe cores
no alto e no horizonte,
vibra! Ensaia movimentos.
Carinhos e contornos
que se enlaçam
cheios de beleza,
na essência do dia.


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2025, 16o aniversário do Blog! Pulei 2024, ano dos 15 anos. Aconteceu sem intenção. Retomo, agora, este espaço e esta escrita e me preparo para metaforizar silêncios e ausências. É o que eu gosto.

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