sábado, 8 de março de 2014 | Filed in:
Brincava com minha netinha. Ela, mamãe da boneca
“Mali” e eu, a vovó das duas. Lindinho demais como ela segura a boneca nos
braços e canta: “nana nenê... que a Cuca vem “pegá”, papai foi na “óça”,
mamãe foi “tabalhá”... fecha os olhinhos e bate, de levinho, amorosa, nas
costas da boneca... e olha pra mim e faz: “sch...sch vovó”, com o dedinho nos lábios!
"Ela tá “dumidu”.
No sofá da sala haviam almofadas. Ela deitou a
boneca Mali numa das almofadas e continuou ninando... daí, quando achou que ela
já estava dormindo, de fato, foi buscar algo no seu quarto. Eu, que estava
sentada no sofá, peguei a boneca no colo e continuei ninando. Ao me ver fazendo
isto, veio pertinho de mim e disse, muito expressiva e séria: - “Não, vovó!
Não podi pegá”.... Acho que demorei um pouco para me aprumar e ela deve ter
pensado que eu não iria devolver! Então repetiu: “não pega, vovó!
"Respeta" mim"!
“Respeta" mim”! Uma pequenina que ainda
não tem dois anos, falou isto para mim, hoje! E com propriedade, num contexto
adequado.
Depois, voltou para o quarto, anunciando que ia “colhê
uma opa” para vestir. Fui “espiar”. Abriu uma das gavetas do armário
e tirou tudo que havia, espalhando pelo chão. Quando me viu, falou: “que
baguça”! E, ato contínuo, começou a juntar e recolocar na gaveta. Ao
concluir (tudo amontoado na gaveta), completou: “aumô tudo”! “Agora,
qué icová denti i passá baton”, vovó”... e riu seu sorriso maroto,
apontando para o lugar onde estavam a escova de dentes, o creme dental (que
ama!) e o batom “ósa” da vovó!
Muito mais do que só me encantar com o que ela
fazia e falava, fiquei introspectiva. Esta consciência de reivindicar respeito
para comigo, desenvolvi somente depois de adulta, à duras penas. Sendo que
expressar em palavras, assim como ela, ainda hoje, não é tão simples quanto
pensar ou escrever. Meu coração palpitou forte, porque ver um ser humano
apropriando-se da palavra, usando-a para interagir, proteger-se e demarcar
limites, é tudo de bom!
Escutei, atenta, as palavras ditas com doçura e
firmeza. Surpresa e emocionada, guardei bem no fundo: “respeta" mim,
vovó”! Antes dos dois aninhos! Uma pequena mulher, já cativada pela
"maternagem" e por coisas do prazer e fazer feminino! Mas de outro
jeito que a bisavó, que a vovó e, também que a mãe. Uma percepção bem singular
de si mesma, do seu desejo e do seu lugar. E que precisa de acolhimento,
escuta, maturação.
Oh! Pensei no quanto ou quantas mulheres ainda têm
que aprender e lutar e gritar "me respeita"! Pensei na delicadeza que
temos que ter no trato com estas pequerruchas como ela; que potencializadas,
vêm desabrochando... fortes, decididas, num mundo ainda bastante machista, preconceituoso,
frágil e inseguro. Não “passar do ponto”: nem além, nem aquém. Trilhar, com
elas, sim, o caminho do respeito e do afeto. Sem a marca dos ranços, medos e
peso do passado distante e, infelizmente, também próximo; sem a arrogância das
conquistas; sem os extremos da repressão ou da permissividade; sem as
hipocrisias; sem repetições. Um caminho novo! De afeto, sim! E de muita escuta e valor a todo “respeta"
mim”....
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