Pai





Uma querida amiga, apaixonada pela matemática, disse-me um dia, há muito tempo,  que aprender subtrair e dividir é mais difícil que aprender adicionar e multiplicar. Entendi. Quem não entende? As subtrações que a vida nos faz são dolorosas. Umas, mais.
Este é o meu primeiro dia dos Pais sem o meu pai. Nem sempre estivemos juntos, neste dia, por causa da distância geográfica; mas eu sabia que ele estava lá. E era bom saber que estava lá, vivendo sua vida, sua rotina. Era só ligar e ouvir:
- “Aaalôôôô! Oh, minha filha! Como vai? E daí, quais são as últimas do evangelho”?!!!
 Já sou vovó; estou a um passo dos sessenta anos, mas de repente sou só filha e me sinto órfã de pai. E sinto esta dor sem remédio, este vazio.
Um dia, como dizem que acontece com todos, o meu “pai-herói” caiu, desmistificou. Isto produziu marcas. Mas, depois da decepção, cresci e aprendi a ver, amar e respeitar o ser humano que ele era. Meu pai era um sujeito agradável, parceiro, cativante, que sabia fazer graça com as palavras! Sem esforço, criava, transformava, acrescentava significantes e significados a elas, conforme o momento. Certamente, havia quem não gostasse. Mas ele era hábil e nos divertimos muito com ele e por causa dele. Mesmo quando não estava presente, a lembrança das suas “patacoadas”, nos trazia o riso e o brilho nos olhos. Até hoje! Me flagro, com freqüência, junto a alunos e amigos, lembrando: “Ah! Meu pai, agora, diria isto”! E sinto minha alma sorrir! Certamente, meu encanto pelas palavras, vem daí.
Meu pai tinha noção de seus limites e de algumas intolerâncias dos outros. Aprendeu brincar com isto: “tirando os defeitos, até eu sou bom”! Quando errava, fazia uma bobagem ou recebia uma crítica, repetia um ditado popular: ... “Ah! Isto acontece nas melhores, piores e médias famílias”... O que provocava divisão: irritação de um lado e risos de outro.
No hospital, me presenteou com uma última gargalhada. Ele já não abria os olhos e nem respondia às nossas solicitações. Eu o desafiei: - “Pai, por favor! Estou precisando que o senhor melhore! Tenho uma porção de espigas de milho, lá em casa, esperando que alguém tire aqueles cabelinhos! E ninguém faz isto melhor do que o senhor”! De imediato soltou uma gargalhada! Chegou erguer a cabeça do travesseiro e abrir levemente os olhos! Depois, mergulhou, definitivamente, no silêncio.
A saudade do meu pai atualiza sua palavra em mim e desafia minha palavra a reproduzir as suas histórias e produzir as minhas. Seguimos juntos, meu pai Ximitão e eu, agora no campo das sutilezas, dando continuidade às histórias, vida às palavras e significados ao nosso encontro.

- “E aí, minha filha, como vão as coisas”?

 

1 comentários:

Anônimo disse...

Aêêê !!!!!!!
Fantástico !!!!!!!
....... bem assim !!!!!!
Saudades .....


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2025, 16o aniversário do Blog! Pulei 2024, ano dos 15 anos. Aconteceu sem intenção. Retomo, agora, este espaço e esta escrita e me preparo para metaforizar silêncios e ausências. É o que eu gosto.

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