segunda-feira, 28 de dezembro de 2009 | Filed in:
Uma das coisas “tocantes”, entre
tantas especiais que guardei e que fizeram com que me reencantasse cotidianamente pelo meu trabalho,
perseverando e acreditando nele, há mais de 30 anos; aconteceu no meu primeiro
ano de trabalho numa escola, quando mudei de cidade e de estado, há uns 19,
20... anos atrás. Minha preferência era alfabetizar e logo fui informada, por
colegas que nem conhecia, que de fato, havia uma classe de 1ª série para mim; só com crianças repetentes,
com problemas de aprendizado e comportamento. Entendi logo que era uma turma
que ninguém queria e que bom que eu chegara, pois sendo “nova” no contexto, não
tinha direito de escolha e ia passar pelo teste aplicado às “professoras novatas
”. Parece que havia um rótulo e uma tradição: turmas difíceis,
alunos com muitas demandas, muito trabalho, desafio
para as professoras recém chegadas no pedaço! Eu não questionei e aceitei. Eu queria trabalhar, precisava trabalhar e
vinha de experiências diferentes, onde não haviam estes rótulos e critérios. Nunca gostei de saber e nem de receber informações sobre os alunos
que teria no ano seguinte, pois acreditava e ainda acredito que cada
experiência é diferente e cada um deve ter o direito de fazer suas descobertas
e construir sua relação com o outro sem
os “pré conceitos” de terceiros. Os alunos desta turma de 1ª série, de fato,
estavam muito defasados, alguns repetindo a série pela terceira, quarta vez. Não foi fácil, é
verdade, principalmente porque, além de todas as dificuldades e carências
envolvendo aspectos familiares, culturais, sociais e econômicos comuns nas periferias; os alunos não
aprendiam porque eles se achavam “burros”, feios, incapazes; ninguém acreditava
neles, nem mesmo os familiares: “este
menino é ruim da cabeça, professora... não aprende mesmo...” e, havia uma pessoa do grupo que dirigia a escola, que queria premiar, ao final de cada bimestre, “os melhores”
alunos da sala. Algumas vezes eu consegui impedí-la, justificando o
quanto todos estavam se esforçando e eram merecedores de premiação;
mas em algum momento, ela se impunha, enquanto autoridade (tinha seus motivos, justificativas) e todo
trabalho de resgate da auto-estima dos alunos, ia por água abaixo com a
classificação de 1º, 2º , 3º lugar... Presenciar a premiação seletiva e
excludente, era muito triste e eu tentava compensar os não premiados com elogios, afeto e mostrando a eles o
quanto estavam sabidos... Apesar disto, o trabalho fluiu e no final do ano, foi bonito demais! Foram todos
aprovados! Não dentro de um “faz-de-conta”, mas também não com perfeição e nem com
ortografia correta. Mas todos alfabéticos, conseguindo se expressar,
decodificar e merecendo avançar! Havia
brilho nos seus olhos, alegria, desejo de aprender e uma confiança
crescente em si mesmos! E havia um em especial... que me tirou muito sono e por
isto, talvez eu o tenha amado mais do que os outros; porque tudo nele era para
“menos” e tudo lhe parecia
impossibilitado. Ele foi o melhor presente, naquele ano (e me emociona
ainda hoje) e talvez só me compreendam aqueles que vivenciaram algo parecido.
Ele me presenteou com um pequeno texto, registrando do seu jeito e com poucas
palavras, todo o seu resgate naquele ano, que começou com a percepção de si
mesmo... : “Eu sou Sebastião, tenho 12 anos, tenho as pernas peludas, to ficando
inteligente e sou médio de bonito...” Eu nunca mais o encontrei, mas não esqueci e a
sua expressão “médio de bonito”, ao longo dos anos mobilizou e motiva, ainda, em mim, respeito pelo meu trabalho, reflexão,
ação e afeto.
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1 comentários:
Fantástica narrativa! Já conhecia a história, mas lendo-a (pela primeira vez), pareceu totalmente diferente... mais especial, talvez um pouco mais próxima do que ela provavelmente representou para você. 100% Tonches.
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