domingo, 24 de março de 2013 | Filed in:
Páscoa!!! Pronto! As gavetas da memória se abrem e me mostram uma lista imensa de
imagens, sensações, cheiros, toques, cores
guardadas ali, bem vivas e intactas... Na infância, a mãe guardando as
casquinhas dos ovos, que iam sendo usados no dia-a-dia, dentro de uma bacia;
depois a compra dos papéis coloridos, fininhos e lisinhos como uma seda e que a
mim pareciam mágicos... ficava observando, encantada, a mãe cortando as
tirinhas, molhando na água, depois enrolando-as nos ovos e finalmente,
colocando-os no forninho do fogão a lenha. E então, a maravilha! Depois de alguns
minutos, ela retirava os ovos do forno: estavam coloridos e as tirinhas de
seda, ressequidas e pálidas ao redor! Como num passe de mágica, a cor dos
papéis passara para os ovos! Que alegria! Quanta emoção! Estes ovos apareciam,
dias depois, nas nossas cestas, minha e dos meus irmãos, na manhã do domingo de
Páscoa! Cestas que tínhamos que procurar, pois estavam escondidas em lugares
inimagináveis! Que angústia para aquele que via os irmãos encontrando as suas,
sem conseguir descobrir o esconderijo da sua... mas que alegria, encontrá-la e
depois conferir o que estava ali dentro! Quanto bem, quanto alimento para a
imaginação, para a alma! E eram coisas muito, muito simples! Mas o máximo, o
super, para nós! Depois íamos na casa da vó Aurélia e lá sempre havia uma
cestinha nos esperando, com alguns doces que a vó fazia e ovos, também
coloridos; só que os da vó, eram ovos cozidos, que tínhamos que consumir logo!
Gostávamos de pegar e quebrá-los na cabeça um do outro! Sabíamos que estavam
cozidos!!!! Era uma delícia! Quebrar e depois comer! E a memória vai
descortinando mais coisas: cheirinhos e sensações capturados em algumas daquelas manhãs e que
ficaram marcados, eternizados ali... grama cheia de orvalho, cheiro de capim;
manhãs luminosas, com sol radiante, céu azul e um friozinho gostoso; abraços e
sorrisos dos adultos queridos; família reunida para almoço e conversas
prolongando-se pela tarde... O gosto do doce associado a estas coisas boas de
proximidade, sensação de proteção, afeto, carinho, de pertencer a algo! Um pouco
mais tarde... quando? Quantos anos depois? Não sei, mas a conotação religiosa
em algum momento entrou. A igreja, o padre, os rituais. Muita gente erguendo
ramos verdes, cantos, cheiro forte e doce, ao mesmo tempo (incenso) vindo junto
com a fumaça que saía de um potinho (turíbulo)... domingo de ramos! As imagens
da igreja cobertas com um pano roxo, escondendo algo, um mistério... a
procissão, caminhada longa, pelas
“subidas e descidas” das ruas ligando as duas igrejas católicas da
cidade... culminando com discursos exaltados dos padres e depois com a fila,
para beijar o Jesus morto, dentro da igreja. Dois depois, a missa triunfal da
ressurreição; uma festa para o Jesus que “vivia de novo”! Quanta emoção diante
de coisas que não entendia, mas que mexiam muito com meu mundo interior, minha imaginação. Mais tarde, na juventude,
tudo, gradativamente, teve uma outra conotação, com o amadurecimento; com as
informações, com a compreensão dos fatos históricos, da simbologia, das
metáfora e dos mergulhos nestas questões filosóficas e espirituais; que tiveram
sempre um lugar e marcaram a vida, em todos os momentos e contextos. E deste tempo, muito vivas as imagens do
grupo de jovens, dos amigos inesquecíveis; das nossas caminhadas, na sexta-feira santa, antes
do nascer do sol, para colher “macela” (marcela para alguns); dos encontros,
das reuniões, dos ensaios e representação da “Paixão de Cristo”; das reflexões
e conflitos, buscando entender e “casar” as questões religiosas com as sociais,
com a realidade, com as contradições que percebíamos nos discursos e práticas
dos adultos e da sociedade... E a memória continua, lúcida e precisa, trazendo recordações mais recentes, da
vida adulta. Eu mãe, querendo oportunizar aos filhos, este mesmo encontro com a
magia, a beleza; mesmos valores, ideais e ideias envolvendo a Páscoa... algo bastante difícil
e quase infrutífero, porque os tempos são outros, com pouco espaço para encantamentos
e “magias”; com muita racionalidade, muita realidade já para os pequenos; muito
apelo para consumir, gastar, comprar pronto, pular fases e incentivo para a reprodução precoce dos comportamentos,
falas, gostos e atitudes dos adultos.
Muita secura, vazio, banalização e superficialidades povoando a infância destes
nossos dias. Como foram importantes a fantasia e a imaginação nos momentos de brincadeira
ou solidão e abandono de fato, ou somente a sensação ou o fantasma deles, na
infância. Ajudaram a suportar, transformar, organizar, amadurecer e enriquecer a vida. Semana Santa: santa de
ser boa e especial. Boa de “coisas boas” para lembrar,
fazer, experimentar, descobrir. Boa nas tentativas, no exercício de “juntar” passado
e presente; vida e religião, matéria e espírito; corpo e alma; saudades e
realidades; o possível e o impossível, o palpável e as sutilezas... Especial
de nos destacar como indivíduos, sujeitos únicos e insubstituíveis neste universo
de tantas criaturas. A tal ponto de uma "divindade" vir até o nosso nível e dar a
vida por amor a nós (independente de ter sido exatamente assim ou não, de ser
realidade ou fantasia). Maior prova de amor não há. Quem ama sabe. Sabe porque
dá a vida, a qualquer hora, em qualquer dia, num impulso, sem refletir, nem
questionar, para o ser amado. Só depois que encontrei em mim mesma esta certeza
e disposição em dar minha vida por aqueles que eu amo, se isto fosse preciso
para que fossem felizes, ficassem bem; entendi alguns destes mistérios
apaixonantes que envolvem a Páscoa.
This entry was posted on 14:01
You can follow any responses to this entry through
the RSS 2.0 feed.
You can leave a response,
or trackback from your own site.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
0 comentários:
Postar um comentário