segunda-feira, 28 de julho de 2014 | Filed in:
Ao redor do leito da irmã mais velha,
Olga, Elvira e Ottilia se revezam em conversas em voz baixa; agradinhos a
Josephina, a Pina; que olha para elas com seus olhos profundamente azuis,
marejados; faces rosadas do frio; boca murcha. Imóvel e aparentemente num mundo
a parte, ela murmura coisas, sons desconexos, que uma e outra interpreta,
adivinha. Um encontro de lamentos; um pacto de solidariedade entre as quatro. A
quinta, Nair, está ausente, neste momento; mora numa cidade vizinha.
Cinco mulheres solitárias, todas viúvas, menos a
Ottilia; de repente, a mais desconfortável, pois que solitária de marido
presente, vivo. Encurvadinhas, todas elas, cultivando e nomeando suas
dores, entremeando as conversas com suspiros e risinhos, sempre que algo
bom, lembrança bonita, vem à tona. No rosto, traços de suave beleza consumida
pelos anos, pelas faltas, privações e desilusões. Nas mãos, os traços do
trabalho duro; muito bem descrito, ali e, de fácil interpretação. – “Ah! A
vida foi dura, mas voltaria a viver tudo novamente”! – é uma frase repetida
por todas (será que combinaram?), em momentos distintos. E o passado volta,
evocado por uma e acolhido por outra: - “o papai era muito amoroso”... “era
bravo, mas amoroso”... “a mamãe era mais dura”...
A Olga “sempre foi a mais brava", casou mais tarde e a vida lhe presenteou com uma
filha. A Pina “era muito bonita, loira”; a mais velha... casou com o
Donato, "bonitão", “boa pinta”, sempre bem arrumado, sapato
branco, bem lustrado! Teve quatro filhos. Elvira, de riso fácil, doce, a mais
alegre, divertida; encontrando graça em tudo... teve três filhos homens e
perdeu, além do marido, um destes filhos, já adulto e “nunca mais foi a
mesma”... Nair, casou por último e foi morar na cidade vizinha. Teve quatro
filhos e também perdeu um deles, uma menina, ainda pequena. Um caso doloroso e
que ninguém esquece, nem eu. Sempre que alguma criança cai e bate a cabeça,
fico apavorada, pensando que pode acontecer a mesma coisa. De onde uma mãe tira
coragem para prosseguir em frente, depois que perde um filho? Ottilia,
pensativa, observadora, ligeirinha e vaidosa, a caçula, teve quatro filhos e um
deles, sou eu, a primogênita e única garota.
Sempre gostei muito destas minhas tias. Sempre
admirei a cumplicidade delas e sonhei muito em ter uma irmã para dividir a
vida, como elas. Mas não tive. A tia mais próxima de nós, foi a Olga. A que
mais "perambulou pelo mundo", morando em várias cidades e estados;
até, finalmente, retornar ao lugar de origem. Ajudou minha mãe nos cuidar e
“criar”, quando éramos pequenos e o laço de afeto, com ela, sempre foi mais
forte. Na infância, a casa dela era o lugar onde gostávamos de ir e esperávamos
para passar as férias. Era bom demais! Eu gostava de ir com minha mãe na casa
de uma e de outra tia, semanalmente, para o “mate”. Enquanto o mate girava,
junto com as bolachas, cucas, bolos e calça virada, a vida era atualizada. E
elas riam muito e também se queixavam de coisas que não lembro. Eu lembro apenas
da sintonia, do calor e de como era bom ficar ali, entre elas, ouvindo o que
não entendia, mas que intuía ser do universo feminino... todas muito
trabalhadeiras, caprichosas e peritas na arte da limpeza, do passar uma roupa,
lavar uma calçada, fazer uma comida gostosa; um doce mais do que doce! Todas
muito jeitosas, com uma elegância natural; sendo que entre, elas, minha mãe,
sem dúvida, a mais elegante, sempre magrinha e com bom gosto. Todas mulheres
fortes, decididas, porém submissas a seus maridos. Talvez nunca, nenhuma delas
tenha percebido sua própria fortaleza, grandeza e beleza e, o quanto estavam
além daqueles homens que nem sempre, ou muito pouco, valoraram seu ser e seu
fazer. Estudaram pouco, o suficiente “para aprender ler e calcular”. Era
assim, antigamente. Era preciso trabalhar e o estudo não tinha o caráter de
prioridade que tem hoje. Não avançar nos estudos foi uma
pena, um desperdício de inteligência e talento.
Queridas mulheres formidáveis,
filhas do nono Cossetin! Eu reconheço e vejo vocês (e o que não alcanço ver,
intuo) e todo seu brilho, toda sua beleza, sua generosidade e todos os seus
feitos cotidianos (uma lista longa que sai do anonimato na medida que se
aprofunda o olhar) dedicados, na gratuidade, aos seus queridos e a tudo que
seus corações elegeram como valor.
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