quarta-feira, 2 de novembro de 2016 | Filed in:
as
folhas soltam-se
ao
sabor
do
vento,
da
chuva
das
estações
e
do seu tempo...
Entregues
e preguiçosas,
acumulam-se,
na
calçada,
ao
longo do meio-fio,
na
rua...
Durante muitos anos, onde estivesse, meu
pai celebrava um ritual com estas folhas que envelhecidas, precocemente ou não,
perambulavam pelo chão, pisoteadas, ignoradas, rejeitadas. Todos os dias, ele,
a vassoura, as folhas e o que mais estivesse ali jogado. Um encontro firmado,
juramentado; fizesse chuva; fizesse sol.
Quando possível, eu gostava de observar
e acompanhar este fazer matinal, meticuloso e teimoso do meu pai. Ele
exagerava: varria também a rua e muitas vezes, extrapolava o seu espaço e varria
os espaços dos vizinhos, por puro prazer! Mas era demais para suas
condições físicas. No entanto, os exageros sempre foram sua marca registrada;
seu charme e seu prejuízo. Isto não teve jeito.
Ele varria e classificava; organizando
montinhos: folhas, pauzinhos e outros descartáveis encontrados; encaminhando
cada qual para um destino.
Eu pensava e ainda conjeturo sobre o que
mais o meu pai varria, ali? Lembranças? Culpas? Saudades? Excessos? Sonhos?
Esquecimentos? Amores? O tempo?
Não varria com raiva, nem com pressa,
nem de qualquer jeito. Varria com zelo, com carinho, com capricho. Muitas
vezes, depois de tudo limpinho, lá vinham deslizando outras e mais outras
folhas e ele, pacientemente, como numa dança, esticava a vassoura e puxava uma
a uma... até combinar uma trégua! Não era como se desprezasse, juntasse lixo.
Nem que isto o aborrecesse! Era como se acolhesse, protegesse aquelas sobras,
aqueles descartáveis... destinando a eles um último olhar, um último cuidado.
Era um trabalho bem feito. De entrega, doação e interação funda; como outros
que fazia. Era bonito olhar! Assim como sempre foi apaixonante observar minha
mãe passando roupa... uma arte!
Nestes últimos dias, em que o pai esteve
doente, as folhas se acumularam sobre a calçada, sobre o meio-fio e sobre a rua, num claro lamento. E quando, ele
definitivamente decidiu ir embora; levar seu olhar sutil e riso maroto para
curiosar outras mãesagens por aí; eu
decidi varrer, sentindo-me guardiã deste seu fazer. E foi tão bom! Mas, com certeza, preciso
de treino cotidiano.
Num destes momentos de treino matinal,
uma senhora passou e perguntou-me:
- Bom dia! Tem notícias do seu
“Schimite”, o velhinho que estava sempre varrendo esta calçada... soube que
está doente...
- Bom dia! Ah! Ele faleceu, senhora! –
respondi, a emoção subindo para os olhos.
- Puxa! Que pena! Mas Deus sabe o que
faz.... – consolou ela, mostrando-se bem despachada e, emendou, curiosa: - E a
senhora, trabalha aqui? Quem é?
Ah! Minha memória funcionou rapidinho! E
atualizou, num de repente, momentos e
situações em que ouvimos, eu e meus irmãos, a mesma pergunta, durante longos
anos, num passado nem tão longe assim e para a qual tínhamos uma mesma
resposta, cheia de significantes e orgulho: - “Sou filha do Schmitz, lá do Samrsla” ou “Sou
filha do Schmitz, lá da Casa dos Retalhos” (lugares onde o pai trabalhava).
Éramos, nós quatro, reconhecidos no reconhecimento da figura, das qualidades e
responsabilidades do nosso pai. Era bom demais!!!
Curti fortemente a lembrança; mas o
momento era outro. Respirei e falei:
- Sou a filha dele, do velhinho, do
Ximitão! Estou aqui aprendendo como se varre bem uma calçada, agora que ele não está mais por
aqui!
Ela me olhou um pouco surpresa e seguiu seu caminho, sem saber o que dizer ou sem
querer dizer alguma coisa.
E eu quase pude ouvir o riso debochado
do meu pai e a frase que enjoamos de tanto ouví-lo repetir, sempre que acontecia
algo assim: meio sem jeito, meio sem graça, meio errado, meio chato, meio
“mico” com ele ou com algum de nós: -“ Não
se preocupem, isto acontece nas melhores, nas piores e nas médias famílias...”!
Apesar do pouco
treino, dizem que estou varrendo bem. Bah! É que tive o melhor professor!
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12 comentários:
EMOCIONANTE...
Chorei...
Emocionante Maisa!
Noooooooossa, "mana véia" !!!!!!!!!!
Só vc mesmo hein ???????
Fantástico !!!!!!!!!!
Amo vc !!!!!!!
𝐿𝒾𝒾𝒾𝒾𝓃𝒹𝑜 𝓉𝑒𝓍𝓉𝑜!𝒬𝓊𝑒𝓂 𝓇𝑒𝒶𝓁𝓂𝑒𝓃𝓉𝑒 𝒶𝓂𝒶𝓂𝑜𝓈 𝒿𝒶𝓂𝒶𝒾𝓈 𝓂𝑜𝓇𝓇𝑒, 𝑒 𝒶𝓈𝓈𝒾𝓂 𝓈𝓊𝒶 𝓂𝑒𝓂𝑜́𝓇𝒾𝒶 𝓋𝒾𝓋𝑒𝓇𝒶́ 𝓈𝑒𝓂𝓅𝓇𝑒 𝒶𝓉𝓇𝒶𝓋𝑒́𝓈 𝒹𝑒 𝓃𝑜́𝓈, 𝒹𝑜 𝓃𝑜𝓈𝓈𝑜 𝒶𝓂𝑜𝓇, 𝒹𝒶 𝓃𝑜𝓈𝓈𝒶 𝓈𝒶𝓊𝓊𝓊𝓊𝒹𝒶𝒹𝑒...
Querida Maísa,só você para fazer desse momento de dor,algo tão lindo!!!!chorei!!!!amei!!!contemplei!!!viajei!!!!refleti!!!!obrigada!!!!!bjos
Querida Maísa,só você para fazer desse momento de dor,algo tão lindo!!!!chorei!!!!amei!!!contemplei!!!viajei!!!!refleti!!!!obrigada!!!!!bjos
Tu se superou, minha querida! Amoroso, sensível, emocionante e sensacional!
Que bela magia, é transformar a dor em poesia ...
Lindo Maisa, toca o coração...
Lembrei de muitos e pequenos momentos vossos com o 'voico', que tive o prazer de presenciar/partilhar;o que mais vêem a memória era sempre o carinho e afeto entre todos. Que rica herança deixa o schimitao: amor! Sinta-se abraçada, fiquem bem, um beijo grande deste que tanto lhes quer bem.
Jere
Obrigada pela visita e pelo carinho de vocês!!!!!
Um grande abraço!!!!
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