terça-feira, 4 de dezembro de 2018 | Filed in:
- “Vovó”!
- Hum...
- “Sabe o que eu estou pensando”...
Tirei meus olhos das panelas e olhei para a
pequena, que já estava há um bom tempo sem falar, brincando com slime...
- O que você está pensando, querida?
- “Eu estou pensando que se os
ladrões, naquele dia, tivessem lido o que está escrito, ali, na geladeira, eles
não teriam roubado nada, aqui na tua casa”...
Eu sabia a que ela referia. Em 2016; trabalhamos e partilhamos
uma mensagem com familiares queridos, durante o Advento. Na época, anotei a
mesma no bloquinho de recados, na geladeira e ela permanece ali. Ninguém apaga!
De lá para cá, recados e lembretes são registrados no curto espaço ao redor;
mas ninguém fala ou apaga a mensagem, ninguém se atreve! Acredito que foi
um combinado entre corações!
Como sempre acontece, o comentário inusitado da
pequena, mexeu fundo comigo. Escuto com atenção e prazer tudo o que esta minha
neta me fala. E, em relação a este assunto do assalto, tenho andado preocupada...
O fato se deu no domingo, dia do segundo turno das eleições deste ano. Enquanto
votávamos, ladrões invadiram nossa casa. Quando chegamos, encontramos a mesma
toda revirada! Foi algo extremamente chocante para nós, adultos; imagine para
ela, que estava conosco!
Difícil tratar deste assunto, especialmente com uma
criança. Bom se pudéssemos poupar os pequenos destas violências... de todo e
qualquer tipo de violência!
Os ladrões, entrando em nossa casa,
não invadiram somente o imóvel; invadiram meu íntimo, levando coisas preciosas,
que não têm preço; produzindo uma dor que ainda não consigo nomear. Mas não
sinto raiva, ódio. Por enquanto, só tristeza e luto. Lamento
esta realidade. Triste realidade a que todos estamos submetidos,
cotidianamente.
Combinamos, entre os familiares, não tocar no
assunto em presença da pequena e nos mantermos atentos às reações dela.
Observei que cada dia, comigo, algo aparecia: um comentário, uma pergunta, um
medo, uma insegurança, um olhar fazendo uma varredura atenta no ambiente, etc.
E hoje, expressou este pensamento! Algo mais profundo. Vindo com reflexão. Não
só do instinto.
Ela podia ter concluído, como muitos, que: “ih,
vovó, de que adianta você rezar por nós... isto não impediu esta coisa ruim
acontecer... não adianta ser bom, etc. Mas não! Ela só disse que “se tivessem lido, não teriam
roubado”! E nisto, eu vislumbrei esperança! E eu encontrei palavras:
- Verdade! E sabe que eu acho que eles leram!
Ela me olhou, atenta!
- Acho que sim, querida! Eles entraram na casa
através de uma janela do quarto da vovó, na parte de cima e pegaram coisas que
estavam lá, né? Então, quando chegaram aqui embaixo, na cozinha; é bem provável
que tenham visto a nossa mensagem e foram embora! Não levaram nada do que
estava aqui!
E não levaram mesmo; nem mexeram na cozinha.
Não sei se fiz certo, falar assim. Fiz o que o
coração inspirou e senti que para ela, ouvir isto, foi bom; relaxou. E foi isto
que importou, para mim, no momento. Em outros “amanhãs”, certamente ela fará
novas perguntas, reflexões e associações. Aí veremos. Será outro dia e nós
duas, o acréscimo de outros dias e experiências.
Mas hoje!!!! Hoje foi especial. A sua fala animou
minha crença e minha esperança. Maria Margot acha que, se os garotos, sim
porque as evidências indicam que foram jovens; soubessem que deviam semear
amor, não teriam assaltado nossa casa! Ela não sabe, ainda, que esta é uma
realidade extremamente complexa. De minha parte, tenho preocupação. Muita! Como vamos resolver e tratar
esta violência que ganha espaço e parece já nascer dentro de alguns indivíduos? Penso
muito sobre isto e sobre as causas.
Minha neta, como é natural nas crianças, fez uma
generalização: quem lê, sabe. E sabendo, faz ou não faz; escolhe.
Simples.
Ela ainda vai aprender que acessar à leitura, para
muitos e muitos, não é assim fácil como foi para ela; que não é
porque um sujeito lê, que se pode dizer que sabe. Saber passa por muitas conquistas, que estão relacionadas ao
desejo, às oportunidades, à reflexão, à autonomia, à autoestima, à saúde, ao
respeito e valor que lhe dá o outro, ao exercício cotidiano de questionamento, investigação,
experimentação e reelaboração de conceitos, preconceitos e limites; à
generosidade e ao benquerer recebido ou não. Sem falar do exemplo, das
atitudes, do jeito de “ser” dos que estão educando o sujeito.
Crianças fazem isto: ora nos deixam sem palavras,
sem ação; ora inspiram palavras e pensamentos sem fim... sou grata! Tem sido um
privilégio conviver e aprender com alunos, filhos e agora com Maria. Nos
momentos mais insípidos, eles estão ali, lembrando sobre o que semeamos e sobre
o valor da semeadura; resgatando nossa fênix, nossa alegria e esperança!
Maria, num momento ímpar, sublime; atualizou nossa
tristeza e, ao mesmo tempo, resgatou a minha, a nossa crença mais profunda: que
semear amor é o melhor jeito de
transformar e melhorar os sujeitos e o mundo!
Agora, estou aqui, imaginando a continuidade desta nossa
conversa... sobre como se semeia amor e onde encontrar as sementes!!!
Maria, eu te amo!
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2 comentários:
❤️
Maísa como sempre amo tudo que escreves...e esse texto particularmente me fez refletir muito..penso que talvez por poucos dias tive uma experiência parecida...num momento que não consigo esquecer qdo um jovem me assaltou em plena rua dirigindo...É uma experiência muito dolorosa em vários sentidos!! E até hoje ainda não me refiz...Obrigada por suas palavras que aquecem o coração e nos fazem acreditar no amanhã!!!!bjos!!!!
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