Acolhimento


A luz do sol e dos verdes outonais entrava, curiosa e melancólica, pelas janelas, nos espiando sem disfarce. Preparávamos o almoço: Maria e eu. Era meu aniversário e ela mostrava-se desejosa em agradar e também em aprender: era a primeira vez que tinha permissão para usar a faca. Cortava pepinos. Eu acompanhava seus movimentos, admirada e dividida entre o “ainda e o já”: ela “ainda tem seis anos” e o “já está com quase sete anos!!!  
De repente, o telefone tocou. Era a bisa; minha mãe que ligava, lá do RS. A pequena atendeu, conversou um pouquinho com a bisa e passou-me o telefone. Evidente que fiquei emocionada com a conversa com a mãe, tão distante e, especialmente neste dia... Daí, o inusitado:
- Vovó! – a pequena colocou sua mãozinha sobre a minha... aquele gesto típico que se faz quando queremos consolar alguém; expressar solidariedade; quando olhos e toque falam: “estou aqui, estamos juntos”.
- Vovó! –chamou novamente. Desta vez com maior firmeza no tom e no tato. Solicitando que o meu olhar  sustentasse o seu.
- Vovó! Pode chorar, querida! Pode chorar! Pode ficar triste! Não tem problema! Quando a minha mãe foi para o Peru, eu também fiquei triste e chorei de saudade! Sei bem como é isto... Pode chorar! Depois vai passar! – falou; doce, olhinhos brilhantes, acolhedores e carregados de sabedoria infantil. Acrescentou um abraço, um beijo e voltou para o trabalho. 
E eu, claro,  chorei.
Porque há um momento em que tudo trava, engasga, fica branco, some, paralisa... e só as lágrimas têm trânsito livre, razão e sentido. Sentir-se amado e acolhido é mergulhar num vazio preenchido de significantes, onde a gratidão curativa tudo e agiganta o sentido de viver. 

 

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2025, 16o aniversário do Blog! Pulei 2024, ano dos 15 anos. Aconteceu sem intenção. Retomo, agora, este espaço e esta escrita e me preparo para metaforizar silêncios e ausências. É o que eu gosto.

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