Boné


            


O pai gostava de usar boné! Era extremamente cuidadoso com a pele, muito clara. Seguia, à risca, as orientações da dermatologista, usando, religiosamente, protetor solar e o boné para proteger a “careca”. Era um ritual bonito de ver, este, sempre antes de qualquer saidinha de casa. E usava, sem trégua, o mesmo boné por longo tempo... Eles iam descolorindo, “afinando” de tanto uso e de tanto a mãe lavar. Não se preocupava com a aparência; só com a utilidade. Por isto, de quando em quando, um familiar o presenteava com um... geralmente de cor ou detalhe vermelho, porque era apaixonado pelo Inter! Mas afirmava que não era fanático!
Quando fazia as pequenas viagens, vindo do RS até SC, para me visitar, trazia dois ou três bonés. Dizia, no tom de gozação que lhe era peculiar: - “Olha aqui, minha filha, trouxe três bonés pra fazer bonito e ninguém pensar que só tenho um”! Mas se a mãe ou um de nós não lembrasse, usava sempre mesmo! E todos nós, aqui ou lá, sempre fazíamos muita graça com este assunto! Alémde exibir os bonés, gostava de demonstrar que ainda tinha boa memória, nomeando quem o havia presenteado com qual boné.
Alguns meses antes de falecer, o pai ganhou o último boné. O genro trouxe um, todo vermelho, do Canadá; deixando-o muito contente! O boné era precioso não só porque era novo, vermelho e vinha do “estrangeiro”; mas principalmente porque naquele país distante, morava um neto e o boné trazia e recordava muito, muito afeto e belas lembranças... de uma vida toda... de muito carinho, partilhas e alegria!
Depois que o pai “se foi”, a mãe desfez-se de quase todas as suas coisas. Guardou umas poucas e entre elas, o boné vermelho, vindo do Canadá. Ela o pendurou num lugar, na cozinha, justificando: - “deixo o boné ali, para me fazer companhia”! Impossível a gente andar por ali, sem ver o boné, sem fazer um comentário e sem dar boas risadas, porque lembrar do pai é, via de regra, chamar alegria; porque ele era um “baita gozador”.
Foi ali, na cozinha, que surgiu a ideia de levar o boné do pai para viajar conosco, a Goiânia. Eu e um dos meus irmãos levamos, em Julho, a mãe para visitar o Santuário do Divino Pai Eterno, em Trindade. A mãe nunca tinha viajado de avião e ia realizar dois sonhos: visitar o Santuário e “andar de avião”. O pai, quando vivo, dizia ter medo de avião. Mas gostava de viajar! Era um apreciador das “mãesagens”; não perdia um “lance”, um detalhe! O passeio ao Santuário foi bonito, leve, alegre, intenso...
Bom demais andar e olhar, de vez em quando, pra vida, com os olhos curiosos do pai e com um boné na cabeça, para proteger a “careca”, as ideias e os sonhos !
Hoje, o Ximitão faria 87. Saudade!

 

0 comentários:


Minha foto
2025, 16o aniversário do Blog! Pulei 2024, ano dos 15 anos. Aconteceu sem intenção. Retomo, agora, este espaço e esta escrita e me preparo para metaforizar silêncios e ausências. É o que eu gosto.

Arquivo do blog