terça-feira, 7 de março de 2023 | Filed in:
Noite. Estávamos ali, as duas, eu e minha mãe, contemplando a noite… Sem tv, sem música, sem novela, filme ou série. Sem celular e sem notebook. Na verdade, viajávamos. Cada uma, pelos caminhos da sua memória e da sua saudade. Eu aterrissei num passado muito distante, na infância, que foi um tempo sem eletrônicos; quando as noites eram assim, das luzes amareladas e opacas, das sombras, dos grilos, dos vagalumes, do canto dos ventos e das folhas perambulando pelo chão. E também do espaço que havia, entre estas coisas, para a imaginação e para a interpretação fantasiosa das conversas e risadas dos adultos, que acompanhávamos, mas nunca interrompíamos. Quando escurecia, depois que fazíamos as tarefas, a mãe lavava a louça da janta e não havia roupa para passar, descíamos a rua, rumo à casa do nono e da nona. Lá, os olhos melancólicos da nona, o cheiro do “chá-de-mate” no fogão à lenha e do “paiero” do nono, junto com os causos que ele contava, nos aguardavam. O movimento apaziguava. Não havia pressa para fazer qualquer coisa. Tudo tinha um tempo gostoso de transição e preparo. O nono era um contador de histórias nato: voz grave, forte e sua gargalhada, uma cachoeira! Enchia o espaço, a cabeça e os olhos da gente. Um torpor ia tomando conta do corpo e, de repente, a voz dele ia ficando cada vez mais longe ou cada vez mais sussurrante e nossos olhos pesando… A mãe cutucava: - Não dorme! Aí, num prisco, nos perfilávamos, curiosos, para ouvir o final do causo. Depois, retornávamos à casa. O pai estava longe, em algum hotelzinho de beira-estrada. Era caixeiro-viajante. Só voltava na sexta-feira; sempre trazendo algum presentinho: rapadura, balinhas, abacaxi, banana, ovos, queijo, milho verde… Agora, vivemos um outro tempo. O nono, a nona, o pai chegando nas sextas-feiras, empoeirado e, apesar do cansaço, alegre e cheio de surpresas; a nossa infância, as noites de proximidade, povoadas de histórias e vagalumes, não existem mais. Ficaram lá, numa esquina do tempo. Porém, de repente, sempre que o cenário favorece e nos entregamos, elas retornam, atualizam; tocam, abraçam e nos lembram quem somos e de onde viemos... Isto é precioso, extremamente sensível.
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