domingo, 18 de julho de 2010 | Filed in:
Escolhia o tipo de lente, a armação, o anti-reflexo para os novos óculos. Para ver os detalhes, precisava colocar os óculos velhos. E me sentia melancólica. Ainda não acostumei com esta perda. Ainda mexe, assusta, estar no supermercado e não conseguir ver o preço das coisas; estar no banho e não distinguir qual o shampoo, qual o condicionador; não conseguir ler e nem escrever sem o auxílio do óculos e, também, não distinguir detalhes, pequenos detalhes, tão importantes para mim. Até tão pouco era apenas a dificuldade de ver de perto, de repente, num retrocesso galopante, agora são necessárias as lentes para ver de longe também. Envelhecer tem me trazido coisas boas. Menos esta. O analista me lembrou Tirésias e eu gostei, fez bem. No meio do desassossego trouxe a minha lembrança, algo que me encanta. Diz o mito que Tirésias era um vidente, cego e sábio; tinha o dom de enxergar coisas que outros não viam. O que me encanta e prende é o olhar e ver! Olhar fundo e ver com os olhos de dentro. Adélia Prado diz algo que adoro: "Deus, de vez em quando me tira a poesia. Olho para uma pedra e vejo uma pedra". Eu também gosto de ver os detalhes da pedra, o que há na sua singularidade e possibilidades infinitas! Assim, ela e as outras coisas vão se tornando únicas e isto durante toda a vida, tem me oportunizado felicidade! Mas para ver assim, preciso ver a pedra. De repente fiquei com medo de não ver mais a pedra. Fiquei com muito desejo de olhar mais e demoradamente cada ser e cada forma. Nem é para tanto, mas o fantasma do medo é terrível e se diverte com a fragilidade do momento. Respiro e relaxo. Eu tenho os óculos! Que bom! Que presente! Concluo o mesmo que outros: é o medo de perder que motiva cuidar. Descubro, com alegria, que fechando os olhos, mergulhando na escuridão, encontro bem marcado, colorido, vivo e vibrante, tudo aquilo que me rodeia, que eu amo e capturei com os olhos externos nestas estações vividas. Abro os olhos e vejo que o que está dentro, está fora e contemplo com respeito e emoção os verdes que se dobram e se entregam, sem escolha, para a chuva insistente e fria, porque parece que é assim mesmo; o desconforto, o limite, a frustração, as perdas, são inevitáveis, impiedosos; mas têm beleza; trazem aprendizado, têm razão de ser.
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