Ele
foi chegando mais perto de onde eu estava; envergonhando e pelo jeito, bastante tenso. Fiquei esperando, acompanhando seus
movimentos em silêncio, atendendo um e outro, na mesa de trabalho. Sabia que ele queria conversar, mas esperei...
Até que sentou em frente.
– Tudo bem, querido? – perguntei.
–
Não muito... – respondeu evasivo; observando o movimento dos colegas;
demonstrando que não queria que ouvissem.
-
Aconteceu alguma coisa contigo?
-
Ah... é que as coisas estão um pouco ruins lá em casa...
-
É... e quer falar sobre isto? – indaguei com cuidado.
-
É... a minha mãe... ela está muito
“incomodativa” comigo...
E
relatou o que estava acontecendo. Depois de confidenciar coisas da casa, continuou
dizendo que a professora também estivera “incomodativa com ele, naquela manhã...
Prosseguimos conversando. Eu ouvindo, perguntando uma e outra coisa; procurando
entender o significado de “incomodativa” para ele e ele falando, falando... cada
vez mais aliviado. Eu “via” o alívio aparecendo no rosto e nos olhos! Até que
finalmente sorriu quando perguntei se eu também estava “incomodativa”! Aí foi
brincar! No final da tarde procurei por ele e me disse que estava bem. Tinha
deixado todas as “incomodações” na conversa, pela manhã! Não consegui esquecer o encontro.
Fiquei incomodada com o “incomodativa”. Em relação ao aluno, qparentemente,
tudo que ele tinha registrado como “incomodação” por parte dos adultos, era
sinônimo de limite. Está sendo difícil para ele, no momento, lidar com os
limites aparecendo em casa e na escola. No entanto, ele falou do seu sentimento
e, do seu ponto de vista; com ele está tudo bem; os adultos é que estão
interferindo, atrapalhando, incomodando. Eu tenho que respeitar este sentimento
e esta percepção. Porém, o outro lado da moeda é real: muitas vezes, nós
adultos, incomodamos mesmo as crianças (e não só elas: os companheiros, os
filhos, os colegas, etc), com nossas atitudes infantis, desrespeitosas; com o
nosso verbo desrespeitoso, com rejeição, com preconceito, com comparações, com
depreciações, com a impaciência, com o autoritarismo, com a banalização dos seus sentimentos e ideias; com a permissividade, com
a arrogância e com nossa ignorância. O melhor de tudo, com certeza, foi que o
aluno pode falar; teve uma escuta! Aprendo
quão maravilhoso é ouvir, receber estes “toques”, direta ou indiretamente e ter a chance de rever a vida,
as atitudes, melhorar a qualidade do ser; observar se sou, estou e se quero ser
uma “incomodativa”; e mais: decidir que tipo de incomodativa quero ser (pois
não dá para educar sem ser incomodativa): se aquela que desafia, desacomoda e
motiva para que o outro cresça ou aquela que fere e deprecia, egoísta; que “põe
pra baixo”; não cresce e ainda impede ou atrapalha o crescimento do outro!
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