126 - O quartinho

        Bem aqui, no quartinho, herança da filha que foi embora, forrado de madeira, quentinho e aconchegante, no mais alto da casa, entre minhas ferramentas e tesouros: cadernos, livros, escritos, canetinhas, trabalhos dos alunos, fotos, postal do filhote distante; um chaveirinho especial, músicas preferidas, um chocolatinho dentro de uma cestinha (delicadeza de uma aluna)... escuto o vento sibilante!!! É tarde, do ponto de vista do ontem, mas ainda muito cedo para o hoje, visto que faz pouco que passou da meia noite. Aqui o vento parece mais forte do que nos outros lugares da casa, talvez porque o abraço da mata seja mais apertado, a escuridão e o silêncio intensos; a distância da rua e das luzes maior... e então, ele, o vento, provoca as folhas das árvores que se agitam, alardeiam, muito perto de mim... criaturas bailando, produzindo sombras inquietas nas janelas. Acho que o vento brinca! Ou faz faxina! De repente vem numa correria, intenso, leva tudo, mexe tudo e passa... vai até lá na esquina e tudo fica muito quieto... então ele volta, barulhento! E fica neste vai e vem... repetitivo... provocando sobressaltos, remexendo meus guardados internos, lembrando a fragilidade da vida e a importância de cada momento. Eu sinto a presença e vejo os rostos dos meus queridos, eles me fazem companhia. Meu amor agiganta e só por este momento nem sinto saudade, tão real eles aqui...

O dia nasceu
sombrio, quietinho
de tristeza ou brabeza?
O vento agita, dispersa
folhas e galhos
e pássaros ....
Um canto
uma brincadeira
que inicia aqui
já se quebra ali...
e tudo silencia...
será por temor
dor ou puro amor?





125 - O que os olhos nâo veem...

Se os olhos veem
o coração sente...
é pura realidade!
Se os olhos não veem
o coração
continua sentindo...
é pura saudade!
Se os olhos abrem
eles se iluminam!
Veem com prazer
o que está fora...
é puro contentamento!
Se os olhos fecham
vibram! Porque...
o que está fora
está dentro
inscrito,
é puro sentimento!

124 - Antecipação

Ainda inverno
ainda frio
mas em momentos
em dias inesperados:
calor, sol alegre,
brisa suave!
Botões desabrochando!
Uma primavera ansiosa
que se antecipa
enviando comitivas
se anunciando, insinuando
bela, cheirosa
em pequenas aparições
aqui e ali
no jardim,
nas copas das árvores
e onde mais lhe agrada
onde menos se espera!
E a vida se espreguiça
instaurando movimento!
E uma chama reascende
põe brilho nos olhos
acelera o coração
recompõe esperanças
acorda desejos
que hibernavam
em cavernas sombrias.

123 - Realidade

A realidade é o ponto final.
Final de sonhos
de ilusões.
Vão-se as exclamações
as reticências
e as interrogações.
Nem mais as vírgulas
separando expectativas e
suspiros e inquietudes
e emoções fundas.
Fica a concordância verbal
no pretérito imperfeito:
eu ilusionava
eu sonhava
eu esperava
eu amava
eu escrevia
eu sentia
eu queria.
Fica num movimento de resistência
ao hiato que se instaura
a um passado que se inaugura
a uma tristeza que se enraíza.
Mas o olhar permanece
contemplando e dando
vida e direção aos adjetivos
aprendendo a conjugar
o possível e o real
no tempo presente.

122 - HOME

       Um documentário lindo, em espanhol. Assisti com os alunos. Quem trouxe foi a professora de Arte e Filosofia. Ela explicou, antes, que HOME, naquele contexto, tinha o significado de LAR. Poderia significar casa, mas como ela mesmo diz, casa é só uma construção; pode não representar nada mais profundo e não significa que ali haja alguma relação. Mas lar... lar é profundo. Significa aconchego, acolhimento, interação, lugar seguro, bom de ficar! Quem dera todos tivessem um lar, não só uma casa... O documentário fala sobre a constituição do nosso planeta e da vida e, de como as relações de interdependência foram se constituindo; belas teias que nos enlaçam em todos os níveis, em todos os setores, em todos os sentidos, em todas as relações. Lindo! Imagens maravilhosas, fortes. Laços fortes. É bom pensar na Terra como um lar, nosso grande lar! Um lar acolhedor, com luz, calor e cor. Um lar que não está fechado, estático; mas sempre em movimento, em transformação, se renovando, produzindo e inspirando, como todos os lares, mistos de inquietudes, desafios, encontros, temores, alegrias, paixões, revoltas, reflexão; demandando cuidados, atenção, ajustes, responsabilidades. Todos os dias.

121 - Por entre ...

Por entre
solicitações
daqui e dali
e de lá,
sobressaltos
imprevistos
inesperados
desconcertantes!

... uma tênue
linha de
permanência
sossego,
espaço seguro
e constante
de bem querer
e desejo de
bem fazer
se instaura.

120 - A caranguejeira

      Ela chegou na minha sala de aula trazida por um professor de biologia, na sexta à tarde. Eu o convidei para vir falar sobre as aranhas, porque os alunos do 3º ano escolheram este tema para a Feira de Ciências. Ele trouxe a caranguejeira! Dentro de um vidro. Imensa, “gordinha”, peludíssima. De verdade, acho que só tinha visto caranguejeiras em filmes. Quando ele entrou na sala com ela, tranqüilo, como se carregasse flores, houve um “alarido” e eu senti as pernas bambas e um enjôo que me obrigou sair para tomar água e respirar, disfarçadamente! Voltei e encontrei o convidado e os alunos numa interação animada; ele falando apaixonadamente sobre as aranhas e suas peculiaridades e os alunos com olhos brilhantes de desejo por saber, curiosos, encantados e interrompendo o tempo todo, com muitas, muitas perguntas e histórias para contar, ilustrar... Depois ele tirou a caranguejeira do vidro e ela começou a andar pelo chão... as crianças vibraram! E tiramos fotos. Aprendemos tanto... Tão bom aprender com quem sabe algo e adora ensinar! Uma aranha daquele tamanho e praticamente inofensiva! Frágil e solitária... Ah! E agora já transformada aos meus olhos! Apesar das reservas, fiquei solidária e vi, ali, uma criatura com direito à vida e privada da liberdade; com seu jeito, sua beleza, suas características. Flagrei o meu medo e pavor gratuitos, associados a preconceitos, fantasias, a um fantasma fora da realidade. Concluí que a ameaça real, ali, era somente a nossa presença. E pude, finalmente deleitar, olhando pra caranguejeira com o olhar das crianças, um olhar que em tudo vê algo interessante, encantador; um olhar que se envolve, se deixa cativar, percebendo essências. Por isto, aprender é bom! Aprender coisas com significado; capazes de produzir mudanças; coisas que marcam, que nos permitem alçar vôos,  livres; desejar mais e nos sentir capazes, próximos, pertencentes a um contexto que não se limita ao nosso umbigo; mas que envolve todas e tantas criaturas, tantas realidades, pequenos mundos...

119 - Domingo cinzento

        É quando a saudade dói. Quando o sol brilha, a saudade produz alegria! Anima, enche de significados o viver cotidiano; dá força para fazer, enfrentar, criar, resolver, trabalhar! Porque torna presente tudo de bom que o objeto da saudade é na vida da gente. Se é uma pessoa, a gente lembra do jeito, do sorriso, da voz, da energia que aproxima, das coisas em comum, de momentos partilhados e isto, apesar de passado, é tornado presente, como se acontecesse no agora e não somente na lembrança. A gente se sente grande, feliz, fortalecido: "que bom que isto aconteceu, que eu vivi; que faz parte de mim"! Mas quando o dia está cinzento... a saudade dói! Acho que então as lembranças se escondem não sei onde e fica o vazio delas e então são dois vazios: o do real e o das lembranças. Por isto dói, é uma falta dupla. A gente procura o sorriso, o olhar, a presença e não encontra em lugar algum e o lugar vazio lateja, se debate, ansioso... mas não há nada onde se aconchegar, encostar, ancorar; porque é assim mesmo, desolador e oco, o vazio. E aí, até mesmo a música, a poesia, o filme, a natureza, a conversa, estas e outras coisas boas, confirmam o vazio. Elas servem e significam os dois lados, o da alegria e o da dor; assim como dizem que são os seres elementais, criaturas além do bem e do mal... O anos vividos me dizem que os dias cinzentos, especialmente os domingos cinzentos passam; é uma questão de tempo e paciência.






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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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