Verdade


Toda verdade
num monossílabo:
eu!
A consciência de mim
germinada do plural,
do caos.
Enfim, só!
Engatinhando,

balbuciando garatujas.

A maquete e o sr e a sra Bule





- “Não quero tirar o pijama, agora, vovó. Primeiro vamos brincar com a nossa maquete, tá bom”?!!! – os olhos da pequena brilhavam.
- Tá... responde a vovó, vencida.  O dia acordara luminoso e belo, mas não mais do que aquela raio de sol, falando e gesticulando, empoderada, na sua frente. E o imaginário tomou conta, de vez, na cozinha...
- “Todos acordaram e enquanto a mãe prepara o café, o Luca e a Martina vão brincar no parquinho!... Vovó, você é a mãe (da maquete). Pega a “mãe”(boneco) e vai preparar o café; bem gostoso!!!  Ah! Melhor não fazer café... faça um chazinho! É mais saudável para o Luca e a Martina! Não! Só para o Luca; a Martina é bebê! Ela só toma mamá...” – as palavras iam jorrando... a vovó quase conseguia ver as ideias borbulhando naquela cabecinha... as palavras não davam conta de expressar tanta coisa que passava por ali...
As duas ficaram um longo tempo brincando com os personagens da maquete que ambas haviam construído, ao longo da semana; viajando no imaginário de uma e de outra, entre raios de sol madrugadores... Isto já havia liberado uma porção de idéias, transformadas em histórias mirabolantes, na cabeça e no verbo de ambas! Tudo sobre uma família que a menina sugeriu: pai, mãe e dois filhos. Os “filhos” (um menino e uma menina), a cada dia,  mudam de nome. Hoje, eram  chamados pelos nomes dos priminhos, vindos lá do RS,  que a pequena encontrara no dia anterior. 
A “família” da maquete mora num prédio, perto de outro prédio. Ali tem um parquinho, um mercado e uma piscina para refrescar. Eles também têm um carro, para passear; ir na casa da vovó e do vovô e dos tios. No parquinho, tem uma árvore que faz uma sombra gostosa e dois banquinhos, para descansar.
- “Estou com fome, vovó! Pode me dar um queijinho enroladinho no presunto? E um chazinho? Na xícara da família Bule”?  - pediu a pequena, de repente;  saindo da fantasia e entrando na realidade da barriga vazia.
A vovó arrumou a mesa, para o café, com três lugares: para ela, o vovô e a netinha
- “Não acredito, vovó!!!! Você achou a sra Bule”!!!!
Não imaginava, a vovó,  quanta alegria poderia produzir, colocando à mesa, a família toda: o Sr Bule, a sra Bule e os “filhinhos” deles! Há alguns dias atrás, na hora do chá, não haviam encontrado a sra Bule (certamente alguém que lavara a louça, guardara em outro lugar)  e menina ficara muito triste, contentando-se, então, com o Sr Bule.  Fazer o quê, né?!!! Mas, inesperadamente, o casal estava junto, hoje, no armário!  
Sr e sra Bule! Foram anistiados, depois de um longo exílio no mais fundo do armário, pelo olhar curioso e mexeriqueiro da pequena, um dia...  Vale relembrar:
- "O que é isto vovó"?
- Ah! Louças que a vovó ganhou de presente de casamento, muitos, muitos anos atrás...
- "Por que estão lá no fundo"?
- A vovó guardou, de lembrança... é que só sobraram estas; as outras quebraram com as mudanças...
- "Eu quero ver, posso, vovó"?
Resgatadas e ressignificadas como "Família Bule", as louças passaram a fazer parte dos encontros entre avó e neta.
Um dia, como já foi dito, a sra Bule sumiu...
Mas eis que hoje, ela retorna! A emoção foi tanta que derramaram chá e outras coisinhas na toalha! Mas só riram! Sem bronca. Imagine! A sra Bule voltou! Que coisa melhor do que isto? Quem vai ligar para uma “sujeirinha” na toalha, nesta hora?!!!!
O chá, dentro do Sr Bule, fumegava, “pelando” de quente!  A pequena estava ansiosa. A vovó serviu o chá numa xícara pequenina, numa das filhas do casal Bule; esfriou e liberou para a netinha para tomar...
- “Ah! Delícia, vovó”!!! –  elogiou a pequena, estalando a língua; boa tomadora e admiradora de chá que é.
- “Vovó, agora põe o chá do Sr Bule na sra Bule; daí eu posso servir você e o vovô... A sra Bule é pequena, eu consigo segurar”...  – pediu, decidida. – “Eu sou cuidadosa, vovó”!
Xícaras servidas, o brinde, antes de beber! Sim, porque antes de beber qualquer coisa, quando estão os três juntos, é preciso brindar! Uma exigência da pequena, que sabe-se lá onde viu e “pegou” a ideia.  Delícia de chá! Delícia de momento!
- “Pelas primas! Pela saúde! Pelas festas e pela sra Bule: TIM,TIM”!!!! – comandou o brinde, a neta, diante do olhar comovido dos avós babões!
E, meu Deus! Seria só uma “imaginação não comprovada”, como diria o "biso Ico"? Ou miragens provocadas pelos olhos embaçados da vovó? Ou a vovó viu, de fato, a família da maquete também tomando o seu chazinho, embaixo daquela sombra deliciosa... e o Sr Bule dar uma piscadinha para a sra Bule e, ambos dar uma “cutucadinha” nos filhotes xícaras, que rebolaram e riram baixinho?!!! Sabe-se lá... Mas que o sorriso da menina estava faceiro demais, sinalizando mistério, confabulações, estratégia, pura cumplicidade, magia, encanto ... ah! Estava!
Permitindo-se o momento, a vovó tomou-se de gratidão! Numa hora destas, não tem como não redescobrir a alegria!!! Um dia que começa assim, não tem como não ser belo, motivador, cheio de possibilidades! A vida não tem como não ser especial, bonita... valer a pena! 




Pedaço de mim


Meu amor,
pedaço grande de mim!
Vejo teus olhos
ali no meu jardim
entre helicônias,
nenúfares,
e a luz da lua...
Bem ali...
no reflexo das águas,
espiando e
sorrindo pra mim!

Chimarrao invertido

Ah!
Ô coisa boa descobrir
jeitos diferentes
de fazer a mesma coisa!!!!
Puxa!
Aviva e sutiliza
cores
horizontes
sabores!
A gente volta
ao momento
da “primeira vez”
e o prazer se reinventa!

Quem descobriu o Brasil?

- Quem descobriu o Brasil? – perguntou o índio Fulni-ô.
- Pedro Álvares Cabral! – respondeu, na ponta da língua, o aluno, pequenino, emocionado.
       Os alunos maiores trocaram olhares cúmplices entre si, mas deixaram, respeitosamente, por conta do "chefe indígena", o esclarecimento.
E o índio, acompanhado pelo olhar dos três filhos, balançou negativamente seu indicador direito, deixando a platéia num suspense... fitando, com muita atenção,  cada criança e cada adulto ali presente...  e completou com palavras firmes mas tranquilas:
- Isto é o que muita gente aprendeu nos livros de história... mas não é a verdade! Quando os portugueses chegaram no Brasil, não havia ninguém por aqui?
Todos sabiam:
- Sim, havia! Os índios estavam aqui! – responderam, bem forte, as crianças.
- Isto! Nós, os índios estávamos aqui. E não éramos poucos. E habitávamos todas as partes do Brasil.
O silêncio era respeitoso e intenso.
E neste silêncio, neste vazio de palavras, eu mergulhei mais fundo do que tenho mergulhado... Uma história contada por um olhar ou somente por um dos lados dos personagens envolvidos; no mínimo, é omissa. Os índios nunca foram vilões. Tanta gente brigando, defendendo suas terras, propriedades, direitos... alguém tem o recibo de compra passado pelos verdadeiros donos da terra? O desrespeito, preconceito, a ganância, a soberba e a corrupção deixaram um rastro imenso de sangue, injustiça, hipocrisia e morte na nossa história ...  que continua se alastrando e engordando nos nossos dias.
Os índios estão quietos, ou parece. É quase como se não existissem; a não ser quando lembrados nas datas comemorativas; como tantas: “dia disto e daquilo”; quando se “vê” apenas um lado, o lado que convém a quem comanda\dirige; ou o bonito, o ideal (que não nego, nem desmereço), ou quando alguém se pronuncia sobre; ou quando acontece um incidente que corajosos denunciam, mas que poucos atentam. Somente aqueles que têm interesse, que estão solidários com as minorias, que pesquisam, procuram saber ou que trabalham ligados às nações indígenas, no cotidiano, sabem como é de fato, a real situação destes legítimos filhos desta terra. Muitos de nós, ignorantes, os consideramos preguiçosos, vagabundos, ladrões, etc, etc. Já ouvi muitas destas expressões; cheias de menosprezo, menos-valia... Assim como rotulam os “sem terra”, os “sem outras coisas” e aqueles que não concordam com eles ... Jogam, os “donos da verdade" e seus narizes empinados, como se diz por aí: "tudo e todos no mesmo saco".
Um aluno, depois do encontro, falou:
- “Mas professora, se eles não têm mais o rio sadio para pescar, terra boa para plantar e se o artesanato dá pouco dinheiro, porque eles não vão trabalhar nas lojas, nas cidades”...
Isto me apaixona, na educação: o espaço para questionar, conversar, pensar, esclarecer, orientar! E a espontaneidade, a confiança das crianças para expressar o pensamento, sem censura prévia!  Gostei da pergunta. Oportunizou o aprofundamento destas questões que cotidianamente, estão presentes na nossa lidança: as diferenças! Ah! Parece tão simples... mas não é! Reconhecer e respeitar o jeito diferente do outro pensar, agir, sentir, viver, trabalhar, interagir com o semelhante e com a natureza,  amar... demanda muita conversa, escuta, troca, amadurecimento, generosidade...
O índio Fulni-ô pai, vindo do sertão de Pernambuco,  falou que gostava de estar ali,  conosco (esta era a segunda vez), onde era bem recebido. Relatou que isto não acontece em todos os lugares. Recordou um fato, num lugar, outra região, onde foram ridicularizados pelos alunos, que lhes jogaram bolinhas de papel, durante o encontro... Gente!  Gente! O que está havendo conosco?
É difícil viver e educar num cenário maniqueísta. Há muita coisa entre o 8 e o 80! Muita! Muita! Puxa vida! 
Dançamos juntos! E na dança, não éramos índios, brancos, negros, alunos, professores, crianças, jovens, adultos... nem de “direita” ou de “esquerda”... Éramos gente! Que partilhava espaço, vida, momento, prazer, alegria no compasso da melodia! E gente diferente! Igual a qualquer gente, em qualquer lugar neste chão, neste planeta!
Oh! “Quem poderá nos salvar” e acabar com estes desencontros desastrosos?
Desconfio que eu e vocês: nós.

Balanço...

Balançar...
Aventura, surpresa
e adrenalina!
Alternância entre
desejo, êxtase, enjoo
ansiedade, “medinho”, voo...
liberdade, tropeços no vento,
tombos e rombos,
choradeira, teimosia
inspiração, leveza...
genuína e pura alegria!
Quase uma roda
onde os extremos
se encontram!
Onde se equilibram
movimentos!
Uma ponte,
ora tocando o céu,
ora tocando a terra!
Incrível Máquina do tempo...
libera o juízo!
Desata nós,
destrava o corpo
devolve as asas
aviva o brilho
zera o tempo
afrouxa o riso!
Atualiza o sonho
o encanto,
a curiosidade,
a leveza das escolhas.
A vida é só o presente!
Menino, menina,
novamente!

Mulher de ferro


Chovia fina melancolia sobre o asfalto e sobre os verdes misturados, às margens, com terra recém lavrada, recém semeada. Dentro do carro, voltávamos, após encontro familiar e festa, no final de semana, do RS. Cada um, na quietude, processando impressões e sensações. E eram tantas, tantas... até que de repente, a menina quebrou o silêncio:
- Olha ali, vovó, a mulher de ferro!
Na viagem de ida, a “primeira viagem longa” dela, eu lhe apresentara, com emoção e orgulho, figuras que haviam povoado minha imaginação, na infância, quando fazia as pequenas viagens com minha família: as torres de alta tensão plantadas ao longo da rodovia, às vezes, às margens, solitárias; às vezes em grupo, enfileiradas, adentrando as lavouras... Para mim, que na época, não sabia nada sobre “torres de alta tensão”, elas eram personagens, homens e mulheres gigantes, com longos e armados vestidos ou com armaduras protetoras, que cuidavam dos caminhos, das plantações e das pessoas que por ali passavam... Eram poderosas! Como reis e rainhas. Eu olhava com simpatia, para elas. Gostava de encontrá-las porque minimizavam a sensação de solidão, que produziam em mim, a imensidão de solo semeado de figuras e cores; os horizontes longínquos;  a estrada sem fim, com casas bucólicas, de varais esvoaçantes, varandas com cadeiras vazias e chaminés fumegantes;  separadas ou ligadas por distâncias imensuráveis e habitadas por gente e um tipo de vida que nem meu imaginário curioso e fértil alcançava. Somente aquelas criaturas gigantes poderiam cuidar, aproximar e dar sentido a tudo aquilo. Como os super-heróis, elas me emocionavam e eu imaginava nomes e histórias que protagonizavam ou assistiam. Isto estabeleceu interação e apaixonamento entre mim, aquelas e outras paisagens que surgiram diante de meus olhos, vida afora e, que depois passei a chamar, imitando meu pai, de mãesagens! Elas aguçaram o meu olhar e a sensação de que sempre há algo a mais... algo que se passa nas entrelinhas... e que é muito mais interessante do que o que se vê num primeiro pouso.
A pequena guardou e tocou minhas lembranças, assim como acrescentou novo significante: “mulher de ferro”!!! Claro! As crianças são incríveis nesta capacidade de ler e sinalizar o que se passa, mesmo sem ter, muitas vezes, palavras para isto. Por ter esta natureza “de ferro” mulheres sobrevivem, conquistam e guardam seu espaço, sob e apesar da “alta tensão”. Atravessando o tempo e as intempéries, elas permanecem e fazem valer sua presença e as parcerias. Segredos e cumplicidades que passam de uma para outra.


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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