157 - Força

Martela
martela
derruba, destrói!
Cimento que cai
em bloco,
trabalho feito
desfeito.
Tijolos emergem
ilesos
das marteladas precisas.
O tijolo é a essência
que não cabe
mais ali
mas não vai pro lixo,
novo projeto o desafia.
Recicla, aproveita
e no final
tudo serve
tudo vale a pena.
A mesma essência
num novo estágio
nova construção.
Martela
cinzela
modela
apruma
modifica
transforma
aperfeiçoa
sutiliza
cresce...
Faz, desfaz.
Avança, retrocede,
para, reflete
avança novamente...
Constrói, destrói, reconstrói.
Trabalho,
mais trabalho
fora e dentro
dentro e fora...
Concomitante
incessante.
É preciso força.

156 - Abraço (2)

Antes que os braços
se estendam
o coração se antecipa
e já sente,
já se percebe
no calor do
abraço único
e alegrias circulam
pelas veias
e forças vêm
e o corpo se agita
num movimento
de inteireza,
consciência de si
e quando os braços
se encontram
no abraço,
se compreende
o que Deus sentiu
diante da sua criação
viu que tudo era bom”!

155 - Guaranis

        Numa determinada época da adolescência, ganhei de presente de um tio, que era representante da livraria e editora Globo, de Porto Alegre, uma coleção das obras de Karl May. Eu me apaixonei pelas histórias, aventuras fantásticas, especialmente aquelas ocorridas entre os índios norte americanos, Apaches, Sioux, Cheyennes, Navajos, Comanches e outros. E pelo índio Winnetou! O cacique apache! Um guerreiro como poucos; corajoso, altivo, generoso, justo, fraterno. Observador; homem de poucas e inteligentes palavras, franco. Tocou-me profundamente a vida, o olhar, a atitude, os valores indígenas ali retratados ficticiamente; e isto valeu para capturar o meu olhar, minha sensibilidade e admiração para com os povos indígenas a partir dali. E hoje, após tantos anos de enamoramento, finalmente estive em uma comunidade indígena guarani; numa excursão com um grupo de alunos. Valores, jeitos de viver, de ver, fazer e ser muito diferentes dos nossos. Impressionou-me a “casa de reza”; um lugar onde os alunos da escola iniciam e encerram o dia. Uma choupana, coberta de palha, chão batido, alguns troncos e bancos de madeira dispostos em círculo, ao redor do fogo. E bem ali, ao redor do fogo vivo, envolvidos por uma fumaça tênue e por uma história secular inscrita nas paredes (desenhos) e na energia do local;  ouvíamos, silenciosos (num silêncio que nunca vi meus alunos entrarem) as palavras do vice-cacique. Palavras econômicas revelando esta que parece ser uma característica dos índios: pouca fala, olhar observador e intenso, sempre atento ao momento presente. Ele falou, apesar disto, de muitas coisas e as especiais para mim foram aquelas sobre a interação e respeito profundo, na comunidade, entre crianças, adultos, jovens, animais e plantas e, que isto que se aprende em casa, primeiro. Eles olham e vêem! Vêem o outro; vêem os animais, vêem as plantas e interagem e respeitam. Têm paciência e tempo para o que é essencial. Isto é muito grande, muito bonito. E, para muitos, na nossa vida atribulada, cimentada, fragmentada e consumista, algo distante e impossível, impraticável. Tanto para aprender, ali; com pouca coisa...

154 - Teia das Relações

       Uma das minhas turmas de alunos (3º ano) escolheu e pesquisou sobre ARANHAS para a Feira de Ciências. No início, foi um pouco difícil porque eu tenho pavor de aranhas e estava resistente, porque entre mais de trinta sugestões apresentadas por eles mesmos, escolheram justamente as aranhas! Mas, respeitei e enfrentei; porque já sabia, por experiência, que me surpreenderia e também modificaria o meu modo de ver as coisas. Lembro que num ano, uma turma de 4º ano escolheu pesquisar sobre a Idade Média e outra turma, sobre as Guerras. Eu achei pesado, difícil traduzir numa linguagem para que pudessem entender e além disso, produzir material ilustrativo. Engano. Produziram trabalhos fantásticos! Portanto, me entreguei a pesquisar e olhar bem de frente espécies e espécies de aranhas! Nossa! De arrepiar! Mas não tive pesadelos. As crianças vêem as coisas de um jeito tão natural... pena que a gente esquece que foi criança, também, um dia e, perde este olhar encantado e destemido. Fizemos um trabalho bonito! No decorrer do mesmo, estudando, maravilhados, sobre as teias que as aranhas fazem; aprofundamos, percebendo que não são só as aranhas que fazem teias! Nós fazemos teias, teias de relações. Fiquei encantadíssima com o texto coletivo que eles produziram! Com a sensibilidade, percepção das coisas que têm. Nossa! Como a gentte aprende e reaprende com eles!!!
                                               "TEIA DAS RELAÇÕES
        É uma teia invisível que liga as pessoas. A gente constrói uma teia de relações quando vai conhecendo, se encontrando com as pessoas.  Esta teia, assim como a teia das aranhas, via pra lá e pra cá, porque a gente se movimenta. A teia se reforça quando a gente se conhece mais. Quando a gente não cuida, briga e desrespeita; a teia enfraquece e arrebenta. Daí, as amizades acabam. Quando a gente destrói uma parte da nossa teia, fica triste, sozinho. A teia da nossa sala é super legal, gigante! Quando a gente se dá bem, a teia fica forte! Quando brigamos mas depois conversamos, ficamos forte porque crescemos por dentro. Nós queremos cuidar bem das nossas teias: na família, na escola, na cidade, no país, nos grupinhos de amigos. E fazer novas teias; teias com pessoas, teias com a natureza! Teias para não ficar sozinho, para ter com quem conversar, para ter amigos."



153 - Eleições

         Idéias românticas me acompanham. Se eu “educo” pessoas, preciso acreditar num futuro, ter esperança de que aquilo que não é bom, saudável, adequado, injusto, na sociedade, um dia possa melhorar, aperfeiçoar, transformar. Para isto trabalho. Ontem pela manhã, quando um professor entrou em sala de aula, para fazer o seu trabalho; uma criança falou: - “Ai! Que chato!” – e o professor abriu um sorriso largo e falou para mim: - “Que bom que não sou unanimidade; já disseram que unanimidade é burrice...”. E rimos os dois! Riso gostoso! De alívio! Que bom não ser unanimidade! Também. Gosto de política; gosto de rever, relembrar a história, com meus alunos. Recordar conquistas de homens e mulheres que nos antecederam; fatos que em muitas situações foram causa de perseguição, prisão, muita dor para uns e, que hoje são direitos que todos nós temos, gozamos e nem sempre valoramos; até banalizamos, ignorantes. O amor, orgulho e respeito pela Pátria, nasce com a gente ou se constrói “de pequenino”; junto com valores que depois vão nortear a vida, as escolhas, os caminhos. Acredito na capacidade de escolha e discernimento dos sujeitos e nisto eu invisto, nisto eu trabalho com as crianças. O que é o mais difícil! Ensinar ler, escrever e calcular é muito fácil se comparar por aí. Temos o tempo todo alguém, em algum lugar dizendo o que é certo, o melhor, o mais gostoso, mais bonito e, dentro disto, o que devemos escolher, usar, comprar, ler, cantar, querer e amar, até!!! Fico envergonhada diante dos alunos, quando me deparo com esta realidade feia, onde políticos, que deviam ter postura ética; discutir, apresentar propostas visando, de fato, a coletividade; estão dando voltas num emaranhado sem fim de acusações, justificativas, mentiras, fofocas, promessas demagogas. As crianças reproduzem a fala, as atitudes dos adultos e diante do processo eleitoral organizado e oportunizado na escola (apresentação dos candidatos, passeata, liberdade para falar, apresentar propostas, distribuir “santinhos” referentes ao seu candidato, confecção de título de eleitor, votação, etc), dizem: - “ah, professora, vou votar em branco...”; “como é que se anula voto?...”; não vou votar não... porque estes candidatos não prestam, político só rouba...”. Eles são crianças! Como podem estar desencantados assim? Não há romantismo, idealismo que agüente, se sustente! Por outro lado, a vida ensina a gente sobre a necessidade de receber e de dar “uma chance”. Então vamos lá, de novo! Há uma possibilidade! Muita coisa boa acontece. Há muita gente boa tentando, querendo! Há muita criança e jovem merecendo nossa atenção, nosso melhor. Mas por favor! Vamos amadurecer! Respeitar e cumprir leis (no mínimo) para que eles tenham referências boas e no seu momento, acompanhar, julgar, escolher e votar com liberdade e consciência; num clima de disputa saudável, sem pressão, terrorismo, armações, hipocrisias, como este que ainda vivemos hoje, em pleno século XXI! Será que acreditar e batalhar por isto ainda é romantismo?

152 - O bauzinho

     Tantos bilhetinhos, presentes, expressões de carinho, telefonemas no dia do professor encheram meu coração de alegria. Junto veio um bauzinho. Logo que o vi, derreti. Tocou fortemente e ainda não sei exatamente o porquê. É como se o estivesse esperando para colocar dentro algo especial, aqui, junto com minhas coisas. Algo que não está nos meus escritos. Gosto de abri-lo e é como se visse, ali dentro, minha alma. Mas ainda, de fato, não há nada ali. Interessante esta espera do que não se conhece, mas se sabe.

151 - Os gatinhos não!

    A mulher chamou-me e gritou, de longe, nem um pouco preocupada com os ouvintes, com a deseducação, falta de respeito e num tom grosseiro, ameaçador:
     -Vou matar os teus gatos!
     - Mata! – respondi, no tom mais seco que pude produzir; fingindo indiferença, dando-lhe as costas e negando a oportunidade de listar motivos, se é que ela os tinha.
     Segui meu caminho. Não foi a primeira vez que ela os ameaçou. Meu coração fervia de raiva, mágoa e indignação. Acho que é sempre assim com aquilo que fere a gente no sentimento, no afeto que se dedica a algo, alguém que, de repente é colocado na berlinda, questionado, criticado; ainda mais quando eles são indefesos. Mas o que fazem meus gatinhos que não coisas de gatos? E com tanto gato na vizinhança, como ela sabe e tem certeza de que são eles a fazer algo (eu não quis saber o quê por causa do tom grosseiro dela). E por que pensar logo em matar? Meus gatos saem da varanda somente à noite e realmente não sei por onde andam. Mas isto é coisa de gato. E há noites que nem saem, ficam ali, enrodilhados, me observando trabalhar ( e eu fico até tão tarde trabalhando...), atentos aos meus movimentos... muitas vezes outros gatos entram no pátio e o Sig, o valente Sig, não sossega até que não expulsa o visitante curioso. Por vezes dão uma saidinha e voltam com um sapinho, uma borboleta, um passarinho, até um ratinho já vi! E, mais, lagartos e cobrinhas pequenas!!! Trazem o bichinho pra varanda, pra mostrar e brincar. Coisas de gato! (cobra não sabia que eles pegavam! Mas o Sig pega!) Voltei, logo que pude, para casa e com alívio vi meus gatinhos fazendo um soninho! Seguros, entregues, confiantes. Eles nem imaginam que têm uma inimiga. E nem posso protegê-los.

150 - Anoitecendo...

Cri,cri, cri...
um grilo canta...
um pássaro pia...
longe...
outro mais aqui...
pertinho...
melodias nostálgicas...
Folhas fecham
os olhos...
balançando
entregues
à brisa
que afaga uma ali...
outra lá...
carinho gostoso...
Lentidão..
dormência...
espichamento...
de sensações
que não querem
se largar,
frutos de um
dia lindo
que vai,
relutante
feito criança
que não quer dormir,
fechando os olhos
devagarinho...
bem de mansinho...
De repente!
Um susto!
Um estremecimento!
Um carro barulhento
que passa!
Um pássaro atrasado
que chega,
se desculpando,
desafinado!
Ainda tem luz,
tem cor no céu
tem a promessa
de alegria,
de felicidade que
o dia de sol propagou...
Que delícia!
E logo... novo fechar
de pálpebras...
As cigarras
se revezam...
é uma cantiga de ninar...
boa noite, meu bem,
durma um sono tranqüilo...”

149 - Desconhecida

Eu te observo
desconhecida,
cativada por ti
teus pensamentos,
teu jeito, teu querer.
Eu mesma, ainda dentro!
Emergindo, urgente
falante, feliz, afoita
tropeçando no verbo
que se encoraja,
em objetividades tateantes,
egoísmos que reivindicam espaço
de forma desordenada,
porque nova.
Mas, agora, uma mulher.

148 - Filhos

       Medo de morrer e deixar os filhos pequenos, desamparados. Medo das drogas. Medo das “más companhias”. Medo diante da impotência para proteger e impedir a dor dos filhos. Estes são os fantasmas terríveis que assombram as mães, os pais; pelo menos, a maioria que conheço. Todos pertinentes, na minha opinião. Fantasmas bem concretos. Exigindo da gente, mãe\pai, muita força para seguir em frente, todos os dias, liberando sempre um pouco mais de espaço para eles, até que finalmente voem para longe de nós, cuidando de suas vidas. Amar por amar, cuidar e respeitar. Sem sufocar. Sem inibir, sem dirigir e sem invadir, engolir. E, ao mesmo tempo, proteger, estimular e acreditar. E colocar limites. Conversar, ouvir e não banalizar. Não deixar as rédeas soltas e também não apertar demais! Não dar tudo e não deixar faltar o essencial. E o que é o tudo e o que é o essencial? Qual a medida certa? E quando alguém machuca, fere o nosso filho? E se algum miserável oferece a droga, a bebida e rouba seu riso, sua presença, sua liberdade, seu futuro e sua vida? E quando faltou algo? E quando o filho, em algum momento não tem forças e nem “pernas” para ir ao mundo? E quando ele nega tudo que acreditamos e esperamos? E quando ele não tem sonhos, quando não deseja? E quando ele quer pouco e nós muito? E quando é tão diferente de nós, que nos assusta? E quando é tão parecido que nos choca? E quando nos devolve o que de fato lhe demos ou não demos? E quando nos flagra frágeis naquilo que mais cobramos dele?... E quando nos superam em virtudes e atitudes? Meu coração se aperta... numa mistura de ternura, emoção e assombro e falta! Porque um filho é algo tão próximo e íntimo quanto distante e desconhecido. Está sempre ali, mesmo que distante, produzindo alternâncias: exigências e gentilezas; invadindo e cuidando; aprendendo e ensinando; inquietudes e deleites indizíveis; confiança e temor; raiva e profundo amor; insegurança e orgulho... Por vezes fico assim, com este desejo de expressar o que sinto, quando mergulho neste conteúdo. E me vêm à lembrança, junto com a imagem dos meus filhos, a parábola do filho pródigo; daquele pai-mãe que conseguiu aprender, de fato, amar, respeitar, separar-se, continuar amando, esperar, desculpar e acolher o filho, sem fazer julgamentos. O coração da gente fica sempre mais apertado, ocupado, inquieto e sensível com aquele que está de um ou outro jeito ou motivo, mais frágil ou distante... Tudo isto para dizer que dois filhotes estão sempre comigo, partilhando meu espaço, carinho e oração cotidiana; mas que hoje, especialmente hoje, meu pensamento, carinho, cuidados e amor inteiros estão voltados para aquele que está longe há nove meses; provocando em mim, orgulho, alguns suspiros inquietantes, além de muita, muita saudade! E vontade de dar um abraço bem apertado: Feliz aniversário, filho!

147 - Saudade da floresta

Sentia-me despir de tudo,
diluir-me, dissolver-me
e me reconstituir novamente...
Ora como uma folha singular
que balançava ao vento ou
como outra amarelada
e esquecida no chão.
Ora como um tronco simples,
esquecido, retorcido pelos ventos
ou como uma árvore majestosa,
bela, imponente,
resistindo ao tempo e
ao mesmo tempo
registrando a passagem do tempo.
Ora como alegres e delicadas flores,
“beijinhos” coloridos multiplicando-se
despretensiosa e amorosamente
pelo caminho ou como bromélias tímidas,
inconscientes de sua beleza,
escondidas no alto das árvores.
Ora como o canto suave e constante
de insetos invisíveis ou
como borboletas brancas,
aqui e ali, brincando entre os verdes,
tranqüilas, livres, felizes!
De quando em quando,
o murmúrio das águas,
em algum lugar;
por vezes cochichando,
por vezes gargalhando,
por vezes recitando canções ternas,
provocando relaxamento e
grande desejo de fechar os olhos e
ir para não sabia onde...
mas com certeza,
lugar delicioso e seguro.
Sentia a floresta misteriosa,
com seus silêncios preenchidos,
seus olhos em toda parte,
seus cheiros, acolhendo-me,
estreitando-me em seus braços,
mexendo com todo meu ser,
avivando uma chama de vida
que não sabia existir ainda
dentro de mim.
E era tudo novo e tudo conhecido,
ao mesmo tempo!
Era novo até sentir e
depois era conhecido
porque parecia recordar.
E quando a noite chegou...
Tudo vibrava! Tudo soava!
Sussurros, vozes, cantigas,
histórias, pausas,
silêncios densos,
melodias apaixonadas...
de onde vinham?
Das árvores, dos seres da floresta,
dos nossos corações,
de tempos passados,
de onde?!!!
Os vaga-lumes piscavam incessantemente,
como fogos de artifício silenciosos;
mostrando-se e escondendo-se;
numa brincadeira séria
que fazia com que pensasse
e fizesse uma associação
com o que experimentava no momento:
sentimentos que se mostravam
e se escondiam;
percepções que
ora eram claras, ora confusas...
compreensões que vinham,
dúvidas que se iam;
medos, felicidades,
culpas, certezas que se alternavam.

146 - A Tata e os manos

   
Chegaram de repente, sem avisar; enchendo meu coração de alegria inesperada e até, descompassada! Dois dos meus três irmãos! Surpresa boa no telefone, no último momento, sem me dar tempo de antecipar nada: -“Tata, prepara o mate, chegamos em dez minutos...”. Eles me chamam de Tata, desde pequenos. Eu gosto. -“Tata! ...”. ouço e me volto para eles e neste movimento, através deles vejo o nosso passado. Nossa vida em casa, juntos. Tudo tão intenso, um pouco tenso naquele cotidiano longínquo... muitos detalhes, encontros, ausências, afinidades, solidão, conflitos, medos, afetos e parceria, distanciamentos (diferenças na criação; eles guris, eu guria), silêncios, confidências e confiança... Bonitos, os meus irmãos! Os dois que vieram e também o outro que não pode vir. Homens fortes, sensíveis, lutadores, sérios diante das coisas da vida; de abraço amoroso, olhar terno, sorriso largo, divertidos; buscando essencialidades; tentando ser melhor marido, melhor pai; alma doce. Uma irmã teria sido mais próxima e terna para comigo do que eles? Acho que não; por isto deixei de desejar uma e passei a desejar uma filha. Que tive! Graças! Um reencontro fundo, este com os manos, hoje. Encontro com estas partes importantes da minha vida; com este carinho que me faz falta no cotidiano. ”Tata”, uma palavra expressiva e doce; um elo fraterno, nó que nos enlaça. Já vivenciamos grandes hiatos; mas em momentos duros, quando um e outro precisou, um de nós estava lá. Como agora. Eu precisava. Eles vieram. Intuitivamente.

145 - Alegria

       Observava, num momento, o olhar brilhante e atento; o sorriso largo e espontâneo dos alunos; a leveza no rosto dos professores, meus colegas; a alegria no ambiente. Era contagiante. E, me perguntei: isto é uma escola? Gente feliz, sorrindo, não querendo ir embora? Apesar de todo trabalho?Cadê a cara sisuda de escola que a maioria de nós traz na memória? Eu espichei meu olhar, procurei e não encontrei nenhum olhar apático, triste, ranzinza, tenso, à margem. Recebíamos a visita de uma ex-aluna, “matando a saudade” do “quintal”. De quando em quando um destes que já passaram pela escola, vêm passar uma manhã, uma tarde conosco. Eles vêm visitar o “quintal” quando têm um tempinho e vejo como passeiam os olhos pelo espaço, curiosos e nostálgicos, buscando juntar as imagens que têm na memória com estas que agora encontram; algumas que se encaixam e outras completamente diferentes. O burburinho, feito abelhinhas e feito formigas trabalhadeiras e alegres, por instantes e aparentemente sem nenhuma razão, me fez lembrar de “O nome da rosa”.  Os monges não podiam rir e morriam quando descobriam  o que o filósofo  Aristóteles havia escrito: Talvez a tarefa de quem ama os homens seja fazer rir da verdade, porque a única verdade é aprendermos a nos libertar da paixão insana pela verdade”.  Muitos se incomodam com o riso do outro. Com a alegria do outro. Felicidade do outro. Muitos adultos não suportam o barulho das crianças, seu choro, seu riso, sua alegria. Acham que responsabilidade, disciplina, estudo, aprendizado só acontecem com sisudez; olho pregado no professor; boca calada, perna travada na cadeira; pensamento contido, cópia do quadro, respostas mecanizadas e modelos; muitos modelos. Na verdade, com a alegria das crianças, temos a possibilidade de encontrar com a nossa própria alegria! E com isto, a gente salva o dia! Ou ganha o dia?!


144 - Tempo de cada coisa...


Devagarinho,
chega sempre
o momento do tempo
que é teu, em mim!
E me encanto contigo,
inspiração, abrigo!

143 - Brilho

A palavra é o brilho que
existe ou não
interligando as peças
do quebra-cabeça
existencial
dando a elas
lugar e sentido.

142 - Quedas

         Num tempo atrás, havia uma grande árvore em frente ao prédio onde morava. Ela realmente bela, frondosa e abrigava uma imensidade de pássaros que à tardinha voltavam para casa, para descansar, repousar e faziam, neste movimento, uma cantoria sem fim; relatos de um dia bem vivido. De manhãzinha, o despertar era uma delícia, afinando as vozes, cantando sem parar e suavemente. Um dia cercaram o terreno, uma máquina veio e tombou a árvore! Mas ela foi valente, ela resistiu e sofreu, porque foram precisos muitos, muitos golpes para derrubá-la. Foi uma atrocidade, um roubo de felicidade. Depois disto, mudei e vi tombarem outras árvores, na casa onde moro; verdade que por motivos de segurança, porque estavam secas ou ameaçando desabar sobre pessoas, construções em dias de tempestade e ventania; mas sempre uma mesma dor observar uma vida e tantas possibilidades tombando, morrendo sem ter feito esta escolha. Quando criança, experimentei algumas quedas. “tombos”, batendo em placas de sinalização, nas ruas, porque tinha muita "fome e pressa de ler" e lia caminhando. Diferente. Ultimamente, aconteceram alguns apagões de milésimos de segundos, suficientes para me “esborrachar” no chão sem compreender coisa alguma e levantar machucada. O que se passou? Muitas e outras quedas terríveis, vividas ou observadas no decorrer do tempo... como cair do alto mais alto de sonhos, ideais elaborados ou das certezas e situações construídas ao longo dos anos. A gente se sentindo cair, às vezes lenta, às vezes num piscar de olhos, deparando-se com o chão frio e hostil de uma realidade que não tem dó, nem piedade. Por que caímos? Quem escolhe o dia, a forma, o motivo? Distração, ignorância, destino, carma, colheita? E por que repetimos? O que foi que passou desapercebido e não aprendemos? Às vezes era algo tão bonito e bom como a frondosa e dadivosa árvore! Por que acabar e morrer? E que força, teimosia e desejo de viver forte, este da árvore tombada, que deixa, ao seu redor, sementes, brotinhos que se articulam para continuar e prolongar a vida! E que força, teimosia, desejo este, dentro da gente, que se articula para renascer das cinzas, do nada que sobra e logo ali, encontrar outra possibilidade, por vezes no mesmo lugar? Isto é burrice ou é amor? Há alguém que joga com a gente, ou joga a gente nesta tabuleiro lindo, onde por vezes parece que temos opções e onde por vezes, parece que é um jogo roubado?...


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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