"Fundo das coisas"

       O poeta Rilke fala: “Procure o fundo das coisas: ali a ironia nunca chega”. Os caminhos, as escolhas, o traçado de vida de cada um é tão subjetivo, que merece este respeito, este carinho. Os grandes e os pequenos mistérios; as pequenas ou grandes experiências de felicidade; o que realmente acrescenta e vale a pena têm sido descobertos ou acessados assim, quando a gente vai fundo em algo, experimentando com todos os sentidos palpáveis e, se possível também com os latentes (?!) e nunca pelas beiradas da superficialidade ou da banalização. Parece que é ali, um pouco além dos brilhos, luzes, adornos e roupagens, rituais, ruídos, modismos e festas, que estamos eu e você e nós todos, como de fato somos, com nossos olhos internos brilhantes, ansiosos, cheios de expectativa para acolher o novo ano que chega, com os cardápios incógnitos e singulares para que a vida continue! Que seja bom! Que a gente se encontre muitas vezes para cuidar, comemorar e fazer partilhas de afeto, de uma idéia, um abraço, um silêncio, uma dor, uma alegria, uma esperança, um desejo, uma parte do trajeto.

Música


Há mesmo magia
na melodia...
Eu me sinto
deslizar pelos sons
e eles me conduzem
"poeta" pelas superfícies
do encantamento
e pelos mundos
do impossível e
da liberdade.
Onde racionalismos
ponderações e
este impossível
se diluem ao
sabor dos ventos
e se reconstituem
em outras formas,
possibilidades.
Onde palavras
deixam de ser
quaisquer, casuais
e onde toda fala
respeitosa e comedida
se transforma
em metáforas
para expressar amor.
Onde o olhar se espicha,
investiga e aprofunda
dentro das sutilezas,
falando, perguntando
aquilo que realmente
importa e não é dito
porque não encontra
as palavras.
Onde me encontro
comigo mesma
sem pudor e reticências,
e onde expresso
o meu amor
como ele é.
E de tanto amor
fico embriagada
e desfaleço...
tanta emoção!
No ritmo da música
entro nestes mundos
que não existem
no palpável,
só dentro
ou só de merecimento
por acreditar!
E, de repente
sinto-me contigo,
outra parte de mim mesma,
uma mistura de
notas melódicas,
de pautas e claves
criando inusitados!
Por isto repito e busco
por ela, a melodia,
para que não acabe.
Se acaba,
o real, isento de sons
harmoniosos,
me mostra
desvarios e aridez.



Olhos queridos

Olhos especiais
que atravessam a vida,
o tempo
o sonho
o desejo
a alma.
Abrigo onde
se pode espelhar
e repousar;
se ver e se encontrar.
São presentes,
acolhem e inquietam
abraçam,
acreditam
amam
e conversam !
Acompanham.
Falam coisas doces
amorosas que
prendem, fascinam,
fazem desejar viver.

Janelas


           Estar de férias em casa, implica em trabalho. De outro jeito, mas sempre trabalho! Com certeza eu preferiria não fazer nada ou fazer outra coisa, como descansar e tomar café com minha amiga; escrever para alguém que eu gosto ou ir até a praia, caminhar, contemplar o mar ou, ficar olhando, das minhas janelas para o morro e para a mata em frente, pernas erguidas, estilo “Ximitão”; com um livro ou meu computador à mão, para escolher e alternar: um pouco olhar, outro pouco ler e outro pouco escrever... conforme o desejo do instante... sem a pressão do tempo, das horas, dos outros, da responsabilidade. Não sei se com todas as mulheres acontece isto; mas comigo e com uma porção que conheço, sim: existe uma culpa por não me dedicar plenamente à casa, aos serviços domésticos; não corresponder a este tipo de mulher. De fato eu não tenho tempo; mas faço o que posso. Então, resolvi me dedicar um pouco mais nas férias e comecei encarando minhas janelas! E são muitas! Muitas e muitas! Com vidrinhos pequenos, quadrados, retangulares... lisos, martelados... que trabalho! Meticuloso, repetitivo, delicado. Quando concluo que está tudo limpo me afasto um pouco e vejo que ali, lá, por fora ou por dentro, ainda ficou algo, uma manchinha e, volto lustrar, pacientemente... Existem tantas receitas para limpar vidros! Mas todos concordam que é melhor limpar um vidro grande do que um pequeno. E isto não é nada animador, pois os meus são todos pequenos ou pequeninos! Mas que é uma beleza contemplar uma janela com vidros limpos, transparentes, que deixam a luz entrar sem reserva, isto é!!!! Enquanto limpava, o pensamento viajava! Não tinha jeito! Lembrei de uma história de alguém que de sua janela, criticava, todos os dias, as roupas que a vizinha pendurava no varal, dizendo que estavam sujas, que a vizinha era muito “porca”. Até que um dia se surpreendeu, pois viu que as roupas da vizinha estavam brilhantes, alvas, muito bem lavadas e esvoaçantes no varal! Foi quando lhe disseram que não eram as roupas da vizinha que tinham mudado; mas sim, que os vidros da sua janela é que tinham sido lavados! Isto me traz e também me leva a outros tantos pensamentos... e me sinto contente por estar limpando os vidros das minhas janelas!

Exposição

A luz do luar
iluminava o caminho
de dentro pra fora,
com cuidado,
expondo
com delicadeza a
real beleza
das formas
da natureza,
entregues
à intimidade
do silêncio...
E neste instante
de magia
pode contemplar o
amor e o espaço imenso
que ocupa dentro de si
e ver, no coração disparado
como floresce
e se agiganta,
bonito, teimoso e
indiferente
ao tempo,
às convenções,
aos medos e culpas.



Diferente

       Diferente foi o Natal este ano. Fora do previsto, do planejado. Uma serpente picou meu marido no dia 23 e “ficamos hospitalizados” até o meio dia do dia 25, em vigilante observação. Como é duro quando as coisas acontecem totalmente diferentes do que esperamos. Que esforço grande temos que fazer para nos adaptarmos ao que o momento oportuniza, presenteia. Depois que a gente se entrega, as coisas até que se encaminham; mas enquanto a gente resiste, é muito duro e tudo fica impossibilitado. Estranho este ambiente formal do hospital, cheio de regras, cuidados e medos. Ao mesmo tempo em que uma parte nossa se crê segura, recebendo cuidados, outra, se sente vulnerável a um perigo que não vê. Tudo muito limpo e organizado; mas de uma limpeza e organização da qual se desconfia totalmente, porque o fantasma dos vírus, das bactérias ronda e assombra o tempo; bem visível nos recipientes com gel às portas dos quartos e enfermarias... eu vi pessoas passando gel não somente nas mãos, mas pelos braços, pescoço, pernas, insistentemente. E eu queria passar o gel nos trincos das portas e tive medo e se o cansaço físico não fosse tão grande, eu não teria cochilado, à noite, na poltrona... sem falar no receio de que o soro não fosse soro ou de que algo não estivesse, de fato, bem esterilizado... Lembrei, nestes momentos, ali, que há trinta anos atrás, quando tive meu primeiro filho, senti o maior orgulho e segurança por estar dando à luz num hospital, assim como depois aos outros dois filhotes; protegida, segura pelos cuidados dos médicos, enfermeiras e com todos os recursos do hospital a disposição; senti-me privilegiada em relação a minha mãe, que deu à luz a mim e meus irmãos, em casa, com uma parteira; sem os recursos de um hospital e de um profissional especializado; correndo tantos riscos... por outro lado, alguns meses após o último parto, quando fiz uma laqueadura de trompas, no mesmo ambiente seguro do hospital; tive complicações: uma “infecção hospitalar” me trouxe desconforto, constrangimento e deixou uma cicatriz. Fiquei advertida, mas ainda considerando importante e necessário o serviço; até porque sempre tivemos um bom tratamento, quando atendidos por convênios; mas isto nem sempre ocorre, sabe-se que existe uma realidade triste, injusta, em muitos lugares, com aqueles que só podem contar com os serviços públicos. Já utilizei estes serviços e tive boas e péssimas experiências. Isto não depende só dos governos; depende das pessoas que estão ali, tratando, cuidado das outras e do que isto significa para elas. Passar agora, este tempo no hospital, me oportunizou um silêncio e isolamento importante. Observei mais profundamente como tudo, em nossa vida, é de fato frágil, rápido, uma chispa! Nada certo, seguro. Tudo com dois lados. E nós, nunca preparados pra os imprevistos e dificilmente dando conta das demandas como gostaríamos. E como precisamos uns dos outros! E como isto é dicotômico! Para interagir precisamos aprender a confiar, a fazer entrega; mas ao mesmo tempo, para sobreviver; não podemos colocar nossa segurança e felicidade inteiramente nas mãos do outro. Há um caminho do meio. Sempre o caminho do meio... Esta possibilidade do equilíbrio faz repensar tudo... e não tem receita. Somos iguais e somos diferentes! Ao mesmo tempo e sempre. Belíssimo! Acho que daí surgiu o amor e todos os sentimentos...



182 - ANIVERSÁRIO do Blog!



          

Um ano passou!
Um ano de blog,
de deliciosa aventura!
Coragem de abrir,
repartir, retribuir.
Estou feliz!
Adoro!
Escrever, escrever...
Ter esta liberdade,
possibilidade, é o máximo!
Escrever por escrever...
por uma necessidade imperiosa
de expressar o sentimento!
Às vezes de forma bem geral
às vezes bem particular,
para algo ou alguém especial.
E quando um outro
dá uma resposta, fala
comenta, deixa um recadinho,
o coração saltita,
numa emoção diferente;
porque se estabelece uma ponte,
um encontro e isto é maravilhoso!
O que sai pela letra
nem sempre sai pela fala
então, quando alguém lê
o que se escreve,
interage, acessa a uma parte
muito reservada da gente e
a sintonia que se instaura
é “veramente” bela!,
Obrigada pela “escuta”,
partilha, respeito!
Pelas observações,
incentivo, recados no blog
e via e-mail!
Viva a vida!
As possibilidades
e a liberdade que podemos
descobrir, conquistar,
criar,  usufruir!









 

181 - "... sempre encharcado de horizonte..."

             Eu gosto demais deste verso! É da melodia gauchesca “Poncho molhado” (de José Hilário R). Por vezes ele vem à lembrança, como agora e me enche de grande alegria! E de força! E não é bonita demais esta construção?! Acho que é a coisa mais otimista e corajosa que eu já ouvi... Os olhos “sempre encharcados de horizonte”!!! Assim é que eu gosto de me sentir! Foi o horizonte do mar que me salvou, me ajudou curar feridas. É lá no horizonte que vai surgir o avião, depois do ano novo, trazendo meu filho de volta, faltando somente uns “diazinhos” para completar um ano longe, muito longe de casa! Olhar sempre encharcado de horizonte! Olhar que não se prende na amargura, nos impedimentos, nas faltas! Olhar que se embriaga de luz e vislumbra saídas! Enxerga possibilidades; mesmo quando não estão visíveis, escondidas pelos nevoeiros pesados...vê a beleza que está lá, mesmo que apenas latente. Ele antecipa o “final do túnel”; sabe que vai chegar. Está encharcado, tomado pela certeza de chegar; não cogita outra coisa; não importa o que acontece no percurso. Seu olhar está lá no horizonte, naquilo que deseja, precisa, ama, sonha, acredita. Então pode chorar, penar, ficar triste. Sabe que é passageiro. Que não é o mais importante. Só uma fragilidade do momento; porque o bom está lá, se desenhando no horizonte! Ah! Quero olhar para 2011 com meus olhos bem encharcados de horizonte! E que o seu também esteja!

180 - Final de ano


           Luzes coloridas brilham nas árvores, nas ruas, avenidas, casas e prédios. As noites estão lindas! Assim como, longe das luzes da cidade, brilham as estrelas na noite iluminada somente pela claridade doce da lua. E ali também as noites são lindas! Em todo lugar este encanto para os olhos dos homens. Alheios ou conscientes, vivemos nossas vidas; encontros e desencontros; movidos por nossos ideais, paixões e temores. Dentro de cada um, o desejo de ser feliz. Ficar bem. Para cada um é de um jeito. Cada um tem sonhos ou metas; quer chegar em algum lugar ou situação onde se supõe feliz ou bem. Os dias amanhecem e a eles se sucedem as noites e as mudanças vão se operando nas nossas mãos, nosso rosto, nosso corpo, nosso interior, sinalizando, como num calendário, que o tempo passa e a história vai se escrevendo, cada dia num capítulo. Nada está ou é como ontem. Algo foi acrescido. Assim como as árvores, ficamos mais “frondosos”, mais fortes, resistentes; as tempestades vêm, abalam; deixam marcas mas não derrubam. Mas, diferente das árvores, podemos sair do lugar, tomar outro ou escolher um novo caminho, se desejarmos; o que é um grande privilégio. E, o que mais me encanta neste processo de viver, são os encontros e as trocas; as surpresas! Como cada um toca o outro e o que isto produz. Como cada um olha e compreende, reage e se expressa diante do outro. Como as teias se tecem; laços se soltam enquanto outros se fortalecem e aprofundam. E como entendemos tão pouco disto tudo que nos acontece. Eu me comovo olhando a minha teia e todos os laços marcando os encontros e, o que cada um representa. Escuto as vozes, sinto os cheiros, revivo os instantes... alguns tão distantes... outros sempre presentes. Alguns assombrando, outros, motivando e enriquecendo o viver, vitais. Observo que o Natal e o final de ano, mais do que qualquer outro momento, sem muito esforço, nos fazem nos lembrar de nós mesmos; de quem somos, quem amamos, onde estamos; nos lembram da nossa criança, nossos sonhos primeiros, nossas saudades, nossa verdade e, quem são os outros e o que representam... Agradeço todos os encontros que tive! Eles acrescentaram valor à minha vida. Desejo, neste momento especial que todos se voltem, assim como o girassol se volta para sua fonte de luz; para aquilo que tem a ver com sua essência e sua alegria! Experimentando bem estar, força e inspiração! E, que possamos partilhar espaços, ainda, no próximo ano, aprimorando e temperando o viver!





179 - Pouco que é muito!

O olhar acompanha
uma borboleta amarela
que passou, afoita.
O que procura?
Um pássaro
cantou longe;
outro, perto,
respondeu,
longamente
numa queixa
saudosa.
O volume de
trabalho diminui,
papéis se
organizam nos arquivos.
A cabeça avalia 2010
planeja 2011.
Mas o coração, não!
O coração está por aí,
rindo de tudo e de nada
num outro tempo,
outro ritmo,
cuidando do que guardou,
de um momento.
Tão pouquinho, parece;
mas nos campos dos
girassóis, violetas,
amores-perfeitos
e poesia é
pura, imensa
felicidade!!!

178 - Espaços de felicidade

Pequenos espaços
por entre os muros
do cotidiano.
Intensos, vibrantes,
fugazes como crianças
descobrindo coisas
aqui e ali...

Espaços itinerantes
por entre as árvores,
onde penetram e brincam
a luz, a cor, o encanto
do céu, do sol e do mar
das estrelas e da lua.

Deliciosos espaços entre
a espera e o encontro
quando o coração palpita
por algo que nunca será
como imagina e sonha.

Suave espaço
onde a brisa sopra e
exalta esperanças,
como se fossem
folhas do outono
perambulando pelas
ruas e quintais silenciosos.

Um doce espaço
entre a chegada
e a despedida.

Espaços de felicidade
quando algo
misterioso e bom
acontece.

177 - Cascata do "enquanto"

       Na verdade, é “cascata do encanto”; um lugar onde costumamos acampar com os alunos, no final do ano letivo. Um aluno fez este trocadilho, neste ano e eu gostei bastante porque o encanto parece estar nesta relação de extrema proximidade com o enquanto... O que me levou a atualizar comigo mesma que enquanto sinto, olho, percebo, imagino e acredito; mantenho meu encanto pelo que há. Enquanto cuido minhas violetas, elas respondem com flores, delicadezas encantando meu olhar. Enquanto estou ali, perto de quem amo, fico envolvida por uma energia tão forte, tão boa, tão cheia de felicidade que me reencanto de novo e sempre! Enquanto o tempo passa, produz encantos que ficam. Enquanto a música invade os poros e a alma, desperta para encantos sem fim... enquanto uns alardeiam suas raivas produzindo dor e estilhaços por aí, outros encantam com sua poesia, produzindo vida, alegria, futuro! E tantos outros enquantos... uma verdadeira “cascata” de palavras que deslizam pelo pensamento, livres e barulhentas; pra gente brincar com elas ao mesmo tempo que pensar e falar sério sobre seu conteúdo.







176 - Julgamento...

A mim mesma,
com severidade
tirania, mas
a qualquer outro
com simpatia...

no máximo,
alguma ironia.

175 - E depois .....

A chuva despeja
sem perguntar
o seu choro
seu lamento
seu conteúdo.
De onde vem
para onde vai
que importância tem?
Como tantas coisas
Impostas e expostas.
Um trovão, ao longe
um lamento,
um resmungo,
uma queixa....
tanto barulho,
tanto barulho
reclamação...
mais alguém
jogando fora
o que não suporta mais.
Um relâmpago
assusta
é um risco de fogo
cortando o céu.
Machuca
faz sangrar
onde coloca luz
mexe nas fragilidades,
cortante.
Palavras cortam
ausências cortam
indiferença corta.
Faz sangrar.
Verter. Inundar.
Lágrima. Chuva.
Água derramada
despejada
abundante
regando
fertilizando
uma surpresa.

174 - A velhinha, no mercado

            Ela conversava, argumentativa com um homem, que, com ela, escolhia batatas e tomates. Estava muito indignada e preocupada com a situação no Rio de Janeiro, com o aparato militar e policial subindo os morros, atrás dos bandidos e traficantes. Ela capturou o meu olhar de imediato! Era graciosa, cheia de rendinhas e enfeites e exalava afeto, cumplicidade com as coisas, olhar profundo. Eu escolhia vagens e beterrabas e viajei no sotaque e na conversa deles; imaginando que eram parentes, estrangeiros morando no Brasil; vindos pra cá, depois da guerra, em busca de uma possibilidade de vida melhor, de sossego e que esta situação de tensão e de violência, agora focada no Rio de Janeiro, estivesse, atualizando medos, vivências dolorosas... certamente, como diria meu pai, “imaginações nada comprováveis” (minhas!)! Então eles saíram do meu foco e eu me voltei ao que devia... Por pouco tempo, pois, de repente, a velhinha estava ao meu lado, escolhendo frutas. Nos olhamos e sorrimos uma pra outra, nos gostando à primeira vista! Ela falou que estava escolhendo frutas para sua gatinha! Imagina que a gatinha não comia ração antes de comer uma frutinha! E que a gatinha se chamava Michele! Homenagem à Michele Obama, pois admirava muito o casal norte americano! Trocamos impressões sobre vários assuntos circulando entre as cenouras, alfaces, cebolas, maçãs e laranjas. Ela comentou que a filha não gostava que ela falasse assim, com todo mundo; mas que ela gostava. Não gostava de  ficar séria, triste, isolada! Bom mesmo era encontrar as pessoas de sorriso aberto, olhar brilhante, expressão confiável e, conversar! Tantas coisas tínhamos em comum e nem ficamos sabendo o nome uma da outra! Mas eu gostei de pensar e imaginar que quando ficar (se ficar!) velhinha assim, serei bem parecidinha com ela! E, provavelmente, meus filhos terão a mesma preocupação comigo.

173 - Solidão

               O que é necessário é apenas o seguinte: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo e não encontrar ninguém durante horas, é preciso conseguir isso...”. (Rainer Maria Rilke).
        Solidão é um produto que ninguém quer, nem de presente e muito menos buscar por ele, voluntariamente. O poeta Rilke parece constatar a mesma coisa, pois fala, na continuidade do seu pensamento, que muitas vezes as pessoas se sujeitam a uma relação qualquer, somente para fugir da solidão. Escreveu isto em 1903. Hoje, em 2010, ele manteria esta idéia? Com maior liberdade, direitos conquistados, quebras de tabus e preconceitos; além de avanços tecnológicos que nos permitem tanto, inclusive relações virtuais; a solidão ainda é presente? Sentimos mais, menos ou a mesma solidão que sentiu o homem primitivo e todos os que vieram depois dele, em todos os tempos, todas as eras? Poder haver algo mais bonito e vital do que estar em interação com o outro? Por outro lado, como é profundamente gratificante ficar por momentos a sós conosco mesmos... mas é isto a solidão? Ficar só? E estar com alguém é não estar só? Uma noite, nesta semana, durante a Noite do Soninho dos pequeninos, na escola, houve um momento ímpar, entre tantos, quando eu contemplava os olhinhos deles, que por sua vez, contemplavam, embevecidos, impressionados, as chamas da pequena fogueira (ao redor da qual estávamos), que se erguiam do quintal silencioso para o céu estrelado, faceiras, quentinhas, brilhantes e barulhentas! Os pequeninos não se mexiam, extasiados com a beleza do fogo, visto assim, num contexto diferente, de aventura, de descobertas fantásticas fora do ambiente familiar. Este olhar embevecido, encantado diante da descoberta das coisas do mundo é algo tocante demais para quem observa! Num outro momento sequencial, quando eu fazia compras num armazém chegou um homem que disse ser portador do vírus HIV e necessitar de R$ 8,00 para completar determinado valor e poder comprar algo que a filha pequena necessitava. A senhora que atendia no caixa fez uma interdição e ele teve que sair, muito bravo. Quando eu entrava no carro, encontrei-o novamente pedindo dinheiro a um casal, que foi bem agressivo com ele, ao que revidou com gestos grosseiros. Eu dei a ele uns trocos que tinha. De impulso, não pensei e, por isto, ouvi severas críticas dos familiares que me acompanhavam. Na sequência, ouvi uma melodia que mexeu e produziu um outro tipo de emoção, intensa, funda, forte, naquele momento: ...“Na escuridão o teu olhar me iluminava \ e minha estrela-guia era o teu riso \ coisas do passado são alegres \ quando lembram novamente \ as pessoas que se amam... \ em cada solidão vencida eu desejava \ o reencontro com teu corpo abrigo \ Ah! Minha adorada \ viajei tantos espaços \ prá você caber assim no meu abraço \ Te amo!’’... Com as palavras do poeta na cabeça refleti que eu não estava só com as crianças na escola, nem no armazém e nem ouvindo a melodia. Muitos compartilharam aqueles momentos comigo, viram e ouviram a mesma coisa. Mas com certeza, as impressões foram bem diferentes. Tenho pensado que a solidão é exatamente este estado que nos pega, num instante, quando nos descobrimos completamente sós na nossa existência, frente a um sentimento, a uma descoberta, a uma constatação, a uma demanda, a uma realidade.... que não há como dividir, não há como o outro saber ou compreender e, por vezes, não há palavras para expressar. É só meu; só eu sinto, percebo, reajo... assim, desta forma, nesta frequência e intensidade; só eu e ninguém mais. É o momento de ser e estar sozinho, se conhecer e reconhecer diferente, completamente único e desamparado. Os modelos, as respostas prontas, as receitas, as normas, os dogmas, os conselhos não se encaixam. Talvez, se respirar, não fugir e aprofundar no mergulho, de fato, neste desamparo do primeiro momento, possa , como os pequeninos, descobrir encantos nunca imaginados; descobrir que a solidão é companheira, compreender o que tantos, sábios, já compreenderam e o que o poeta diz, concluindo o pensamento inicial: “...apenas preste atenção no que surge a partir de dentro e eleve-o acima de tudo o que o senhor percebe em torno. Se um acontecimento mais íntimo é digno de todo o seu amor, é nesse acontecimento que o senhor deve trabalhar de algum modo, sem perder muito tempo nem muito esforço para esclarecer sua posição em relação aos outros homens. Quem é que lhe diz que o senhor tem uma posição?... se não há nenhuma comunhão entre os homens e o senhor, procure estar próximo das coisas que não o abandonarão; ainda lhe restam as noites e os ventos que passam pelas árvores e sobre muitas terras; entre as coisas e os animais, tudo ainda é pleno de acontecimentos em que se pode tomar parte... O senhor não percebe que tudo o que acontece é sempre de novo um começo?...”.











172 - Arco-íris

Como tesouros
nas extremidades
do mais belo arco-íris
assim alguns sonhos
perturbadores
fortes, grandes
brilhantes
teimam fugir
do imaginário.

171 - Detalhes, logo de manhãzinha

  Bem pertinho, os papéis, as avaliações, os trabalhos a concluir, corrigir; planejamentos a fazer para a semana que inicia e para o final de ano letivo que se anuncia. Um pouquinho adiante, na varanda, já acima dos óculos, os gatinhos, esperando o café da manhã, pacienciosos, me observando enquanto ora se espreguiçam, ora se antenam ao menor ruído e movimento. É surpreendente como estão alertas o tempo todo! Um cheiro de jasmim chega até mim, numa rima espontânea e também me surpreendem, porque eu não os vi desabrochar; simplesmente já estão ali! Assim como as uvas, na parreira, cheias de grãos já bem gordinhos! Eu não os vi “nascerem”! Por isto admiro os gatinhos; não perdem um detalhe! Eu lamento ter perdido estes detalhes tão importantes. De repente quando a gente vê, já está ali; mas isto não foi uma magia, foi um processo. Mais adiante ainda, lá na rua, o catador de lixo reciclável passa e para na frente, na casa do vizinho e eles conversam algo que daqui não entendo, mas percebo o tom alegre, o bom humor e isto me alegra, me dá uma sensação de paz. As pessoas, na rua, ainda riem, ainda se encontram, ainda têm algo em comum, confiam e partilham. Escuto os pingos de chuva que deslizam do telhado e das plantas ao redor da casa, caindo de folha em folha até chegar no chão, embora a chuvinha mansa já tenha cessado. Os morros, à frente, ainda dormem, silenciosos, tudo muito quieto, respeitoso ao tempo de cada coisa, ao momento de cada coisa. Se a gente pudesse aprender isto... curtir estas delicias não somente observando, relatando; mas vivendo!



170 - Ali!

Sabe-se que é feliz
muito feliz

extremamente feliz
bem ali!
Estranhamente
ali, naquele
raro momento
quando depois de um
tempo aleatório, longo
ele se faz presente
e mesmo distante
está perto,
toca sua alma e
enche o coração dela
de alegria com seu
sorriso
carinho
energia!
Essa alegria ímpar
se multiplica dentro dela
e logo se reparte
em infinidades de coisas
que cria e faz
com muito amor
porque ele é
há muito e muito
e muito tempo seu
“muso” inspirador.

169 - Instante

                 O quintal estava vazio mas não silencioso. O movimento das crianças, suas vozes, risos, chamados, circulavam, vibravam por ali, à sombra da grande árvore, ao redor dos balanços e dos brinquedos. A memória do espaço os guardava. Um vento gentil, de pouco em pouco vinha e movimentava, “varria” folhas vivas que estavam pelo chão de areia... e cada movimento destes repercutia dentro de mim como se fosse uma passagem de tempo. Um tempo precioso, intenso e preenchido em todos os seus espaços. Este meu tempo de quintal, esta minha vida na escola e todos estes meus encontros com estas tantas e tantas vidas, nestes tantos e tantos anos... o tempo tornando a passar e repassar no movimento das folhas pelo chão, por vezes rapidamente, por vezes suavemente; como de fato tudo é... coisas difíceis e morosas; momentos mágicos, prazerosos e fugidios, rápidos ou... vice-versa! De repente, tudo ali, inteiro, presente, num único sopro de vento. A vida parecendo um instante à sombra de uma grande árvore.

168 - Tantas coisas

Sol promissor
vento geladinho
passarada elétrica
preocupações
prazos
decisões
saudade.



167 - Reticências...

Por um tempo longo
companheiras,
aliadas, cúmplices.
Nas mãos,
nos olhos,
nos gestos

e nas palavras.
Eu gostava tanto
das reticências!
Podia escolher a
felicidade que quisesse
elas abriam possibilidades
espichavam esperanças
alardeavam sonhos
propagavam ideais.
Não as alcancei mais

tão longe foram,
para além do possível.
E eu me perdi delas.
Agora eu encontro e
me forço aos
pontos finais.
Me arrisco a uma e
outra interrogação.
Mas queria mesmo
de fato e de verdade,
agora, um tempo para
me deliciar com
as exclamações!









166 - Intimidade

Aqui, só os grilos,
mantralizando
sem fim
testemunham
a luz prateada
e cálida da lua
infiltrando-se por
entre as árvores
silenciosas,
dormidas...
e, eu!
Talvez lá ou aí,
outros estejam
assim, emudecidos e
um pouco sem jeito
flagrando um
momento de magia
quando o luar
projetado sobre a mata
suavemente
desvela sua intimidade e,
a beleza incomparável
de cada planta aparece
nas sombras sutis...
Há um doce hiato.
Precisa haver
porque é belo demais!
Intimidade similar
só a sintonia de
mãos que se entrelaçam
olhos que se encontram
braços que se buscam
numa linguagem
sem palavras.

165 - Apego (2)




O  apego me pega; dá um tempo e depois torna a me inquietar, produzir pensamentos, sentimentos fundos. Desapegar é vocabulário  só de quem é apegado como eu, que estou sempre  ensaiando o desapego, não por opção,  mas por não ter opção a não ser desapegar de tudo que amo. Bom se fosse apegada em coisas, porque daí, se perco uma, compro outra... Mas tudo que amo é vivo; singular e em algum momento se afasta ou vai embora! Vai por sua vontade e não pelo meu desejo; vai porque quer, vai porque precisa; vai porque não deseja ficar, tem outras opções; vai porque é livre, tem asas que eu reconheço e admiro e, adoro ver em movimento! Vai pela estrada, pela realidade que toma pé; pela música, pela escrita; pela noite, pelo sonho, pela mágoa, pelo silêncio, pela necessidade; às vezes escondido, às vezes sorrindo, depois de um abraço. Vai por sua alegria e felicidade num outro lugar. Porque sua história se escreve lá. Mas o apego só dói, já descobri, quando reprimo o sentimento, quando ele não é tornado claro, dito: quando não consigo dizer algo: “tchau”, “te amo”, “desculpa”, “não demora”, “que bom te ver”, “tinha tanta saudade”, “se cuida”, “conta comigo”, “obrigada”, “fiquei tão feliz em te ver, estar contigo”...ou mesmo  quando não  consigo atualizar uma dor, uma raiva,  uma mágoa ou dar um abraço! Quando a palavra é endereçada, sem censura ou pudor, o caminho fica limpo e os laços deslizam inteiros e fortes pelos caminhos, labirintos e distâncias, podendo retornar e tornar a sair  sem produzir buracos, estilhaços, feridas, algumas que demoram tanto para curar.  A palavra é um elo e o amor, um desencontro marcado.

164 - E a borboleta?



Tempo de lagarta:
absorver,
aceitar

sem medir.
Tempo de casulo:
esperar
sonhar
imaginar e
esperar!
Processar
aprender
e esperar...
Tanto tempo!
E o tempo
de borboleta?
Bater asas por aí
“espaçosa”
e atrevida
pegando
carona no vento
misturando
espaços
coloridos
saberes e
sentimentos?
Haverá tempo?







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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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