Viajar

Arrumar as malas
conhecer o mundo
jardins, 
horizontes
sem fim;
os outros e
a mim:
só embarcar
no teu olhar.

Melancolia


         Melancolia, funda tristeza pelo inesperado que de repente invade, adentra e fere, lá na alma; me contata com os versos  lindos do poeta nativista gaúcho João Chagas Leite:
“meus desassossegos sentam na varanda,
pra matear saudade nesta solidão,
cada por de sol, dói feito uma brasa,
queimando lembranças  no meu coração”.
         O olhar ansioso varre e captura imagens da varanda ao horizonte, do lago  aos morros, como se tudo e nada visse... em algum momento, encontra uma ave e acompanha, distraidamente seu vôo. Até que percebe um colorido e então se detém. Um papagaio, um tucano?... a ave pousa numa árvore, bem em frente à janela, minha preferida, de observação. Na verdade, um pica-pau! Então meu olhar aquieta e centra, surpreso, porque até então não tinha visto um pica-pau livre; só em cativeiro. E ele escolhe esta árvore linda, aqui em frente! Se demora no local, pulando de um galho a outro, escolhendo o melhor lugar para “picar”. Escuto daqui o barulho do bico “picando” os galhos! Nossa! Que esforço e que força! Quanta boniteza! Ele me cativa neste seu fazer! Me esqueço dos desassossegos  e fico curtindo o presente: lindinho, de topete vermelho!  Experimenta aqui e ali. Mais para cima, para baixo! Lado de lá, lado de cá... até encontrar o que procura e se acomodar. Muito tempo depois, vai embora. E neste tempo todo, eu me refiz, sem perceber. O pica-pau estava cuidando da vida, inteiro, dedicado, centrado. Cuidando de si. E eu, contemplando, esqueci das coisas pequenas que conflitavam dentro; aprumei o olhar, recolocando as coisas nos seus lugares e me permiti deleitar! Deleitando, percebi como “tensionava”, criava e temia fantasmas à toa. Bendito pica-pau! Coloriu e salvou a tarde de domingo!

Alforria


Abri a porta
as janelas
e todas as frestas:
vá!

Onde?

Muitos caminhos
muitas idéias.
A pluralidade bonita
confunde, divide.
A diversidade de
línguas, percepções,
na Babel, aprisiona, fere.
Onde o encontro,
o ancoradouro,
os braços
para descansar?

A folha em branco

         Cheia de possibilidades! Irresistível, a folha em branco. O que eu quiser e puder! Dobraduras, desenhos, rabiscos espontâneos e inconseqüentes, palavras! Muitas palavras, muitas! Sentimentos, desejos, sonhos, bobagens, importâncias que ali tomam forma em traços que se procuram e se transformam naquilo que está desenhado dentro, inspirado pelo de fora. Que ali se atraem e se fecundam, criando mundos de escrituras, onde se pode mergulhar, e também beber, saciar e até se embebedar de substantivos e adjetivos! E verbos! E de muito mais, se tiver curiosidade; de todas as classes gramaticais! Que traduzem, expressam vida! Que refletem, perguntam, significam e ressignificam o viver cotidianamente... Amo as palavras! Vê-las surgindo dentro e se organizando, cheias de brilho e movimento, risos, suspiros, seriedades, lamentos, amor e saudades, na folha em branco! De tantos e infinitos jeitos e combinados. Motivos e significados.

Sabor

"conhecer as manhas
e as manhãs
o sabor das massas
e das maçãs"...
(Almir Sater e Renato Teixeira)


       Por  vezes, me encontro com versos de algum poeta e me encanto, tanto (!), como estes! Vou  redescobrindo-os de quando em quando e eles parecem dizer infinitudes ao instante particular...  Impressionante como, na poesia, as palavras têm vida, movimento! E como “entram na gente”, sem cerimônia, espontâneas! E se encaixam, como se nascidas ali... Coisa mais linda este “conhecer as manhãs”... manhãs de sol,  luminosas, chamando para caminhos que não caminhei, esquinas que não dobrei, gaivotas que não acompanhei; “bom dia” que não escutei, sorrisos e abraços que não troquei!  E o sabor!  Para saborear é preciso tempo! Tempo para degustar cada coisa, cada fato, cada respiração! O sabor de um aperto de mão, de uma conversa cúmplice e amiga, olho no olho! De um café tomado sem pressa, ouvindo quem a gente gosta! De um chazinho que desce massageando, curativando e acarinhando a alma...  O sabor de  um sonho bom, bonito que  coloriu o sono e que a gente vai degustando durante o dia, devagarinho, prazerosamente... ah! Que delícia!                           

Combinado?


       - “Professora, ele está me xingando!”... – “Por que você está xingando ela?” – “Ah! Porque ela está me olhando”!... – “Mas por que isto está te chateando? Qual o problema nisto: ela te olhar”? – “Eu não gosto que me olhem! Vamos combinar: eu não olho pra vocês e vocês não olham para mim nunca mais, combinado”? – “Não, não dá pra combinar isto”. – “Mas por quê? Vamos combinar sim: eu não olho pra vocês e vocês não me olham”... nesta altura, todos na sala estavam parados, olhando e acompanhando o “caso” sério que se instaurara. – “Olha, não dá para impedir os nossos olhos de olharem para lá e para cá e, em algum momento, vamos olhar para você”... – “mas eu não quero que me olhem! Não quero, combinado”? – “Querido, se a gente olha para você é porque você é importante para nós! Não olhar, significaria o contrário”... ficou pensativo por alguns momentos e toda turma em silêncio (milagre!), esperando o desfecho... então ele levantou e  sorrindo concluiu: - “Mas então vocês olham para mim porque me acham o mais bonito da sala?!!!  Todos riram, aliviados, junto com ele! Não precisavam responder! Um riso coletivo aconchegante! De acolhimento e respeito. Impressionante como as crianças compreendem as coisas a fundo... falam, silenciam, se queixam, criticam  e se solidarizam sem mais delongas. Direto ao ponto. Um privilégio participar destes momentos.

Eu

Eu comigo mesma
inteira e só.
Tranqüila.
As coisas
os outros
e eu.
Cada um
no seu lugar.
Nada (mais) misturado.
Sinto a falta
sinto saudade
medo, dor
tristeza, limitações...
E alegria!
E amor profundo!
Mas estou inteira.
Só e tranqüila.
Descobrindo e
interagindo
com meu tempo
meu ritmo,
cada dia mais apaixonada
ressignificando tudo.
Inteira, só, tranqüila.
Não preciso de nada
que meus olhos
minhas pernas
minhas mãos
meu amor e meu sentir
não possam me dar.
Tenho o que preciso.
O que não tenho, de fato,
tenho de outro jeito,
no jeito que encontrei
para ter:
o que me inspira
e a poesia.
Me sinto mulher
“sujeito” de mim mesma.
Só, mas inteira,
tranqüila e, neste agora,
sem arrogância
ou  pretensão:
feliz!

Sonho

    A palestrante provocou: “vocês lembram de como eram e pensavam no início da carreira? Lembram dos sonhos que tinham?”. Depois, encerrou o trabalho de “Práticas Pedagógicas” com um presente; uma linda caixinha dourada, com um coração de dobradura, dizendo que ali dentro estavam as duas coisas essenciais que precisávamos para perseverar, continuar e fazer um bom trabalho. Abrimos, desvestidas de amarras, movidas por aquela curiosidade espontânea que brilha nos olhos das crianças, quando se deixam encantar e surpreender pelo novo, pelo misterioso, pelo mágico! O que havia dentro? Ah! Um pequeno espelho onde me vi refletida! E uma pena, pequenina! Ela disse que a pena representava o sonho. Em essência, é disto que o trabalho precisa para acontecer. As outras condições e requisitos vêm por acréscimo. Podem não vir, mas o trabalho acontece apesar de.  Se o sonho morreu, é preciso resgatar. Educar sem um sonho, fica difícil. Fica insípido, incolor, opaco, chato, rançoso, rígido, fechado, pequeno. Me alegro vendo meu sonho lá no horizonte, me acenando, ainda, todos os dias e depois de tanto, tanto tempo!

Amarras

          O que fez a cigarra voltar ao lugar da tortura? Os gatos a disputavam na varanda; brincando num primeiro momento; jogando-a para lá e para cá. Ela gritava loucamente. Não suportei e interferi. Com uma pazinha,  libertei-a dos gatos e joguei-a na noite. Havia muitas opções para ela se proteger, fugir, se esconder na mata ao redor. Julguei que ela merecia uma chance ou oportunidade. Mas ela voltou à varanda. Ficamos num fazer sem entendimento algum; eu tentando salvá-la, supondo que ela quisesse ser salva, fugir dos gatos e ela retornando, sempre e sempre, até que eles a pegaram outra vez e nada mais pude fazer. Pensava que isto acontecesse somente com as pessoas... O que faz com que se repita, permaneça ou retorne ao cativeiro, aquilo que  nos fere, magoa, oprime? Qual a atração, o gozo que se esconde aí? Onde estão as amarras? Eu não me conformei com a volta da cigarra. Mas eu também já fiz isto. Não posso julgar. Mas ainda desejo  entender. 

Desvestir-se


Tirar o salto
tirar a maquiagem”
os enfeites
as roupagens.
Desvestir-se
dos invólucros,
das máscaras
e das fachadas.
Assumir a nudez
da cara limpa
do que vai na alma
do que vive no pensamento
do que crê o coração.
Andar de pés descalços
sem peso e engomados
sem óculos escuros e,
sentir a maciez da terra
a textura da chuva!
O atemporal dos sentimentos
e o calor do outro
braços abertos,
abraçando junto, a vida!
Simples
e de verdade.

Encontro

Abri a janela. O assunto era sério e eu ganhava tempo para fazer a abordagem. O ar geladinho, vindo da mata nos envolveu e junto, os raios do sol entraram sala a dentro,  ziguezagueando por entre as árvores, serelepes! Nós dois respiramos fundo e nos permitimos deliciar com a floresta a nossa frente, linda! Naquele e em todos os momentos, sempre singulares! A luz era maravilhosa! E nos permitiu ver os fios de uma gigantesca teia de aranha suavemente balançando presa entre uma árvore e um galho da mesma, prestes a cair. Coisa mais linda aqueles fios vistos assim, em ângulos diferentes, conforme nos posicionávamos na janela! Brilhavam intensamente, cheios de pequenas gotículas que uma chuvinha mansa presenteara recentemente... Cada um de nós ficou mexido no seu íntimo. Assim, relaxamos e a conversa tomou outro rumo. Ele me contou das férias e tantas coisas... falou de si como nunca tinha falado antes. E um outro laço se constituiu. Senti que a partilha daqueles momentos bonitos, ali na janela, nos oportunizava outra possibilidade de encontro, entendimento e avanços;  especialmente para ele, no seu reencantamento pelo aprendizado. A bronca não tinha mais sentido. Ele me deu um beijo, disse que sentira saudades de mim e voltou para a sala de aula. Eu continuei meu trabalho, refletindo, tocada. Por isto e por tantas coisas, que num momento destes, vêm à lembrança; especialmente estas destes encontros bonitos e fundos que a gente têm, às vezes, com pessoas, adultos ou crianças. Alimento principal da vida; da minha.

Magia

Cantoria depois da chuva...
Rosa que desperta
sonolenta e cheirosa,
verdes tantos, únicos,
vivos na manhã luminosa!
Dor que se transforma
num instante em fonte!
Alegria que brota 
se esparrama pelo corpo
se derrama pelos olhos e
se espalha... pelo dia!
Preenchido de significados,
de repente e sincero,
o que antes não existia...
é magia!

Num segundo de verdade...


...olhei dentro
do teu olhar
e ali me vi 
verdadeira
depois fugi
quando tudo 
que queria
era me 
aconchegar ali.

"A vida sempre tem uma saída"

Era um lugar triste este
onde a morte festejava,
onde a amiga, que fora
mulher de riso bonito
forte, querida
era chorada, entre flores
pelos amigos,
e seus amores.
Um canto, um lamento
se alongava, confortando
a perda tão sentida
anunciando que
enquanto a morte
desassossega por aí
a alegria suaviza:
A vida sempre
tem uma saída”.


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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