103 - "Pássaros feridos"

           “Pássaros feridos” foi um livro que curti muito e por longo, longo tempo. Lembrei agora, porque durante a semana, muito intensa, os encontros, em alguns momentos,  fizeram-me  sentir e a cada um,  um pouco assim: feito pássaros feridos, impossibilitados de voar e correndo risco. Discursos e teorias, transformando-se em idéias cansadas. Brigas e conflitos sempre por motivos repetidos. Defesas e justificativas elaboradas por inseguranças infantis aflorando. Julgamentos e orgulho para disfarçar fraquezas escondidas. Queixas e críticas motivadas por mágoas, ciúmes e medos. Dores, tristezas, desejo de morte provocados pela covardia, fraqueza e ignorância... Vem do fundo, então,  uma vontade de só olhar pra lua, linda e cheia, linda e plena, lá do alto contemplando estas mazelas sem jeito e sem rumo, que perambulam por aquí, de um pra outro, num ping-pong ininterrupto... olhar pra lua e roubar, bem egoísta, do real, da vida mecanizada e regrada; dos olhos dos outros e do dia, dos conceitos e preceitos, um instante de trégua, sossego e amor! Deste amor que talvez só exista, mesmo, no sonho; mas que mesmo assim, aquece, enlaça, faz vibrar através do olhar, da voz, do sorriso, do abraço, do desejo e do importar-se, às vezes real, às vezes somente imaginário, do outro; este outro que nos importa, que nos encanta, motiva, produz desejo de viver; muso inspirador.

102 - Palavra, afeto

Sem a palavra
o afeto
cala.
Sem afeto,
a palavra
fere.
Com a palavra
o afeto
cultiva.
Com afeto
a palavra
cuida.

101 - Saudade

                           A saudade, quando chega, arrasa! Sempre grande, avassaladora, mas com roupagem diferente; o que se adequa com algo que encontrei por aí escrito, sobre sua origem etimológica: “é a palavra saudade, de origem tão obscura como o fundo dos mares portugueses, tão misteriosa como a virgindade das selvas brasileiras, ou tão cheia de calor como as terras de Angola ou Moçambique...”. Por vezes, bate na porta em forma de vazio, “oquidão” insuportável, fantasma invisível que desestabiliza, desassossega; porque nada mais existe para preencher, passou, acabou... ou vem vestida de lembranças adoráveis, que confortam e preenchem o momento com beleza, conteúdo, sensibilidade! De repente chega inesperadamente, na carona de um sonho do qual não se quer mais acordar e cujas imagens e sensações se prolongam, perpetuam durante o dia, dias, meses, anos... parecendo que “para sempre” tão forte e “real” no nosso desejo e imaginação; configurando-se numa saudade infinita e sem trégua de algo que não se viveu mas que, contraditoriamente se sabe como é; o que é pior do que qualquer outra. Há momentos em que se apresenta como um monstro, uma bruxa desgrenhada, horrível, má, que apavora e desampara, porque não há remédio, nem solução, a não ser a entrega e a espera de que passe, amenizando gradativamente, com o tempo... Mas ela também chega de mansinho, como algo bom e curativo, tornada presente ou instaurada por uma melodia, uma brisa, um gesto, uma fala, um “nada” sutil, uma lembrança qualquer que ressignifica a ausência de um dia, um olhar, uma flor, um lugar, um sorriso, um abraço, uma palavra, uma descoberta única, um encontro fundo que aconteceu lá e ficou lá, mas que feito elástico vem até o agora e de um jeito que não se explica e nem justifica, é sempre presente, verdadeiro, bonito e jardineiro zeloso.
É surpreendente
como, de repente
te tornas presente
urgente, vivo!
Mesmo ausente,
distante,
está inteiro
nos sons,
na natureza
que vibra ao redor
e também dentro,
pulsando no pensamento
borbulhando no coração
correndo pelas veias,
diluído nas respirações...
necessário e especial.



100 - Melodias

Sons de lá
de aqui, de ali...
ora se agregam,
ora se individualizam
e se organizam...
... é a música uma
carícia permanente,
irresistível ao que
se é e se tem.
Intui caminhos
esconderijos secretos,
banaliza os labirintos,
armaduras e defesas
e chega no centro, no
sensível e verdadeiro;
onde o fogo
arde apaixonado,
teimoso e soberano
ansiando e ensaiando
expansão, com suas
labaredas inquietas,
curiosas de vida.

99 - Um olhar

Olhos queridos
de olhar fundo
definido e singular,
único entre tantos.
Quando olha, vê.
Olha e desvela,
olha e encontra
olha, perturba
desmancha e
ao mesmo tempo
encanta, unifica.
Mesmo distante
é presente
acolhe e inquieta.
Envolve, aquece...
conversa silêncios infinitos
atravessando
dimensões, tempo,
racionalismos, lógica.
Não é onisciente
nem onipresente.
Só humano e presente!
Está fora e está dentro.
Inscreveu-se nos
contornos das essências
e ali vive, alimenta,
inspira.

98 - Conversar (2)

    Uma senhora conhecida, próxima, de 70 anos, contou-me que o marido, um pouco mais velho, havia agradecido a ela por compreender que neste momento, ele não poderia fazer algo que ela estava querendo muito. Estava emocionada e eu também fiquei. Poucos agradecimentos ele fez a ela nestes anos todos de convivência. Por isto ela estava tranqüila tendo que renunciar, mais uma vez, a um desejo; por causa dele. Com certeza ele agradeceu outras vezes, de outros jeitos, mas não com a palavra. Pena. Ela nunca soube e com certeza, saber teria feito diferença, como fez agora. Se a palavra não vem; qualquer coisa pode ser colocada ali, naquele silêncio e, nem sempre é a palavra verdadeira. Coisas, sentimentos, idéias... precisam ser falados. É caso de saúde e de respeito. Dor de ouvir pode, um dia, amenizar, curar. A dor da dúvida, da indiferença, do silêncio adoece a alma e por fim, o corpo. Meu pai usa, apropriadamente o termo “imaginações não comprovadas” sempre que ele ou alguém está supondo algo em relação ao que o outro pensa, sente. Brincamos com isto; mas, de fato, é algo sério, porque sempre ou na maioria das vezes nos equivocamos quando interpretamos o outro somente pelas suas atitudes. Muitos ainda dizem: “mas para o bom entendedor, meia palavra basta...”; porém, eu penso que, se por um lado isto é bastante verdadeiro e mais fácil; não é respeitoso. O outro merece saber, para se libertar. Eu gosto tanto quando filhos e alunos falam: “precisamos conversar...”; “vamos conversar...”. Isto me dá, pelo menos uma certeza: eles têm uma chance de serem mais verdadeiros e com isto, mais livres e saudáveis, física e psiquicamente.

97– Alegria!

Viu a meia,
apaixonou-se!
Cheia de rendas, detalhes.
Comprou.
Mas nunca usou.
Um ano passou...
e encontrou o sapato!
Maravilhoso!
Salto alto
cor sedutora.
Experimentou.
Dentro dele, um pé
que ficou lindo,
precisou admitir!
Um do outro,
a meia, o sapato e o pé!
Coisa bonita,
doce, controvertida
e surpreendente
o universo feminino!
Efervescente.
Alternando sentimentos
papéis, descobertas
intensas e desconcertantes
num mesmo dia,
num mesmo momento..
Um sapato e uma meia
de repente
iluminando o dia
acordando a mulher
e o desejo de ser feliz!











96 - Outro dia

Viajo na luz do dia
na carona da brisa
na cantoria da passarada
nos raios coloridos do sol
mas não te adivinho.
Talvez aconchegado
em cavernas de felicidade
onde não posso entrar,
ou em mistérios cotidianos
do teu querer e fazer.
A vida segue
os dias são bonitos
plenos de segundos,
suspiros e indagações.
Tanto para contemplar!

95 - DIferenças

Me tocam as diferenças
com diferentes
ecos...
DIFERENTE
DIFERE
FERE
FE
RENTE
ENTE...
Vezes em que
diferença fere
e fere bem rente,
difere e separa.
Outras em que
aumenta a
crença e fé
nos entes, nas gentes;
aproxima e anima!
Diferenças
de cor, de sabor
de saber, de viver
e de amor.
Diferença no louvar
no pedir, no negar
e no celebrar.
Diferença no sentir,
perceber, reagir
acolher e no expressar
o saber, o querer e o amor.
Diferença de superfície:
alimenta o olhar indiferente,
excludente, preconceituoso,
mantém à margem.
Diferença de profundidade:
acolhe, ampara,
fortalece e complementa!
Contempla a troca,
a liberdade, a sutileza,
a singular beleza da alma
para muito além
das fraquezas,
das cotidianas,
fúteis e inúteis
indelicadezas.

94 - Urgências

Rever e
mudar...
momentos de
muito frio
e neblina,
silêncio e
solitude,
com
quimeras
coloridas
esperançando
dias não vividos,
só cumpridos.
Fechar os olhos
é ver e
encontrar
com o novo,
impaciente
mas ainda com
pernas frágeis
para correr
pela vida.


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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