Cantiga

Cheiro de infância
de coisas doces
simples e fundas;
de quando os olhos
eram curiosos de sutilezas
e coração quase não dava
conta de tanto sonho
pra sonhar
nem de tanta esperança
pra esperar.
Ainda indago
com a mesma
emoção, apaixonada:
por que brigaram,
o cravo e a rosa
se tinham tudo de bom:
um jardim,
beleza, perfume
admiradores e
um amor sem fim?

"Não apresse o rio"




“Não apresse o rio”.
Escute!
Escute seu canto
enquanto ele desliza
decidido e curioso,
desapegado de sua beleza,
por entre os contornos
da terra e das pedras...
Elas o acarinham
ou machucam,
nestes encontros?
E ele? Ele canta
ou ele chora?
Só ele sabe.
Eu não sei, de fato.
Mas eu escuto!
E acredito
que ele, sensível,
é sempre cúmplice
do que meu coração sente! 

Falar bem da vida

Viver em cantos?
Não!
Viver encantada!
Encantada
com a água,
o verde,
o sol,
a folha que cai
cumprindo seu destino.
Viver encantada
com a vida.
Falar bem da vida!
Exaltar a vida
que está na pedra
na flor
na noite
na chuva
na essência
de cada um,
mesmo naquele
que não quer.

Lugar


Debatia-se,
Atordoada,
desconfortável
e cansada
entre as pedras,
a pequena folha amarela.
Finalmente  
libertou-se e se foi...
deslizando,
curiosa
pelo desconhecido!
Explorou, girou
e voltou.
Mesmo lugar
mas de outro jeito,
transformada.


Fênix


Agni
salamandras
fogo
labaredas
queima
calor...
estalo!
Leveza
dança
liberdade
voo...
águia!

Silêncio preenchido

- Hoje somos só nós duas, para o almoço, fofuchinha!
- Almoço só de meninas, né, vovó!
- Hãhã...
- Vó, deixa que eu me sirvo! Já sou grande!
- Você tem 3 anos e já é grande?
- Claro, vó.... olha como sei pegar as ervilhas...
- Tá bom querida! Mas a vovó vai servir o peixinho e o arroz...
- Tá bom, vó...
Antes, tínhamos visto o lagarto adolescente entrar no galinheiro e apavorar as galinhas! Ela ficou com medo, mas viu que as galinhas não perderam a pose e puseram o lagarto pra correr. Ficou contente! E antes disto, havíamos apreciado dois botõezinhos de uma roseira abrindo-se suavemente ao redor do lago. Eram lindos aqueles dois "filhinhos" da roseira! E bem antes disto, no início da manhã, tínhamos curtido o sol, na calçada em frente de casa: ela na motoca e eu empurrando o carrinho de boneca, com a boneca dentro. Depois, revezamos: eu, empurrando a motoca e ela, o carrinho com a boneca. Eu, empurrando o carrinho e a motoca e ela levando a boneca no colo, porque ela estava chorando, queria o colinho da mãe, ela. Eu, empurrando o carrinho e a motoca com ela no colo, porque descobriu um machucadinho no pé. E ela, com a boneca no colo! De onde saíram tantos braços e mãos, de repente, no meu corpo?!!! Lembrei tanto aquela história adorável:  “Suriléa-mãe-monstrinha”, da Eva Furnari! Tudo a ver!
Agora, éramos as duas ao redor da mesa, almoçando. Nos servimos e começamos a comer. Percebi que ela ficou em silêncio; o que era inédito. Eu também. Ela se servia e enquanto mastigava, se recostava na cadeira e completamente relaxada, olhava ora para frente, ora para os lados, contemplando com tranqüilidade, os verdes, a luz do dia. Eu contemplava também, com o coração preenchido de uma quietude infinita e de amor silenciosamente transbordante. Olhava seus olhinhos e via ali, sossego. De quando em quando, entre uma colherada, uma mastigada e outra; um relaxamento e outro; um olhar pousado aqui e ali; ela me olhava e me fazia um carinho no braço, como se dissesse  (mas não dizia):
- “Está tudo bem, vovó”! - e como era bom imaginar que era isto que ela queria mesmo dizer!
Ficamos assim, por muito, muito tempo... Num silêncio cúmplice, preenchido de significados, ali, naquele encontro de três mundos: o dela, o meu e o nosso. Algo muito intenso. Reconfortante. Apaziguador. Organizador.
Ainda estou sob o efeito daquele silêncio. Pensando que no cotidiano, falamos demais. Estimulamos demais. "Enlouquecemos" as crianças e uns aos outros com tanto falatório. Um falatório, na maioria das vezes, oco. Que não serve para nada. Só angustia. Machuca.
Não à oquidão! Mil vezes o silêncio preenchido com as conversas entre os olhos, a alma e o coração.

Bom dia!


Sim,
tem pedras e espinhos
mas também,
perfume na flor,
música na chuva,
no sol, alegria!
E tem tanto carinho,
nesta vida
que amanhece
todo dia,
aqui e aí,
em mim e em ti,
cheia de cor!

Ebulição

Fervura,
desassossego,
inquietudes.
Emoções antigas renascendo.
Reencontro com
partes que ficaram
esperando,
em noites enluaradas
deliberadamente esquecidas;
em melodias nunca mais ouvidas;
em idéias e sonhos engavetados.
Eu e eu, novamente,
com os versos da poetisa mediando:
“ou isto, ou aquilo”...


Sonho bom



Adoro
a cantoria mansa
da chuva
se derramando
no meu jardim....
Mas esta noite...
Ah! Tive um sonho
bom, tão bom assim:
abria a janela
e havia um
lindo SOL,
no horizonte,
rindo
pra mim!


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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