Chuva no asfalto



Poças d’água
folhas cansadas
pisoteadas
galhos partidos
pequenas corredeiras
junto ao meio fio...
embaixo do guarda-chuva
um mundo!
Melodias
conversas
sussurros...
acarinham uma
solidão compartilhada
com estas criaturas
no asfalto.


Caminho

No caminho,
rosas!
Três!
Sorrindo beleza
e perfume
naquele momento azul
da manhã.
Intensas.
Ali.
Sem porquês,
sem conjugações.
Eram rosas,
cada uma
uma.
Eu era uma lente
fazendo recortes
desnecessários...
Bastava
a entrega,
como a delas;
inteiras e belas,
ali.
Intensas.
Naquele exato
e único momento:
o presente.
Só.

Ciúmes

           

                   Senti ciúmes ao ver um vídeo mostrando a interação afetuosa entre alguns animais. Ciúmes dos afagos, das lambidas; da leveza da entrega e doação.
            Vejo em mim e vejo nos outros, o peso. O peso dos ranços, das mágoas, das invejas, dos ciúmes, das ignorâncias! Peso dos preconceitos, tabus e hipocrisias. Peso dos medos e inseguranças. O peso do orgulho; da infantilidade.
            Um peso que bloqueia. Não deixa voar, dançar; nem caminhar; muito menos abraçar; acessar à linguagem dos carinhos sinceros, espontâneos.
            Um peso que não deixa o ar circular e arejar os sentimentos e pensamentos. E por isto, difícil aceitar o outro, sua felicidade, suas idéias, sua singularidade, seus talentos, seu sucesso; suas falhas e demandas.
            Peso grande. Insuportável. Que produz mau humor, fofoca, asperezas, indiferença, malícia, rejeição e injustiça. E devolutivas de mau humor, fofoca, asperezas, indiferença, malícia, rejeição e injustiça.
            Um peso grande demais para levar, sustentar, se ocupar. Não sobra nada para o outro; para olhar para o lado, para cima ou para baixo: só para o próprio umbigo!
            Peso que inviabiliza a compaixão e a contemplação. O êxtase. Limita o riso, a paciência, a tolerância. Exaure o respeito. Banaliza a mão estendida. Esvazia o olhar. Azeda o vocabulário. Abrevia a beleza.
            Hoje, depois de algumas horas desaparecida, nossa gatinha Roxo Charrruel voltou para casa. Sua irmã, a Chanson Bege, passou este tempo todo chamando por ela, miando ao redor da casa; expressando sua saudade, sua preocupação. Quando Roxo voltou, Chanson correu para ela e a lambeu; enroscou-se  nela  e  as duas ficaram se acarinhando, felizes uma com a outra! E m o c i o n a n t e! De uma beleza e doçura capaz de derreter um iceberg em alto mar...mas não um iceberg de um olhar indiferente, sabemos.
             Senti ciúmes do vídeo! Ciúmes das gatinhas, hoje. Ciúmes deste benquerer que não mede, não condiciona, não compara. Que é inteiro e íntegro. Exposto. E senti desejo imperioso de escrever sobre isto.
             Nossa! Sou uma alienada? Não falo, não curto, não compartilho e não escrevo nada sobre a crise política e econômica do país; não repudio e nem escracho a presidente; não repasso notícias envolvendo escândalos, mazelas do cotidiano da cidade, do país. Não sei  identificar o verdadeiro do falso, neste aspecto. Isto não captura meu olhar. A dor, sim. A injustiça, sim. Falo delas ao contrário e bem de perto. Observo e fico profundamente tocada. E reflito. Um dia, sobre um jovem que assassinou outro, covardemente,  escreveram: “é um lixo”. Esta expressão ficou ecoando dentro de mim por dias. Não podia acreditar que se referisse a um ser humano. E como um ser humano havia se transformado num lixo... Eu me perguntei: - Quem produziu este lixo? Muitos queriam matá-lo; livrar-se do lixo. Assim como livram-se do seu lixo doméstico;  julgando que ele, sendo levado pelo caminhão que o recolhe, acaba ali.  Eu já tinha uma preocupação crescente e incômoda com o lixo que produzo em casa e com o que produzimos no planeta... agora, então, este novo significante “lixo humano”, tira meu sono. Não me conformo que tenhamos chegado a isto! Não acuso e não defendo. Eu me pergunto: o que fizemos? O que faremos? O que farei a respeito?
             Eu tenho um campo de ação. Uma sala de aula. Ali eu trabalho. Ali eu oficio. Por vezes, eu me sinto profundamente pesada. As coisas não andam. Mas quando consigo despir-me do peso; vestir-me de leveza, liberar as asas, o sorriso e o acolhimento... voamos e passeamos encantados, pelo mundo, nossa casa, reconhecendo e acarinhando nossos irmãos! E a esperança me abraça! E eu me entrego, feliz!

Mutilação


Quando a dor
migra às profundezas;
a impotência
lava as mãos
e a tristeza
finge indiferença;
o corpo
despedaça.

Jardim da Cecilia


Uma amiga já é presente
na vida da gente!
Amiga jardineira,
então, quem não quer,
quem nunca quis?!!!!
É movimento, encontro,
cafezinho, troca de
significantes e silêncios
num jardim de acolhimento,
cores e flores...
infinitas sutilezas!
Onde esvoaçam
perfumes, misturas,
delicadezas
e profundo
querer bem;
dia sim,
outro também!

Chorão

     
    
   Quando criança, o CHORÃO, a “árvore que chorava” (segundo os adultos), mexia comigo... Como uma árvore podia chorar? E por quê? A imaginação “corria solta”! Até que plantaram uma no jardim de  nossa casa, na rua Roberto Low. Só que quando cresceu, tinha jeito de chorão; era lindo como os outros;  mas não era um chorão como os outros. Tinha flores, uns cachos vermelhos! Então me disseram que era um “chorão alemão”! E cresci chamando-o assim. 
   Há pouco tempo, descobri que seu nome científico é callistemon; popular escova-de-garrafa! Mas, quer saber? Prefiro o meu: “chorão alemão” e todas as histórias que construí a respeito do seu “choro”. 
      Minha família mudou-se daquela casa, mas ele permaneceu lá... Acho que ainda não é um  chorão vovô, como eu e meu irmão já somos, agora. As árvores têm outro tempo... 
    Em novembro do ano passado, passando por aquela rua, tirei esta foto dele. Parece um jovenzinho, ainda. Lindo! Saudade!

Nenúfar



Quando a noite
de magia e encantos 
abraça e esconde o dia, 
ela, a jovem Nenúfar
se abre e aparece...
Ah! Uma Cinderela! E reina, 
no lago, noite inteira,
sob olhos apaixonados... bela!
A luz e os raios do sol
badalam o fim do sonho
e ela se esconde
dos olhares de toda gente! 
Ele, o amado,
o brilho da noite, 
gira o mundo
buscando por ela!
Lá no fim do dia
o reencontro! 
Amor e beleza
... na cumplicidade do lago!





Flamboyant



         Nos últimos três meses, olhei muito para o nosso flamboyant. Sentia uma imperiosa necessidade de contemplá-lo. Ele tornou-se uma bela e jovem árvore, alta e esguia. E florida! Pela primeira vez, floresceu! E suas flores foram desabrochando lentamente... cada dia, uma! E, de repente, eram muitas. Lindas! Eu sentia apreço, ternura, gratidão por tanta beleza no meu quintal e, uma sensação de culpa, como se estivesse dando pouca atenção a ele, pelo tanto que representava.
            Era tímido, nosso flamboyant. E mágico! Sim, porque num piscar de olhos, estreitava num abraço longo, o lago e com suas folhinhas, cobria o chão e tudo que estivesse embaixo. Não vencíamos varrer! Tampouco ver quando caíam....acho que talvez porque não caíssem, flutuassem... suaves e silenciosas. Discretas.
            E era lindo observar o céu através de seus galhos! Um dia, inusitadamente, pensei: - preciso tirar uma foto dele! Registrar esta beleza... antes que acabe... e tirei. Logo em seguida, perdi aquele celular e, consequentemente, as fotos do flamboyant florido... eu planejava tirar outra foto... mas não deu tempo!
            Como se fosse profecia, de fato acabou! Hoje,  nosso flamboyant se foi... Tombou, durante uma ventania, suave e silenciosamente sobre o lago. Os fios da rede elétrica, a pérgola e os galhos do pequeno plátano sustentaram seu corpo enquanto nos refazíamos do choque e nos organizávamos para tirá-lo dali.
            Chovia muito. Relâmpagos e trovoadas interrompiam nosso silêncio: meu, do meu marido e do meu filho. Trabalhávamos na chuva, equilibrando escada, usando serrotes e cordas para colocá-lo no chão e evitar danos. Doía ouvir o barulho do serrote cortando seus galhos e estes desprenderem-se do corpo, sem um gemido... Tão jovem! Tão bonito! Cheio de flor! Tão entregue! Por quê?
            O vazio dele está ali, entre os antúrios. Estará, amanhã e depois e depois, na ausência do seu reflexo e de sua sombra sobre o lago  e do tapete de suas folhas no chão. Uma ausência, um vazio preenchido de beleza e BEM. Lamento que em foto, o registro que fica, é  dele caído... Mas sua beleza e suas flores estão registradas dentro de mim; num lugar onde ninguém pode roubar e nem eu perder. Li, um dia destes, que na vida, a gente ganha ou aprende. São lições de amor. 



Mudança


Revolver
mexer os recheios
desacomodar os extremos
tocar nas raízes
expô-las aos sol...
Dói!
Mudança.


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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