Ciúmes

           

                   Senti ciúmes ao ver um vídeo mostrando a interação afetuosa entre alguns animais. Ciúmes dos afagos, das lambidas; da leveza da entrega e doação.
            Vejo em mim e vejo nos outros, o peso. O peso dos ranços, das mágoas, das invejas, dos ciúmes, das ignorâncias! Peso dos preconceitos, tabus e hipocrisias. Peso dos medos e inseguranças. O peso do orgulho; da infantilidade.
            Um peso que bloqueia. Não deixa voar, dançar; nem caminhar; muito menos abraçar; acessar à linguagem dos carinhos sinceros, espontâneos.
            Um peso que não deixa o ar circular e arejar os sentimentos e pensamentos. E por isto, difícil aceitar o outro, sua felicidade, suas idéias, sua singularidade, seus talentos, seu sucesso; suas falhas e demandas.
            Peso grande. Insuportável. Que produz mau humor, fofoca, asperezas, indiferença, malícia, rejeição e injustiça. E devolutivas de mau humor, fofoca, asperezas, indiferença, malícia, rejeição e injustiça.
            Um peso grande demais para levar, sustentar, se ocupar. Não sobra nada para o outro; para olhar para o lado, para cima ou para baixo: só para o próprio umbigo!
            Peso que inviabiliza a compaixão e a contemplação. O êxtase. Limita o riso, a paciência, a tolerância. Exaure o respeito. Banaliza a mão estendida. Esvazia o olhar. Azeda o vocabulário. Abrevia a beleza.
            Hoje, depois de algumas horas desaparecida, nossa gatinha Roxo Charrruel voltou para casa. Sua irmã, a Chanson Bege, passou este tempo todo chamando por ela, miando ao redor da casa; expressando sua saudade, sua preocupação. Quando Roxo voltou, Chanson correu para ela e a lambeu; enroscou-se  nela  e  as duas ficaram se acarinhando, felizes uma com a outra! E m o c i o n a n t e! De uma beleza e doçura capaz de derreter um iceberg em alto mar...mas não um iceberg de um olhar indiferente, sabemos.
             Senti ciúmes do vídeo! Ciúmes das gatinhas, hoje. Ciúmes deste benquerer que não mede, não condiciona, não compara. Que é inteiro e íntegro. Exposto. E senti desejo imperioso de escrever sobre isto.
             Nossa! Sou uma alienada? Não falo, não curto, não compartilho e não escrevo nada sobre a crise política e econômica do país; não repudio e nem escracho a presidente; não repasso notícias envolvendo escândalos, mazelas do cotidiano da cidade, do país. Não sei  identificar o verdadeiro do falso, neste aspecto. Isto não captura meu olhar. A dor, sim. A injustiça, sim. Falo delas ao contrário e bem de perto. Observo e fico profundamente tocada. E reflito. Um dia, sobre um jovem que assassinou outro, covardemente,  escreveram: “é um lixo”. Esta expressão ficou ecoando dentro de mim por dias. Não podia acreditar que se referisse a um ser humano. E como um ser humano havia se transformado num lixo... Eu me perguntei: - Quem produziu este lixo? Muitos queriam matá-lo; livrar-se do lixo. Assim como livram-se do seu lixo doméstico;  julgando que ele, sendo levado pelo caminhão que o recolhe, acaba ali.  Eu já tinha uma preocupação crescente e incômoda com o lixo que produzo em casa e com o que produzimos no planeta... agora, então, este novo significante “lixo humano”, tira meu sono. Não me conformo que tenhamos chegado a isto! Não acuso e não defendo. Eu me pergunto: o que fizemos? O que faremos? O que farei a respeito?
             Eu tenho um campo de ação. Uma sala de aula. Ali eu trabalho. Ali eu oficio. Por vezes, eu me sinto profundamente pesada. As coisas não andam. Mas quando consigo despir-me do peso; vestir-me de leveza, liberar as asas, o sorriso e o acolhimento... voamos e passeamos encantados, pelo mundo, nossa casa, reconhecendo e acarinhando nossos irmãos! E a esperança me abraça! E eu me entrego, feliz!

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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