Doce

Olha
o vaivém do
homem do algodão doce...
- Fon, fon!
No domingo introspectivo,
geladinho e choroso,
fugindo da garoa fina
pisando descuidado 
nas poças de água fria.
Lá vai ele!
Lá vem ele!
- Fon, fon!
Apressando o passo
para alcançar
o desejo do menino:
- Quanto é moço?
- Fon, fon!
Olhos se alumiam
de contentamento;
outros olhinhos
piscam sem parar,
de puro encantamento
e moedinhas tilintam
escapando do bolso
de um
pra’s mãos do outro...
- Péra aí, moço!
  Tá faltando moedinha...
  Mãe! Manhê!
- Fon, fon!
Vem de lá, moedinha!
Vai pra lá, algodão,
empacotado e docinho...
Troca justa e nervosa,
de pura emoção:
- Quero o amarelinho!
- Fon, fon!!!
 Ah! Prazer tem nome,
cor, textura e sabor!
Interessa se é domingo,
se é segunda?
Se tem poça d’água na rua
movimento
ou soneca geral?
Claro que não!
Tem sonhador na rua,
tem criança no quintal?
Tá feito
o encontro perfeito
que adoça e
esperança um momento!
- Fon, fon!


Quem escolhe?

         

          Na biblioteca...
- Hoje, vocês não escolherão os livros para o rodízio!
         - Por que não, professora?
         As carinhas estavam surpresas e decepcionadas...
         - Ah! Hoje os livros escolherão vocês!!!!
         Risos!
         - Como professora? De que jeito se os livros não falam!!!!
         Muitos risos!!!
       - Ah! Queridos! Os livros têm o jeito deles para escolher... Para descobrir qual é, vocês precisam olhar com muuuuita calma e muuuuito atentamente para eles... Depois que forem escolhidos, venham até aqui, no computador, para que eu faça o registro.
         Após um tempo de quietude, a fila formou-se, buliçosa. Cada um com um livro na mão.
         - Então queridos, como foi que os livros escolheram vocês?
         Na sua vez, cada um contou:
         - As folhas dançaram para mim, profe!
         - Ah! A capa, deste aqui, piscou para mim!!!!
         - Este aqui deu uma risadinha para mim, professora!
         - O meu fez assim, ó... ( e mostrou o livro chamando por ele com uma mãozinha saída da capa)
         -  Profe, este livro pediu, lá dentro da minha cabeça: - “me pega, me pega”!
         - O meu não disse e não fez nada, profe, mas eu senti que ele queria que eu o pegasse!
         - Foi a cor deste daqui que me chamou, profe!!!!
         - Que legal, gente!!! Agora, podem ir! E cuidem bem dos livrinhos que escolheram vocês, hoje, tá bom?!!!  
E lá voltaram eles, à sala de aula, com os livrinhos na mão, passo ligeiro, olhos brilhantes, conversa solta.

Pela ressurreição dos sonhos!



A semana é santa
o frescor é de outono
as noites de lua cheia!
Cheia, como as manhãs:
de beleza ímpar!
Conjunção fabulosa
que refresca e acarinha,
traz lembranças;
ativa a memória dos sentidos
atualiza sensações lá da infância....
das ruas da nossa infância!
Amanheciam com esta curiosidade
latente e luminosa
dos verdes apaixonados
e dos azuis envolventes!
Manhãs sem pressa...
com uma única urgência: viver!
Quando esperar era bom!
Uma entrega
para o tempo de acontecer...
E na espera, forjava-se 
paciência e sonho.
Atropelada pelo imediatismo
e banalidades,
a espera transformou-se
em irritação e angústia.
E muitos sonhos
não são mais sonhados.
Uns nos foram roubados,
outros marginalizados
e outros vagueiam por aí,
comprados, copiados
sugeridos ou impostos.
Ah! Dias lindos,
transparentes!
Noites claras,
deslumbrantes!
Nos arrebatem!
Inflamem de ternura
e compaixão
pela nossa espécie!
Pela ressurreição dos sonhos!
Pela coragem de sonhar
sonhos de encontros!



Maravilha


Um sonho maravilha
virou realidade maravilhosa
e, neste outono,
celebrou os 7 anos
identificada com a metáfora 
da “Mulher maravilha”!
7 anos! Puro movimento,
corre lá na frente
curiosa de futuro e de horizontes!
Sonha que pode,
que é possível!
Feminino que continua
na mistura de tantos ontens,
tantos colos,
traços,
risos,
jeitos, feitos, imperfeitos,
íntimos,
sonhos e sinas!
Menina maravilha!
A vida não poupa,
desafia.
Todo dia, espinhos a contornar.
Não dá para ser menina
no sossego, na paz.
Antes, precisa ser
guerreira!
Guerreira para sustentar
delicadeza, valor, talento
e lugar. Manter respeito.
Precisa, acordar, sim,
Maria;  cedo e
das profundezas,
tua "mulher maravilha"!
Vestir a roupa
e fortalecer!
Porque o caminho é longo!
Com retas, curvas e interditos;
dias dourados e de chuva,
frio e neblina
criação, alegrias, descobertas!
É bonito, querida! É, sim!
Vai! Haverá um abraço
um ombro, um colo, uma palavra,
uma mão ou uma lembrança
para segurar, sim!
Feliz 7 anos,
"tonchinha"!


DO OUTONO...

Nos vincos,
nas manchas,
nas falhas,
nas faltas
e nas cores,
histórias!
Ah! Tantas...
Cada  marca
suscitando
leituras
e alternâncias:
entrega...
resistência...
Tocante!
Bela!
Sem disfarces.
Singular.
Perfeita
na magnífica incompletude...
Vida vivida,
cumprida.

Acolhimento


A luz do sol e dos verdes outonais entrava, curiosa e melancólica, pelas janelas, nos espiando sem disfarce. Preparávamos o almoço: Maria e eu. Era meu aniversário e ela mostrava-se desejosa em agradar e também em aprender: era a primeira vez que tinha permissão para usar a faca. Cortava pepinos. Eu acompanhava seus movimentos, admirada e dividida entre o “ainda e o já”: ela “ainda tem seis anos” e o “já está com quase sete anos!!!  
De repente, o telefone tocou. Era a bisa; minha mãe que ligava, lá do RS. A pequena atendeu, conversou um pouquinho com a bisa e passou-me o telefone. Evidente que fiquei emocionada com a conversa com a mãe, tão distante e, especialmente neste dia... Daí, o inusitado:
- Vovó! – a pequena colocou sua mãozinha sobre a minha... aquele gesto típico que se faz quando queremos consolar alguém; expressar solidariedade; quando olhos e toque falam: “estou aqui, estamos juntos”.
- Vovó! –chamou novamente. Desta vez com maior firmeza no tom e no tato. Solicitando que o meu olhar  sustentasse o seu.
- Vovó! Pode chorar, querida! Pode chorar! Pode ficar triste! Não tem problema! Quando a minha mãe foi para o Peru, eu também fiquei triste e chorei de saudade! Sei bem como é isto... Pode chorar! Depois vai passar! – falou; doce, olhinhos brilhantes, acolhedores e carregados de sabedoria infantil. Acrescentou um abraço, um beijo e voltou para o trabalho. 
E eu, claro,  chorei.
Porque há um momento em que tudo trava, engasga, fica branco, some, paralisa... e só as lágrimas têm trânsito livre, razão e sentido. Sentir-se amado e acolhido é mergulhar num vazio preenchido de significantes, onde a gratidão curativa tudo e agiganta o sentido de viver. 


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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