Brincar






Porque brincar
é bom demais!
É cheio de urgências,
assim como o ar,
a sede,
a fome;
a curiosidade,
o pensar,
falar, cantar,
colher frutinhas,
dormir
e abraçar!







Gaivotas


Hoje estavam lá
as gaivotas!
Nublado!
Cheiro de nostalgia
no silêncio do "bando"
na solitude da praia...
Algumas, perfiladas,
mantinham o olhar
fixo numa direção
que não o horizonte...
seria ao passado?
Estariam  recordando
o movimento de barcos
que pontilhavam e coloriam o horizonte?
A fartura de peixe?
Os encontros barulhentos,
as brincadeiras, paqueras
e disputas na praia ensolarada,
antes só delas?
Acho que sim!
Este jeito assim...
pura, pura saudade!



Brilho

E se fosse só assim:
só brilho?
Sem as arrogâncias?
Só brilho!
Sem o medo?
Só brilho!
Sem condições?
Só brilho!
Sem radicalismos?
O brilho do sol
refletido no mar.
O brilho do amor
refletido no teu olhar!


"Vou ser prefeita"!

          


                  Era sábado. Um dia anterior às eleições. Como geralmente fazemos quando o dia está bom; pela manhã,  eu e minha neta fomos dar um passeio na quadra em frente de casa. Vamos conversando, olhando aqui e ali... flores, passarinhos, carros, gente e sujeira! Sempre levo uma sacola para recolher o lixo que foi descartado, sem dó nem peso na consciência, por “ninguém sabe quem”, na rua.
        - “Gente que não cuida, né vovó?! Não sabem que lixo tem que ir no lixo”...
        Neste dia, a rotina foi diferente. Houvera um aniversário na escola e ela ganhara, de lembrancinha, um bloquinho e um lápis. Pediu para levar junto, menos o lápis, que trocou pela caneta do vovô. Fiquei imaginando o que faria... logo descobri. A cada lixo encontrado: papel de bala, sacola plástica, garrafa de cerveja, caixinha de suco, canudinho, bituca de cigarro, copos plásticos, ela expressava uma indignação e registrava o objeto no caderninho...
        - “Vou mostrar tudo pro tio, vó e, pro prefeito”... (neste ano a política entrou na vida dela; um tio era candidato a vereador e ela torceu e vibrou muito com esta novidade!). “Eles têm que fazer alguma coisa, vovó” ...
        E aí foi em frente, gesticulando, curiosando, descobrindo  as “porquices”; reclamando e apontado para que eu recolhesse enquanto ela fazia as anotações. Naquele momento ela não podia ajudar a recolher, tinha que anotar tudinho....
        De repente falou:
        - “Eu vou ser prefeita, vovó”!
       No domingo, enquanto caminhava em direção à seção eleitoral, para votar, lembrei do fato. Estava desanimada, com a sensação vexatória da repetição por repetição; de perda de tempo, de ser uma palhaça, babaca, etc. Senti, então, profunda saudade da emoção e do orgulho antigo em votar! Quando os ideais eram vivos e fortes; o desejo de mudança muito claro e a crença num futuro melhor, um fogo crepitante e arrebatador, dentro de mim! Senti saudade de acreditar na palavra do outro! Saudade de acreditar que o que movia os políticos, era o desejo de servir e produzir melhorias coletivas! Saudade de acreditar que aqueles em quem eu depositava meu voto, eram os\as melhores sujeitos! Saudade de acreditar no amor dos brasileiros ao Brasil! Saudade de acreditar na paz, no entendimento, no respeito e na justiça; pelas quais grandes homens e mulheres, que admiro, famosos ou anônimos, deram a vida! Saudade de assinalar um X ou clicar um nome, um número, com orgulho!
        Recordei o brilho no olho da minha neta! O seu interesse livre de interesse; o seu importar-se; sua indignação; sua rápida articulação para resolver algo que ela, aos quatro anos já sabe que é um “baita” problema; mas ainda sem noção do quanto pode ser difícil ou impossível, no mundo dos adultos (adultos? Ah! Me desculpem! Por vezes, adultos só na idade e tamanho! Há muita infantilidade permeando este nosso ser e fazer adulto, na verdade!), resolver coisas tão simples e vitais, porque ali, o interesse é cheio de interesses e não sobra tempo para cuidar das cidades e do povo que mora nelas, de fato e simplesmente!

        Então meu coração enterneceu! E de novo o "milagre": o renascimento da fênix! Ah! Sim, as crianças produzem, na gente, este reencantamento pela vida e por aquilo que parece que está morto e não tem mais jeito! Por isto, o saber de um, deve, precisa juntar-se ao saber do outro a fim de construir algo melhor para o presente e para o futuro...  Ai! Que cansaço das discussões vazias, das hipocrisias; da propagação e compartilhamento de raivas, meias verdades e até inverdades sem reflexão, sem investigação, sem ética; sem cuidado com os ouvidos das crianças, que absorvem e reproduzem tudo sem compreender... cansada da falta de respeito até mesmo e principalmente destes que cobram respeito.  Senti que meu rosto corou e o coração acelerou!!! Por ela, minha neta, eu resgatei o brio! Eu pisei firme! Ergui a cabeça! Por ela, pelos alunos! Por outros e outras e por tantas lutas que já houveram em nome desta causa! Por mim... E exerci meu direito de votar; reafirmando o compromisso comigo mesma de não desistir! Ainda há muito que fazer! E é preciso ajudar quem quer fazer, também! As pessoas acabam se encontrando; o “universo conspira”! Devagar, com respeito, muita conversa e escuta, parceria; a gente consegue (tem que conseguir!) construir uma outra estrada! Os pequenos estão vindo aí para cobrar, ajudar a repensar, motivar, fortalecer. 
       


Dormir de pé

- “Vovó, to com sono... me faz dormir... de pé”!
De repente, abandonando o papel e o lápis, a pequena se aconchega no meu colo. Assim, de repente! Estava desenhando, cantando... e o sono chegou, sem avisar! Chegou cheio de urgências e com esta súplica doce: “de pé, vovó”!
Ah! Como curto isto! “Dormir de pé” significa eu estar de pé, andando de lá para cá, pela casa; com ela no colo, cabeça entregue e acomodada no meu ombro e eu, cantando um vasto repertório; um pouco fiel, um pouco parodiando melodias de ninar e outras, que gosto! Assim foi com meus filhos, um dia e, agora é com ela, minha neta! Bom demais!
Acho uma das coisas mais sublimes: ninar alguém! Eu sinto uma sensação grandiosa de inteireza e pertença... É um prazer! Mas... é muito mais um impulso que vem fundo e conhecido... algo que me emociona e me conecta com minha ancestralidade. A ternura que é produzida neste encontro de ninar, é um fio condutor que me liga com o passado. É muito grande! Não é de agora. Eu me sinto depositária deste legado e o exerço com todo meu ser e amor!
Desde meu último filho até agora, meu repertório de melodias aumentou, enriqueceu e, ao mesmo tempo que vou resgatando as antigas, que a pequena curte com atenção e depois reproduz nas brincadeiras; eu aprendo novas. E aprendo misturá-las; mais livre para criar, modificar...
Um dia destes, veio à memória aquela: “Ana Maria entrou na cabine, e foi vestir um biquíni legal; mas era tão pequenino o biquíni”... Ela abriu os olhos e perguntou:
- “O que é cabine, vovó”?
- Sabe aquele lugar, lá nas lojas, onde a gente entra para experimentar uma roupa...
- “Ah! O provador, vovó”!!!!
Bah! Fiquei envergonhada por tê-la subestimado!!!
Mas daí, o sono passou um pouco e ela começou a cantar, parodiando:
- “Ana Maria entrou no provador e foi vestir um vestido legal! Mas era tão apertado o vestido, que a Ana Maria até sentiu-se mal”....
Cantou, repetiu mais um pouco e depois tornou a relaxar a cabeça no meu ombro:
- “Canta você, agora, vovó!”
Demorei um pouquinho e ela tornou a pedir.
É que eu estava “mexida”! Coisa linda, isto, poxa!!! “Mexida” é estar mais do que emocionada! Como eu não ficaria mexida com esta troca espontânea de afeto e parceria? Cumplicidade? Confiança?
Quando sinto que sua cabeça “pesa” no meu ombro; que os bracinhos pendem e começa ressonar; aguardo mais um pouquinho e então agradeço: por merecer! Merecer viver isto! Que não tem similar. E então a coloco na sua caminha. E de vó, me transformo em guardiã deste sono. Algo delicado, que também me é confiado pelas minhas ancestrais, no mais secreto da alma! Ali, me reencontro com meu universo feminino; com tantas e tantas mulheres que foram antes de mim... talvez eu mesma! Fortaleço. 


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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