Capitulina (2) - Lagartas

            O jardim estava cheio delas. Lagartas pelo chão; lagartas grudadas atrás das folhas; subindo pelos troncos das árvores; metidas nos lugares menos esperados.  Na escola, bastava uma criança dar o alerta: “olha uma “bicha cabeluda!” para que um exército rapidamente se organizasse munido de latas, copos descartáveis, baldinhos de plástico e saísse à cata delas. Depois, era um tal de pegar folhas, para que elas se alimentassem  e, pedaços de “filó”, para cobrir e evitar  que fugissem... tudo para descobrir o segredo de “virar borboleta”. Porém, a imediaticidade característica da idade não contemplava tanta espera e logo as lagartas eram entregues à natureza, sob o pretexto de que “coitadinhas”, “vamos deixá-las na natureza, livres”, “é... a gente também não gostaria de ser aprisionado numa lata...”. Num destes dias, Capitulina faxinava e acompanhou o movimento dos alunos, tensa. Por dois motivos. Um, porque acabara de  lavar  a varanda e os alunos passavam de lá para cá, afoitos e sem cuidado, trazendo e espalhando areia do quintal dentro escola. Outro, porque tinha receio, sabia que as “bichas cabeludas” queimavam a pele. Até gritou para um aluno “larga isso guri! Coisa nojenta! E perigosa: queima! Você vai se machucar”! E ouviu: “eu me cuido! Quero ver ela virar borboleta! Acho que vai sair uma bem grande e linda desta aqui... ela tá bem gordinha...”! Quando as professoras levaram as crianças, Capitulina venceu a repulsa e procurou olhar a lagarta  com o olhar das crianças. Acompanhou os movimentos sinuosos da lagartinha... Ficou intrigada. De fato, podia ser interessante... a forma, o movimento... como é que um bichinho desengonçado daqueles, que se arrastava pelo chão, poderia transformar-se numa esplêndida borboleta?! De repente, Capitulina estava pensando em algo que nunca pensara antes e que produzia algumas inquietudes, certo desassossego misturado com curiosidade... Será que a lagartinha feiosa sabia que um dia seria ou poderia ser uma linda borboleta e voar livremente por aí... será que ela sabia? Será que esperava por este momento? Teria, a lagarta, consciência de que naquele momento era apenas uma lagarta cuja aspiração maior era comer e comer; mas que lhe estava reservado, num outro estágio, um ouro corpo, um outro jeito de viver e a capacidade de voar? De ser leve e livre;  conhecer outras coisas; um outro mundo visto de cima; muito maior e com tantas outras possibilidades? 

Capitulina (1)

Meu pai, “a vida toda”, diante de algo inusitado ou dúbio, falou em tom malicioso, que “oooolha... Capitulino começou assim...”. Nunca soubemos de fato, quem era o Capitulino, nem o que aconteceu com ele e nem como tudo começou (o pai nunca chegou a contar).  Com certeza é algo que nem ele sabe; apenas repetiu e repete, até hoje, uma expressão machista, lá do tempo dele...; mas eu sempre achei graça e, intrigada, ao longo dos anos investiguei, sem muita implicação; mas atenta aos acontecimentos. Não descobri o que aconteceu com o Capitulino, mas partilho que encontrei a “Capitulina”! Soube o que aconteceu com ela; que nada tem a ver com a Capitulina de Machado de Assis e, como tudo começou.  Descobri que quando nasceu, Capitulina tinha olhos grandes, curiosos, alegres, desejantes. Olhos gulosos! Aos poucos, sem que os familiares percebessem, foi perdendo a gula, o brilho e por um longo tempo de vida, viu muito pouco de tudo. Interessante que era como se visse, porque ninguém percebeu que ela não enxergava; nem ela! Passou muitos anos sem ver as coisas de fato; mas eis que de repente, começou a ver! Fantástico! Um processo silencioso e anônimo; que não abalou e nem interferiu no cotidiano individual ou coletivo de ninguém, porque Capitulina era comum; tinha uma vida comum; embora lá no íntimo, bem íntimo, bem escondido, alimentasse sonhos incomuns.

Último capítulo

          Justo dizer que Tilia fizera muitas tentativas... Agora o tempo expirava. Agora não aconteceria mais. O sol se punha, definitivamente, para ela. Não haveriam mais os amanhãs, outras chances, os depois, os mais tarde ou os quando der ou os quando isto ou aquilo estiver resolvido; quando for possível... O ponto final do seu último texto estava muito próximo.  E todos os seus queridos estavam ali. Expressando seu bem querer a ela. Então, num último esforço, derradeiro deleite, dirigiu seu olhar para aquele a quem mais amava! Ele entenderia, agora que ela não tinha, realmente, como usar as palavras, apenas o olhar? Colocou o que lhe restava de ímpeto e de sopro de vida, nos olhos, que por instantes, brilharam intensamente, ansiosos (mesmo ali, quando nada mais era possível, o sonho ainda estava intacto!) e quis saber:  


Como seria viver,
ver o mundo contigo?
Que sabor teriam as coisas?
Haveriam conversas
na madrugada?
Poderia ouvir os
barulhos do silêncio
comigo?
Me convidaria para
passear ao luar
e me ajudaria
a cuidar do amor?
Veríamos um filme,
abraçados?
Ouviria uma música
de olhos fechados
e encontraria a minha mão,
partilhando a emoção?
Me convidaria  para dançar e,
enlaçados poderíamos
sempre nos tocar,
viver nossas singularidades
e nos respeitar?
Permitiria eu te abraçar,
quando quisesse, sem hora,
sem tempo e sem lugar?
E me dar pra ti
com desejo de te fazer feliz?
Aceitaria ser ainda
e para sempre
meu muso inspirador,
meu amor?!


– Ele sorriu e apertou sua mão! Tília fechou os olhos em paz e o céu se abriu para ela. 

Resistir

O sol nasceu
determinando
luz, brilho, calor
movimento, cor...
sina sem fim
regendo a vida.
Ele cumpre.
O vento joga
o vazio de lá
pra cá... e no
Intervalo, respiro
e acompanho o
movimento da dor
buscando um
ninho... ancorar!
E todo meu ser
se alvoroçando
para não deixar!
Para cuidar,
fazer curativos,
aceitar a falta
manter os furos
para o sol entrar!
É primavera!
Não quero desistir
só cumprir,
quero vibrar!

Trabalho

             Eu penso sempre sobre o que me motiva a fazer isto e aquilo e, o que motiva as pessoas, nas suas escolhas... Quando um aluno se mostra apático ou resistente ao aprendizado, ficamos nos reunindo, conversando, pesquisando, nos perguntamos sobre o que e como fazer para motivá-lo... Numa destas procuras, encontrei um texto de Luiz Marins, onde ele, falando sobre a motivação, entre outras coisas diz:  Há pessoas que confundem motivação com emoção. Há pessoas que não entendem que, sendo o ser humano um ser racional, a motivação precisa ser encontrada pela razão e assumida com paixão e emoção. Mas a razão é que deve comandar o processo de motivação. É por isso que só pessoas motivadas podem vencer. Elas vencem porque sabem a razão, os porquês, os motivos de sua ação. Li e gostei muito. Partilhei com os colegas. Ninguém, por isto, pode motivar ninguém, a não ser que este alguém esteja predisposto a isto. Concordo que deva ser, a razão, a fonte da motivação. Porque é. Porque quando estamos verdadeiramente motivados, não saímos do prumo, mesmo diante das maiores adversidades. Por isto é que temos pessoas apaixonadas pelo seu trabalho! Não se apaixonam antes; primeiro acreditam, admiram, escolhem e na medida em que vão exercendo, vão se apaixonando, cada vez mais. Por isto perseveram, mesmo contra a maré; mesmo quando tudo dá errado; mesmo quando ninguém acredita; mesmo diante da falta de reconhecimento e valoração. Porque quando tudo, por vezes, está de cabeça para baixo, absolutamente sem sentido,  duro demais, é o trabalho que sustenta, que dá sentido ao continuar vivendo.

Imaginário

Não vi
não percebi
presa ao  perfume
dos incensos e
às urgências da alma...
sei que num de repente
te vi
à vontade
aconchegado
entre meus sonhos
no meu coração,
rindo teu riso cachoeira
me olhando fundo...
Teu olhar me salvou.
Eu estava me
perdendo de mim 
e teu olhar me chamou
e fez um laço!
E ali fiquei, até hoje:
presa ao teu encanto,
num grande e
imaginário abraço.

Teu riso

Teu riso
brilha lá , ali
e mais adiante,
longe.
Mas ecoa
e se abriga
aqui, de instante
em instante
entre as folhas
dançantes, pássaros
e ventos cantantes.

Flor no cabelo


Gosto de usar uma flor no cabelo. Hoje entrei na sala dos alunos que foram meus em 2010, para conversar com a professora. Quando saía, um aluno falou, olho brilhante: “você está usando a flor que eu te dei no ano passado!” Eu disse: “claro! Eu adoro ela”! Surpreendi-me que lembrasse, pois geralmente os meninos não costumam prestar atenção nestas coisas; detalhes... Mas ele me olhava e sorria, feliz com a importância que eu dava ao seu presente. Eu também fiquei feliz por ele ter percebido a flor no meu cabelo! Foi um momento especial, entre outros, na tarde e, eu fiquei pensando sobre a importância destes pequenos gestos de reconhecimento, nas relações. Não só alimentam, eles nutrem.

Feminino...

Andar pelas lojas olhando, escolhendo roupinhas de bebê... imaginar quem vem, quem está sendo gestado ali dentro, neste ninho dentro desta mulher que um dia foi um bebê que estava dentro de mim... é algo extremamente mágico, perturbador. Agora, meu lado mulher como que aprofunda, acessando a esta nova experiência, ser avó. É um sentimento tão grande!  Eu me sinto tão solidária e próxima a todas as outras mulheres do mundo inteiro! Como se a descoberta desta cadeia sem fim de ser ... bisneta, neta, filha, depois mãe, agora avó... aprofundasse a compreensão deste “ser mulher”, de pertencer a este universo feminino maravilhoso! E que me liga a todas minhas ancestrais, chegando lá, naquela que foi a primeira mulher, se é que existiu uma primeira! Mundos, épocas, estilos, gerações, conceitos, vidas, valores, culturas, educação... tão diferentes! Mas a essência feminina presente em tudo que se gesta neste universo... especialmente um filho que cresce no ventre; mexendo e mudando nosso corpo, nossos hormônios, nosso humor e nossos sentimentos, nossa vida. E, o que se sente no momento de parir, amamentar, cuidar e acompanhar em todos os momentos da vida é algo que nos faz cúmplices de um segredo que só partilha, só acessa e compreende uma outra mulher.  Qualquer mulher; tanto aquelas que como eu sonham, desejam e escolhem viver esta experiência, mesmo por vezes não conseguindo, quanto aquelas que não escolhem e são forçadas a viver; como aquelas que deliberadamente escolhem não viver. Está na presença,  na ausência e também na indiferença. Isto é tão bonito e singular quanto as diferentes concepções do que seja  um jardim, sua organização e cultivo. Cada uma cultiva o seu. Como deseja. Como pode. Como consegue...

Realidade

Novamente
silêncio.
Não é novo.
É diferente;
o que vinha de fora
vem de dentro,
agora;
compreendendo
a inútil espera
por uma manhã que
não vai despertar;
já passou a primavera!
Sensação estranha
de ser uma outra
fora dos extremos:
nenhuma e nem outra;
agora no centro;
onde ainda não há nada
só uma sensação de
secura e palidez
o real chegando,
atrasado, mas de vez.

Eucaliptos e gatos

      Domingo. Caminhava, outra vez, à beira da pequena floresta de eucaliptos. Depois de tanta chuva, como se nada houvesse, nem hiatos, nem pesadelos e nem consequências: céu azul, sol luminoso, manhã dourada; concertos em toda parte!  Quero-queros, bem-te-vis, canarinhos, aracuãs... Os jovens eucaliptos exercitavam-se na brisa matinal. Bonito o movimento, a entrega, a flexibilidade. Foi o que me encantou, mais do que o resto, no momento. Eretos, verdes, bonitos, altivos, ágeis e flexíveis. Assim como os gatos. Bonitos, altivos, inteligentes, afetuosos e flexíveis. No meu  trabalho, em educação,  a flexibilidade é indispensável: lemos, escrevemos, falamos; nem sempre conseguimos. Difícil ser flexível; estamos sempre ancorados em algum conceito, idéia, ideal, dogma, regra, meta, objetivo, compromisso, responsabilidade e nem sempre conseguimos flutuar, deslizar, dançar entre os “senões”, variáveis, inesperados, surpresas, demandas, incógnitas, planejamentos, projetos, fatalidades, limites, frustrações, críticas... mas isto acho que acontece com todos e em todos os lados da vida... Observar é muito bom; mas bom mesmo deve ser “o ser flexível”! Flexível para não surtar, enfartar; para não deprimir; não ter dor aqui e nem ali; para não somatizar. Senti uma alegria grande em pensar assim; em conseguir ser flexível para falar, voar, mudar o curso, sem desistir. Para aceitar o convite da vida e aprender a sua dança cotidiana; o ritmo e os passos, ao menos. Sem exigências quanto à performance.

Laço

Uma saudade grande
oprimia o peito
cegava os olhos...
Mas não estava longe
 estava bem ali!
Entre as almofadas,
aconchegado nos
meus sonhos e
minhas memórias,
no meu coração!
O teu olhar!
Este que me salvou
quando estava me
perdendo de mim.
Que me chamou
e fez um laço!
Tão sutil,  suave,
tão fundo que
ficou ali,
além do que percebi.
Mais do que
inspiração
muso  inspirador;
uma oração,
fonte de amor!

Tempo

O tempo passa
sua boca enorme
engole os dias
os feitos
os desfeitos
e o que ficou
apenas no sonho,
ancorado.
Engole e guarda.
É dele.

Acostuma

A gente sempre 
espera mais...
às vezes
só um pouquinho mais.
Difícil esperar pouco
não esperar nada.
A gente espera, sim.
Ainda não defini
o que dói mais:
se o pouco
ou se o nada
que se dá
ou recebe.
A gente espera, sim.
Em algum lugar
é fome, é sede
que nunca sacia...
não pelo excesso
ou compulsão
mas por absoluta
falta e silêncio.
Acostuma,
acomoda
respeita
mas não passa.

chuva













Chuva...
Era doce, cantante,
e em algum momento
fez-se ferida aberta
dor e lamento
despencando das nuvens,
descendo pelos morros
errante, inconsciente;
soluçando pelos rios,
ruas, calçadas; 
chegando como
lágrima fria
que assusta e
acorda a escuridão,
molha o travesseiro,
angustia o peito
repete
arrasta,.
destrói,
desgasta...
enfraquece
(tanto!)
de um lado e,
fortalece outro
quando se cala.
As mãos, então,
despertas,
se encontram
se reconhecem
e, entrelaçadas,
recomeçam,
resgatando o sol.



O que fazer "ó Pátria amada"?


     Senti uma emoção forte, neste 7 de setembro, acompanhando imagens, pela TV, alusivas à data, ao  ver, em Brasília, assistindo aos desfiles, a presidente Dilma. Me emocionou ver uma mulher naquele lugar, usando a faixa presidencial. Eu amo  e me orgulho da minha pátria. Desde pequena. Do que lembro, isto começou na escola, embora não saiba precisar o que foi... mas lembro da emoção diante do Hino Nacional entoado à frente da bandeira subindo pelo mastro e pairando lá no alto, com a imensidão do céu como moldura... lembro do quanto meu coração palpitava forte, durante o desfile e que sempre chorava enquanto desfilava; por sentimentos fortes e presentes ainda hoje; quando acompanho os alunos no desfile simbólico que improvisamos, todos os anos com alunos e pais, nas cercanias da escola. Interessante que eu vejo, nos pequenos, o mesmo olhar encantado diante da bandeira tremulando no alto e, do hino, cantado pelos maiores. E me sinto tão implicada em oportunizar experiências assim, aos alunos! O que fazer pela “pátria amada”? Pelo “gigante pela própria natureza”? O que significa “brava gente, brasileira”? Ter orgulho de uma pátria ainda com tanta injustiça, corrupção, violência, descaso com a infância, saúde, educação e outras condições básicas? Sim! Ainda assim!  Porque, sem deixar o olhar crítico, posso colocar a mão na massa e trabalhar; fazer alguma coisa como tantos fizeram e fazem. Fazer a parte da gente não é dever nem obrigação, é o natural; em qualquer lugar.  O dever já é uma implicação maior, que vem da consciência. A obrigação, infelizmente, só existe por causa da infantilidade. Eu me decepciono com a  arrogância com que se aponta e critica  o outro, grupos, instituições, etc, em qualquer lugar,  mas agora falo do nosso país. Me decepciono com a arrogância e não com a crítica. Algo que eu mesma já tive,  experimentei. Por vezes a gente se coloca num lugar de saber que se torna cego, egóico e opressor. Depois a gente aprende que se não coloca este saber para produzir mudanças, "concretudes" no cotidiano; ele só serve para encher a cabeça de idéias, conceitos, preconceitos, inquietudes, revolta, soberba e solidão. Responsabilidade, ética, honestidade, senso de justiça e de coletividade; a realidade da vida  mostra que se constrói “de pequeno”; observando os adultos e imitando. Seria tão bom se  os adultos tomassem consciência disto! Neste sentido, estou vivenciando uma experiência singular, com os alunos. Todos querem ser o ajudante do dia. Então resolvi escolher o líder da semana. Toda sexta fazemos a eleição (secreta) para a próxima semana. Aqueles que querem ser líder, vão à frente e falam o motivo, por que querem ser líder.  Gente! Que  retrato da realidade!!! Nossa! E com crianças de 7, 8, 9 anos. Nas primeiras vezes, houve até promessa de distribuição de suco e de brigadeiro na hora do lanche! Então fomos conversando... eles vivenciando e observando o quanto é difícil  cumprir promessas feitas sem pensar;  como é fácil criticar quando não se está envolvido, como é preciso pensar antes de prometer ou se comprometer com algo... Agora, é tão bonitinho e emocionante vê-los aprendendo a se articular com a palavra, organizar as idéias, pensando no  grupo e não somente em si mesmos e no prazer de estar num lugar privilegiado. Com o passar do tempo, acrescentei um detalhe, um desafio; que pensassem bem e só se candidatassem aqueles que se sentissem capazes de cumprir, de fazer aquilo que eles mesmos propõe e acham que é bom e que deveria acontecer na nossa sala; porque teriam que ser o exemplo, os primeiros a fazer! Incrível que o número de candidatos diminuiu; aquele frenesi em ser candidato e líder baixou em 50 %. E tem aqueles que sempre se candidatam! É lindo! E o que aparece nos discursos é algo assim: “eu quero ser líder para ajudar a professora”; “para entregar agendas e trabalhos”; “para ajudar os colegas que precisam”; “para ver um jeito de providenciar lanche para aqueles que não trouxeram”, “para falar com a professora sobre coisas que não estão bem na sala”; “para falar com a diretora sobre coisas que a gente quer ou que não estão legais”; “para ajudar a fazer silêncio na sala, na hora de estudar e que precisa”, “para que a nossa sala fique melhor...”. E nem preciso pedir; a cada discurso, todos aplaudem.  Gostam de votar. E acontece também de um candidato nem votar nele mesmo; votar num colega! Eu adoro este movimento e vejo que eles também. Eu acredito que sim, mas mesmo assim me pergunto: será que isto fará  diferença  e ajudará a produzir um outro perfil de brasileiro, de político, de patriota, “ó pátria amada”?






































































Escutas

         Chove. A presidente fala em cadeia nacional. Escuto. Escuto. Escutei o dia inteiro. Tantas e tantas histórias, queixas, dores, problemas, questionamentos, desafios, misérias,  críticas, pedidos, xingamentos também. Mas ouvi  um elogio e vários parabéns pela condição de futura vovó. E escutei flautas andinas! E ganhei um abraço. Houveram momentos em que, ouvindo, me enchi de desesperança por causa da impotência diante dos fatos. Vontade de não estar mais ali, de sair, ir embora, porque não há mais nada que se possa fazer. A cabeça até doeu e o estômago ficou embrulhado. Nas horas da desesperança a gente precisa rapidamente cercar-se de todas as coisas boas, certificar-se de que  nada foi em vão, de que há coisas pelas quais a gente pode ainda lutar, acreditar. Uma coisa boa é estar  perto dos meus alunos; eles ilustravam suas poesias para a Noite da Poesia. Escutar seus barulhos, risos, cochichos é muito bom! Vão falando e os traços e as cores se delineando, junto, ao mesmo tempo, concomitante! Inseparáveis: o pensamento e a ação; o riso e a produção.  E os olhos brilhantes! Eles, a pura poesia  na forma espontânea de falar, de criar hipóteses, de cativar! Uma menina me chamou: “profe, aqui na minha poesia não era “bom”, era “bem”.... Eu digitara errado; talvez não estivesse bem claro no original, não lembrava; mas aos meus olhos, ali, o “bom” ficava melhor do que o “bem”. Mas ela foi insistente, segura do que tinha escrito e do que queria; argumentativa. Bem ao gosto das propostas pedagógicas “formar sujeitos críticos, autônomos, criativos”... Mas é fácil? Difícil. Os sujeitos assim não são cordatos,  quietinhos; não aceitam e não se contentam com “qualquer coisa” E eu voltei ao computador e reescrevi. Orgulhosa dela! Eu poderia exercer poder; argumentar que seria um desperdício de papel; que o “bom” cabia como uma luva naquele contexto...mas seria justo? Não. Não seria. Esta escuta produziu bem estar, uma satisfação interna muito boa. De dever cumprido. E as poesias que ilustravam! Intensas, profundas, sensíveis, espontâneas, como eles. Revitalizante escutá-las no final do dia. E sim! Muitas coisas ainda valem a pena, não são em vão! Estava diante de uma delas.

Labirinto


Amor:
um labirinto
de encontros
e desencontros.
Não temo
o minotauro ilusão, 
impossibilidade, dor.
Temo perder-me de ti
perdendo-me de mim,
das cores, dos sons,
das sutilezas e do calor
que mantém a vida.

Riso


Teu riso
brilha lá , ali
e mais adiante,
longe.
Mas ecoa
e se abriga
aqui, de instante
em instante
entre as folhas
dançantes, pássaros
e ventos cantantes.

Esperar

Tão franco
e tranqüilo
o olhar da
Roxo Charruel
contemplando
meu movimento
esperando, paciente
o alimento.
Olhar felino
inteiro
centrado,
contrastando
com o meu,
longe, desbotado.
Procurando algo
que  se camufla
nos verdes
em céus revoltos
e no mar misterioso...
Não quer ser
encontrado.

Vovó


 De repente, um nó
de felicidade prendeu
a fala, embaçou a visão
me deu asas e
num instante fiquei
gigante, abracei o mundo
pulei de alegria:
vou ser vovó!

Madrugada

          A madrugada chega e aquieta tudo, a chuva ali fora faz rimas e cantorias diferentes em cada canto da casa. Na mesa, trabalhos dos alunos mexem com minha imaginação; muitos zumbis, vampiros, medusas, minotauros e a doce Mona Lisa (pesquisamos sobre “mistérios”)... que momento mais propício para contatar com a quietude e solidão interna... (era importante dormir, mas o sono não vem!) do que estas primeiras horas da madrugada... agora é meu descanso e descansar é fazer, antes de qualquer coisa, isto que é vital: escrever. Atualizar e organizar o que se passa dentro. Deveria dormir, mas é meu prazer! Será que ao meu corpo não basta isto? Será que ele não se refaz  curtindo  isto que a alma aguarda com paciência de Jó; o momento  livre de todo o resto, quando estou comigo mesma e me encontro e mergulho e me deleito com este universo de palavras preenchido de significados? 


Minha foto
2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

Arquivo do blog