Saudade


Espinho agudo
que machuca
insistente
sem trégua
é a saudade
sem voz
e sem horizonte.

Sonho



Visitou meu sono
os lugares mais bonitos
do meu sonho,
conversou comigo
me contou coisas
segredos de sua alma
vestimentas dos seus dias,
partilhou ternura
falou de amor
transformou-se
num olhar intenso e brilhante
abraço abrasivo
palavra doce
e então voou, outra vez
vestido de liberdade
inquieto e curioso
seguindo outro vento
desbravador de tesouros.
Acordei, sossegada e feliz
procurando palavras
para guardar o sonho
e proteger a riqueza
que me confiou, assim
sempre cheio de cuidados
e amor.

Oração


       Vi minha mãe rezando. Foi sem querer. Um sobressalto! Vi e de imediato recuei; vexada por ter visto, por ter adentrado na sua intimidade. Fiquei sensibilizada com a cena. Foi algo diferente e que produziu uma sensação boa; me fez bem.  Tive, naquele exato momento,  certeza e clareza de ser amada e protegida. Singelo e forte: uma mãe cuida, reza, pede, intercede, defende, se importa, se dedica e está ali. Tão bom saber e, de alguma forma, ser palavra numa oração assim... sentir, pelo desejo dela, o abraço protetor e cúmplice de todo o universo.

Arrogância


Observo, surpresa, como ficaram arrogantes e desrespeitosos estes que foram criados com respeito por aqueles que, por sua vez,  foram criados de forma mais autoritária, sem muita escolha e oportunidades de fala e de crítica e tiveram o desejo de não repetir o modelo.

Incondicional?


Incondicional?
Não dou conta
de um todo
deste amor ideal.
Amar por amar
sem nada esperar
é aprendizado
e produz poesia!
Mas amar
sem expressar
produz dor
agonia.

Sem poesia


Chove.
Manhã
escura e fria.
Sem poesia
é só mais um dia.

As chamas...


Observo as chamas... Dizem que as salamandras são as criaturas que habitam o elemento fogo. Eu acredito. Elas são belas! Parecem dançar o tempo todo, por vezes juntas, por vezes cada uma no seu próprio ritmo e distanciadas umas das outras, lançando-se em outras direções... São belas quando queimam sozinhas e belíssimas quando ardem juntas!  De repente eu pensava em coisas do cotidiano, nestas vivências com o outro; estar perto e estar longe, no quanto é bom e no quanto é difícil  estar perto e estar longe. No quanto fazemos coisas boas juntos e ao mesmo tempo, no tanto que nos espinhamos quando juntos. No quanto é bom ficar um pouco só e, ao mesmo tempo como sentimos saudades do outro e desejamos ardentemente estar junto... um exercício grande, maior do que os realizados em qualquer academia! Estar e suportar; não estar e suportar. Assim como as chamas do fogo. Nem sempre juntos, nem sempre separados, sempre nos buscando e sempre nos repelindo, consciente ou inconscientemente, por causa das diferenças, do amor, do desejo e de não saber controlar o ardor do verbo, do gesto, do querer, do egoísmo, do ciúme, da infantilidade e da própria ignorância. Porém, enquanto ardemos, estamos vivos! Por vezes com uma chama baixa, sufocados por algo; mas ainda vibrando, vivos! Por vezes  inconseqüentes, atiçados pelo vento, agindo sem pensar e sem medir; mas vibrando, vivos! Por vezes queimando serenamente, deliciando-nos com o momento; vibrando e vivendo plenamente! E quem ainda não sentiu-se fogo extinto, pura cinza? E de repente reconstituir-se, voltando arder, transformar-se em chama forte, vibrante outra vez?! Porque a essência ainda vibra, ainda quer, ainda tem força, ainda acredita! Enquanto algo arde, dentro da gente, há possibilidade sonhar, plantar, construir, falar, mudar... E, saber que ainda há possibilidade é só o que a gente precisa num determinado momento; mesmo que não aconteça de fato, lá na frente e no real. Serve para reascender a chama e  nos colocar novamente no caminho e, no caminho, tudo pode acontecer... até mesmo nos encantarmos por outra coisa,  vibrar com outras chamas, descobrir outros sóis.

Lida


O dia desperta
as aracuãs fazem festa
a semana, de fato inicia
a Terra gira
sem pressa e
sem preguiça;
no seu tranquinho...
a lida recomeça.
Eu  acordo e me visto
de força e ainda
pego um casaquinho
para me proteger
das expectativas
inevitáveis,
ainda. 

Gorjeios...


Se soubesse mais sobre as aves, poderia nomear um passarinho (acho que ele é pequenino) que canta, aqui perto, na mata e, me encanta! Sei que ele canta muito na primavera e no verão; quando me delicio ouvindo, de manhãzinha ou no entardecer; mas este ano, especialmente, comecei a ouvi-lo ainda no inverno, já há algumas semanas... então não sei se eu é que estou mais atenta e centrada e, por conseguinte, percebendo o que antes não percebia, ou se ele está, de fato,  se antecipando, sinalizando uma primavera precoce, desconsiderando ou desobedecendo a ordem das coisas, ali, no reino deles...  Sei que o seu gorjeio alegre, agora, “fora de época”, produz nostalgia; recordações de  estações passadas...  E, reencontrar com o passado, voltar no tempo, mexe com as entranhas e com a pele. Encontrar com pedaços que não cabem mais neste agora; encontrar com a vida que já passou, mas que ainda está ali, nas lembranças, na energia, nas formas que o tempo cristalizou na memória... Bom para perceber o quanto tudo mudou e, de certa forma, se qualificou; como a vida ficou mais leve com os aprendizados e amadurecimento. Duro perceber as perdas e identificar os momentos em que houve fechamento ao que realmente era importante... Não há o que se possa fazer sobre o que passou a não ser olhar e acarinhar muito o que ficou lá, o que não pode ser diferente e curar feridas, juntar caquinhos...respirar fundo, despedir e retornar ao presente e seguir. Seguir sem mágoa, sem culpa e sem peso, encontrando, aproveitando e valorando os pequenos jeitos de ser feliz, agora. Ser feliz com o que o dia  presenteia e não mais com o que a alma anseia. Agradecer ao passarinho que  canta e encanta, alheio ao que produz seu fazer; importando-se apenas com o prazer de fazer e expressar o seu sentir. 

Manhã de chuva


Gatos sonolentos,
entregues à melancolia
do dia,  em silêncio
contemplativo, evocam
lembranças doces,
cheiros, conversas,
proximidades, saudades
sonhos,  pequenas felicidades
de outras manhãs, assim,
de chuva constante e fria.

Tão pouco


Tão pouco
quase nada...
é só saber
que o amor
está ali e
tudo se apazigua
feito mar tranqüilo,
espelho refletindo
os voos da alma,
a força e a sutileza
dos movimentos,
a profundidade
dos sentimentos.

Reciprocidade

Toda vez,
como agora,
quando os caminhos,
as pontes,
as janelas,
as portas 
estão abertas
e o afeto pode circular,
ir e vir, recíproco
e nos tocar,
ele nos ressignifica!
E tudo se transforma! 
Dissipam-se sombras assustadoras,
o sol aparece,
espantando a chuva insistente
e a vida se mostra
em todo seu esplendor,
plena de sentido!


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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