77 - Não mais...

       Por vezes, vivenciamos uma sequência de momentos verdadeiramente densos, que exigem muita abertura, disponibilidade, paciência, tolerância, compreensão, respeito... numa tentativa de manter o entendimento, a ética, a educação, o clima e a convivência suportável. Em muitas situações como estas, eu pensava, antes, que silenciar, renunciar ao que eu sentia sobre o que acontecia, mesmo que doesse ou fosse duro, era em benefício de algo maior: o consenso, a paz, a harmonia, o bem comum acima do bem individual e em última análise, amor ao próximo. Eu sempre evitei o confronto. Sempre escolhi brigar comigo mesma e viver o inferno interno; do que brigar com o outro e viver o inferno externo. Avaliando o que já passou, acho que em alguns momentos, acertei. Mas, em outros, grandes e inúmeros outros momentos, errei e o que pensava ser compreensão, era covardia ou então infantilidade ou babaquice mesmo! Vejo acontecer com outras pessoas e especialmente comigo, agora, uma crescente indignação e intolerância para com o radicalismo, a arrogância, a grosseria, a falta de respeito, os dogmas, os tabus, o falso moralismo, os preconceitos, o fanatismo, os fechamentos, os julgamentos antecipados e orgulhosos; o apontar deleitosamente o erro ou a fraqueza do outro... o subestimar a compreensão e capacidade do outro; as mesmices, os lugares comuns, a mediocridade, o desdém e menos valia dirigidos a tudo que vem do outro..., todas estas coisas nojentas que estão tanto fora quanto dentro de mim. Vejo meu coração se rasgar neste desejo de crescer e neste momento eu sinto que posso fazer algumas coisas diferentes; posso torcer pelo Grêmio, mesmo sendo colorada; posso ouvir e até mesmo fazer críticas ao Lula, mesmo sendo uma grande e antiga admiradora dele; posso adotar e usar um livro didático com meus alunos, depois de mais de trinta anos resistindo e produzindo meu próprio material pedagógico; posso ouvir e me encantar e aprender com palavras e ensinamentos de líderes, mestres, pessoas de outras religiões e filosofias e escolas; posso aceitar as escolhas singulares dos meus filhos, tão diferentes de mim. Mas ainda é tão pouco e o caminho neste aprendizado tão grande... Descubro que segurança, fora da gente não existe, só existe mesmo dentro da gente, na consciência. Assim como todos os outros sentimentos, nobres ou não. Em algum momento nos deparamos com a consciência e é ali o acerto; é dali que vem o nosso sossego ou a nossa inquietude. Se vale a pena morrer por um sonho, por um desejo, por um ideal, por uma missão, é ali que se decide. Mas isto é pessoal, intransferível. Não dá para impor. Dá para partilhar e conquistar. Aprender a respeitar... antes mesmo de aprender a amar! O respeito antes de tudo. Conversamos sobre isto todos os dias, eu e meus alunos: não precisa amar, porque isto vem do coração e a gente pode até aprender, se desejar. Mas respeitar precisa, é obrigatório! Se não, a gente não vai a nenhum lugar e não ir a lugar nenhum é morrer.

76 – Acordar ou desistir?

Repentina, mas suavemente
acordei na quietude
da madrugada...
Sentei na cama
atenta à voz clara
vinda de dentro...
eu, das entranhas mais
profundas de mim mesma
chamando para dizer:
Acabou!”

Voz clara. Sincera. Amiga.
E senti conforto
depois de tanta
inconstância.
Finalmente
uma certeza:
- Acabou!
O sonho!
No fundo, no fundo,
lá na "raspinha", talvez
algo ainda siga
acreditando,
mas não mais
para mim.
Foi-se o tempo.
Virá o sossego,
a aridez ou
o novo, o real?
Cresci.
(ou desisti?)

75 - Muito gatos!

Olha só!
Chanson Bege, Roxo Charruel e Sig!
Lindos, charmosos!
Coisas do Guilherme!


74 - Olhar

           Duas mensagens, com o título “onde você guarda seus olhos?”; chegaram, hoje, quase que simultaneamente, de amigas de lugares muito distantes um do outro. Numa constatação objetiva, é a globalização, circulação rápida de informações; mas posso pensar de outro modo; posso pensar que duas amigas queridas enviando, ao mesmo tempo, uma mensagem sobre um conteúdo que me fascina e de autoria de um poeta muito próximo do meu coração, é algo bastante simbólico para este meu momento! Não dá para negar certa magia e grande beleza nisto de poder ver um pouquinho mais do que se vê, naquilo que se vê! Sempre há algo que não se viu direito e todos os dias confirmo a descoberta de que nada é exatamente como se vê numa primeira passada dos olhos ou numa primeira impressão ou interpretação. Em se tratando de gente, sempre há um espaço que é o das sutilezas; que é o do intervalo ou da distância entre o que os olhos falam e as palavras confirmam; porque os olhos são sinceros, sempre; mesmo quando não querem! Um dia, experimentando profundo amor, escrevi “eu ficaria sempre com os olhos fechados, olhando pra ti, que está dentro de mim!...” . Não é preciso estar de olhos abertos para ver. Abrir os olhos, por vezes, atrapalha e, por vezes, fechar os olhos é o único jeito de poder olhar e ver. Bom quando a gente pode e consegue olhar e ver com os dois juntos, o olhar de fora e o olhar de dentro. Há alguns anos atrás, trabalhando na construção do conceito de numerais, numa turma de alfabetização, solicitei que os alunos desenhassem cinco objetos. Um dos alunos e somente ele, me trouxe o desenho de um menino. Eu olhei e contendo o impulso de fazer uma observação precoce, senti que devia investigar, porque ele se mostrava tão feliz e seguro com o seu trabalho... “querido, conte para mim quantas coisas você desenhou”... e ele foi contando: “1, 2, 3, 4, 5 ! ...”, (apontando, respectivamente para as duas pernas, os dois braços e a cabeça do menino que desenhara)... eu fiquei muito emocionada e grata pelo aprendizado, que nunca esqueci! De fato, uma das coisas que me mantém encantada no trabalho com os alunos, nestes anos todos, é este constante “aprender a aprender” a olhar, perceber, contemplar e respeitar as diferenças e as singularidades. E, encantada na interação com os outros, quando acontece o encontro de olhares que se acolhem, brilham e se permitem andar e descobrir juntos. Bonito, grande demais quando o olhar do outro nos distingue, nos torna únicos, nos invade com ondas de confiança, ternura, admiração, calor, cura, alegria doce, amor; nos aquecendo sem tocar e produzindo desejo de viver!







73 - Ternura

O coração infla!
Algo o toca de um
jeito único
como “a rosa”
ao “Pequeno Príncipe”.
Ondas de ternura
suavemente
explodem pelo corpo,
estilhaços de alegria
saltam pelos olhos!
Tudo fica muito grande
dentro de um
minúsculo momento!
O início, o fim,
os milênios, a história,
os mistérios, as lutas,
o todo, o tudo,
inexplicavelmente
simplesmente, ali,
contemplados, redimidos
pela ternura.

72 - Quando fica seco...

             Quando tudo fica tão seco, assim, dentro, vêm à lembrança o título de um livro do Wander Piroli: “Os rios morrem de sede”. Talvez pior do que a antecipada desolação diante dos significados e realidades a que nos remete o poético título da obra (só o título já basta!) acho que é a sensação de secura interior, quando, por momentos a gente mergulha no caos e não vê saída de nada e nem para nada; quando a impotência (real ou imaginária ou fantasmagórica) paralisa. Ah! Que delícia quando chove! Às vezes chove demais! Difícil medir e controlar.

71 - "Só um cuidadinho"...

Ouvi pela manhã:
só um cuidadinho e
isto não aconteceria...”.
Concordei.
Quando o dia acaba
e outros dias sucedem
eu me dou conta,
por vezes rápida
outras vezes gradativamente
e com coração partido,
de que muitas atitudes
em muitos momentos me
cegam e impedem o
cuidadinho necessário
e com isto me distancio
e perco coisas singulares
e momentos raros
e desamarro laços
com pessoas que amo,
que enfeitam e encantam
a minha vida!
Observo que
perdas e ganhos significativos
acontecem por um cuidadinho...
que faltou ou que mantivemos.
Pena que este cuidadinho
seja tão subjetivo;
muitas vezes a gente pensa que
está cuidando e está invadindo;
outras vezes está sufocando;
por vezes não é o que o outro precisa...

70 - O sonho sempre é maior

             Um dia descobri que o sonho, o ideal, é sempre maior do que a gente. Foi no dia que “aterrissei”. Quando as “pernas se quebraram” e os “véus caíram por terra”. O sonho não é para viver. É para perseguir. Para animar. Para produzir alento. Para fomentar, atiçar as chamas do fazer, do batalhar, do trabalhar, do buscar, do criar, da paixão pelo viver; superar, não esmorecer! O sonho está sempre lá. A gente fracassa, pena, sofre, se decepciona; mas o sonho está sempre lá, sinalizando, acenando, seduzindo, fazendo promessas; renascendo das cinzas a cada vez que é supostamente aniquilado, morto. O sonho, depois que entranhado em alguma parte do corpo que ainda não localizei (se é na mente, no coração, nos olhos, na alma, em todo corpo, na pele, no sangue ou nas células...) não sai mais, tipo mancha de tinta numa roupa. O sonho sempre é bonito. . todo mundo sonha em ser feliz, fazer algo bom, sair de uma situação péssima... E quando a gente sonha, faz cara de feliz! Por vezes abobada! Meus filhos dizem que sabem quando estou sonhando, fico com cara de quem está fazendo um “clipe”! Ninguém sonha e faz cara feia (o máximo que pode acontecer é um choro, mas de emoção!); ninguém sonha que vai matar alguém, esganar, machucar... isto é planejar, arquitetar. Quem arquiteta e “conspira contra”, não fica com o olho brilhante, só se for o brilho da loucura, do desvario. A conspiração, positiva ou negativa, se busca; é voluntária. A imaginação também. O sonho não; o sonho vem! A gente entra nele, involuntariamente, por uma palavra que toca; por uma idéia que nos conquista e convence; por um olhar que nos captura; por uma migalha de afeto; por uma lembrança que nos toma; por um friozinho que passa; por uma música que nos arrebata; por uma realidade que nos mobiliza; por uma demanda que chega; por uma injustiça que nos incomoda; por uma falta que nos angustia... mas realmente é muito difícil chegar lá... é sempre mais um pouco; sempre está faltando algo, faltando um pouco... é uma luta! Enquanto é luta, é bom. Quando se torna uma viseira, é pena. E há sonhos e sonhos... é um universo ilimitado e interessantíssimo investigar, especialmente os nossos! O que me lembra a lenda da vitória régia; quando uma índia se apaixonou pela lua e vendo seu reflexo na água, jogou-se para cair nos seus braços... “Cega pelo seu sonho, lançou-se ao fundo e se afogou. A lua, compadecida, resolveu transformá-la em uma estrela diferente de todas aquelas que brilham no céu. Transformou-a então numa "Estrela das Águas", única e perfeita, que é a planta vitória-régia, cujas flores perfumadas e brancas só abrem à noite e, ao nascer do sol ficam rosadas...”. Era um sonho! A lua não estava lá, de fato. Acordar é sempre morrer. Morrer é aterrissar, dar-se conta do que de fato é. Mas assim como aconteceu com a índia da lenda (que eu acho belíssima!) algo daquilo que é sonhado, de alguma forma se materializa. Por vezes, o sonho de um, viabiliza o sonho do outro, uma melhoria para a realidade do outro que está ao lado ou que vem depois. Assim que muitos dos sonhos dos que nos antecederam, hoje aproveitamos como “flores” importantes, realidades palpáveis que facilitam a vida! Quem dera possamos, agora, sonhar necessárias e belas concretizações para amanhã... Por vezes não somos capazes de fazer, muito limitados ainda, mas se podemos sonhar, quem sabe...

69 - Um canto é como se fosse um abraço

Tão bom ter um lugar.
Pertencer a algo
algo que envolva
acolha
sem tempo
nem hora
sem condições
reservas, cobranças.
Um canto
num abraço,
num colo
quentinho
e vibrante.
Um canto
num coração
num pensamento
que palpita,
que se importa
que arde.
Um canto
num lugar
onde se possa estar
e ficar, desarmar
entre coisas preciosas:
lembranças,
saudades,
um chá cheiroso
os livros,
os bombons
a música
o sol ou a lua
a inspiração
e a quietude
para olhar
sentir e escrever.







68 - Algo que permanece...

        O perfume do incenso rapidamente  acordou lembranças e então percebi outros sinais especiais ali, presentes, sutis, bonitos, fortes: a quietude da noite, o friozinho recém chegado e nós ali (nem todos), outra vez e  fora da rotina das quintas- feiras...  O riso, o carinho; uma cumplicidade antiga sobrepondo-se às diferenças e ao tempo que desgasta; um desejo comum de bemfazer”. Os mantrans suaves ecoando fora, dentro... pulsando com o coração! - “... este cheiro, este ambiente “é de nós, de um tempo atrás”...” - falei.  - “É mofo!...” – riu o apertador de parafusos! Não é mofo! Apesar do tempo e dos sinais do tempo nos nossos corações e em nossas fisionomias, ainda é bom! Ainda produz efeito! Ainda é muito bom estar junto partilhando energia, fortalecendo algo do bem” dentro da gente; gerando alegria e o conforto de que apesar de sermos sós,  não estamos sós!  Em alguma coisa, em algum momento nós nos tocamos e somos juntos. É minha leitura e ela nutre. 

67 - Ressurreição

  
          O que acontece com nosso corpo, este instrumento tão bonito e perfeito, capaz de tantas coisas e, que, apesar de tudo isto, adoece? Fragilidade esta que aparece através de sintomas, sutilezas, marcas, atitudes... o corpo falando e reagindo aos nossos comandos e decisões nem sempre acertadas; expressando o quanto está sendo maltratado, judiado, desconsiderado, ignorado nas suas necessidades e desejos. Excessos, extravagâncias, descuidos, infantilidades, falta de amor... o que fere mais? É a nossa mente descontrolada e imatura, alternando realidade e fantasia, preocupações, “imaginações comprovadas ou não”, alegria, tristeza, euforia e nostalgia? Ou é o coração que se abate com os baques inesperados, frustrações, perdas, “tapetes puxados”? Ou é o físico, quando este corpo não consome ou não recebe o que precisa, num completo abandono, rejeição e desatenção? O corpo fala, suplica, pede, até grita! Mas a gente escuta? A gente escuta o coração, escuta a alma? Parece que preferimos receitas; o que os outros dizem, o que outros disseram. Andar, cuidar e curar pelas beiradas, evitando e distanciando do ponto certo, a ponto de não ter mais o controle de nada, impotentes. Entregues ao lamento, às queixas, autopiedade. As vezes, quando a gente “se acorda para isto”, já está com um problema “instalado”, do qual é difícil libertar. Falar de ressurreição, de vida nova, de fazer passagens, viver a Páscoa e tal, é fácil. E de tudo que a gente quer de bom, também! Batalhar por isto, já é outra história! É preciso muita força e perseverança para abrir a porta do nosso sepulcro interno e sair, livres da rotina mecânica, da dor, da autopiedade, das amarras, do marasmo; em direção à luz, ao sol da nossa verdade e singularidade! Primeiro, talvez, a gente tenha que descobrir que é singular.

66 - Doadora

      Pequena, ligeira, ficando um pouco encurvada. Limpa e organizada, no corpo, na casa, nos contextos por onde anda. Um olhar de tudo e de nada, que parece ir somente até ali... prisioneiro do hábito, da rotina, do eterno fazer... Mas tinha sonhos e desejos grandes. Como queria tê-los realizado! Como tudo teria sido diferente se a vida tivesse tomado outros caminhos, se tivesse feito escolhas diferentes, se pudesse ter escolhido diferente. Contida pela condição da submissão. Queria, podia e tinha condições de ser mais, mas ficou com a inteligência abafada, a fala reprimida e revestida de mágoa. Revela bom gosto, elegância e uma intuição à flor da pele. Quando caminha, os braços inclinam-se pra trás; mas segue em frente, não importa o quê; amparada pela fé inabalável, desafiando-se diante da insegurança, dos limites que por vezes se agigantam e paralizam; um olhar fixo num horizonte só seu. Sozinha, solidária. Mãe. Doadora.



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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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