Olhar novo

  Maria Margot
   Quando o dia amanhece, vejo que tudo está absolutamente no mesmo lugar e a vida esperando que eu a continue escrevendo de 0nde parei antes de dormir. Há um roteiro pronto. Personagens definidos. Cenário construído. Tudo para continuar a mesma história. Repetitivas cenas, previsíveis ou aborrecidos diálogos ou ausência deles. Conhecidas delícias, momentos de grande clímax! Mesmos sonhos. Mesmos fantasmas. Mesmas limitações. Um roteiro desgastado, mas que se impõe e persevera. Porém... ah! Porém, (adorável conjunção adversativa!) é perfeitamente possível que eu abra meus olhos, veja que tudo está absolutamente no mesmo lugar e a vida esperando que eu a continue escrevendo de 0nde parei antes de dormir e... posicione meu corpo de outra forma, olhe para o dia como se fosse a primeira vez e escreva um roteiro diferente; redescobrindo a escrita e o encanto de viver este primeiro dia!

Recital I


Lindo momento.
Antes,
o silêncio
da espera
pulsando descompassado
na inquietude do riso e
dentro do livro fechado.
De repente
o coração sai
pela boca
vestido de palavras
jorrando trôpegas,
primeiro.
Depois atentas
em si mesmas,
mostrando-se:
organizando
corpo,
ideia
tom
emoção...
Delícia brincar
com as palavras!
Livro aberto
palavras soltas
coração aliviado
platéia encantada:
silêncio... do deleite!
Mergulho nas sutilezas.
Jogo sério
este, da poesia!

Intimidade

No interior
da mata
uma  invasão
de raios
de sol
apaixonados.
Doce intimidade
na manhã
silenciosa.


Mãe gentil, filhos nem tanto

Cantávamos o Hino Nacional. Todos em cima do palco, porque o quintal estava úmido, chovera na noite anterior. Interessante que todos se perfilam diante do Hino. Ele mexe! Emociona! Perturba. Os pequeninos da Educação Infantil ficam com aqueles olhinhos brilhantes e curiosos olhando para lá e para cá, atentos aos movimentos dos maiores e ao som desta melodia que eles intuem, certamente, ser algo especial, pois também ficam ali, quietinhos... meus olhos procuraram minha netinha, mas uma professora, depois, disse que ela ficara em sala de aula, “trabalhando”. Lamentei. Teria gostado de observá-la nesta sua primeira semana da Pátria na escola! Mas temos a semana inteira, ainda! E os verdes estavam mais verdes! O azul do céu, reflexivo. O “fícus” gigante, sentado no meio do quintal, abrigava uma passarada festiva. Foi bonito demais o coro que fizeram, entoando,  conosco, o hino. Não sei se só eu percebo isto. Toda vez que há um evento, a natureza participa; se enfeita e interage. “Entre outras mil, és tu, Brasil, oh! Pátria amada!” Falar da Pátria é como falar de pai e mãe. De sentimentos desencontrados. No mínimo, polêmicos. As experiências, reflexões, interesses, percepções e conclusões, são bastante singulares. Pátria amada, uma grande mãe, a quem os filhos demandam e disputam o tempo todo; bastante egoístas, revivendo incansavelmente Caim e Abel. E a quem ela se entrega, doadora, amorosa. Será que um dia, estas coisas de ciúme, inveja, arrogância, ódio, divisões e disputas entre “irmãos” terão solução e, finalmente, um fim de paz e justiça? Dentro e fora? Entre os lobos e os cordeiros? E os filhos desta “mãe gentil”, também gentis? “Brava gente, brasileira”. Amo.

Setembro

Setembro chegou e descubro, no meu jardim arisco, cheiros e cores fazendo anúncio da Primavera, que vem lá adiante. Ela nunca chega de repente. Sempre se faz anunciar, esta querida!
Hoje encontrei com a laranjeira assim, cheinha de flores delicadas e branquinhas; lá no alto do morro, escondida entre as bananeiras, ameixeira e outras árvores nativas. Linda e cheirosa! Como fotógrafa (recém entrando na pré-escola!), sei que não capturo e nem valoro toda a sua beleza, não tenho intimidade com a máquina e nem jeito; mas com meus olhos e minha alma, sim! E tento com as palavras! 
Ato contínuo, então com os “olhos mais abertos”, vi as orquídeas silvestres! Nossa! Não tinha percebido que já estavam florescendo! E junto com o frio!  E então vi a quantidade de “beijinhos”, no morro e em tantos cantinhos, estes dadivosos!
E o cipó de São João, cobrindo os verdes das árvores como se fosse um véu. Um véu laranja... ou poderia ser uma cascata laranja?!!!
E perto do lago, os antúrios! Majestosos! Isto despertou, em mim, um intenso sentimento de gratidão por todas estas belezas ali, como braços estendidos para um abraço, embelezando meu horizonte próximo com estes agrados singelos e silenciosos! E eu pensei: o que dou para elas, em troca de tanto? Quisera dar todos os dias, o meu olhar; espontâneo, intenso, inteiro e incondicional, como o delas.



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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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