Eco do Avencal



A vida, o dia, a hora, o planeta... é tudo redondinho! Aqui e ali a gente reencontra um rosto, uma conversa, uma história; “um algo lá de trás”, que surpreende! Tudo e todos, um dia, voltam a se encontrar... “assim ou assado”!
Que surpresa boa! Que alegria acompanhar os alunos, curiosos de saber, numa visitação ao ECO  DO  AVENCAL, em Porto Belo - SC, na semana que passou e encontrar lá, o professor Amilton; professor cheio de curiosidades e encantamento pelo saber e pelo “ensinar”! Ele não foi meu professor, pena!!!! Mas dos meus filhos! Que guardam dele profundas e boas lembranças, e eu também, por “tabela”! E isto já faz um tempo...
Fiquei observando, cheia de admiração, sua maestria na lidança com os alunos; com o prazer de viver e ensinar; com o contexto, com o conteúdo e com a alegria; com as questões sociais, ambientais e de interação respeitosa com o outro diferente; seja ele outra pessoa, um animal, um vegetal... lindo! Profundamente generoso e integrador. E, nos entremeios, de quebra, de brinde e por acréscimo; “alunos, valorizem a vida de vocês”! “Alunos, pensem“... “Alunos, não esqueçam das palavrinhas mágicas: “desculpe”, “por favor”, “com licença”, “obrigado”... Demonstrando que conhecimento é algo vivo, palpitante e não morto, enterrado nos livros, nas apostilas! E que deve produzir sabedoria e não arrogância! Que um professor, é aquele que professa e isto é algo muito sério! Por isto, ele sempre é educador!
     Maravilhoso é encontrar e visitar estas pessoas e lugares! Tudo ressignifica! Mas, além disto; mais profundo e especial, são os significantes que se instalam e nos remetem à reflexões; nos fazem pensar... Isto é a prova do quanto são bons!!!


Formatura





E ontem foi a formatura do Leo! Conclusão do Ensino Médio. E eu gostei do telefonema anterior: “tia, quero que você vá na minha formatura”, na sexta! Eu queria! No caminho, a pequena Margot, junto, perguntou, com aquele olhar curioso e encantador das crianças e criaturas desejantes: 
        - “Vovó, o que é formatura”?
        - Uma coisa bem linda! Você vai ver! – respondi. 
        E foi! Muito bonito! Cheio de significâncias, detalhes... e adoro detalhes! Olhar pra eles, fazer leituras de borda. Especificamente, comecei minha leitura pelo longo trajeto  compreendido entre a entrada do portão e entrada do salão: uma escadaria! Lembrando caminho, subida, elevação... Caminho árduo, portanto! Junto à porta principal, cheia de luzes e brilhos delicados, havia uma árvore estilizada; que eu interpretei como sendo uma árvore de Natal. Nela, pendurados, cartões! Curiosa, abri um e ah! Fui abrindo outro e mais outro... Continham traçados, caligrafias singulares, que produziram grande surpresa e emoção em mim... Eram pequenas frases! Grandes desejos que pulsavam nas minhas mãos, diante dos meus olhos, do tipo: “ Quero ser feliz”... “Trabalhar, casar com a mulher que eu amo, ter filhos”... “Quero passar no vestibular, no curso que eu quero e me formar”... “Estudar, trabalhar, cuidar e curtir a vida”... “Viver com saúde, estar com os  amigos, trabalhar, ser feliz”... “ Quero me formar, ter uma vida legal fazendo o que gosto e com quem eu gosto”... Evidentemente não pude ler todos. Eram muitos e a curiosidade da netinha era grande para entrar;  ver o que havia lá “dentro desta formatura”... Eu já estava me deleitando muito, desvelando aquelas essências! Gosto de colocar a aparência a serviço da essência! Considerei a montagem da árvore, um trabalho de grande sensibilidade! 
O clima era de festa, alegria claro! E teve tudo o que é de praxe nas cerimônias de formatura: beleza, esmero no traje, no cabelo, na maquiagem, nos acessórios, no caminhar! Entrega de certificados; discursos e homenagens! E menções, prêmios aos alunos destaques; o que me deprime, sempre. Acho que o momento de formatura é de todos! Os “louros individuais” poderiam ser entregues em outro momento. Porém, eu me esforço, quando isto acontece, para entender o contexto de cada instituição. E coloquei foco na essência: era a formatura do Leo, sobrinho querido, singular e talentoso! E, para completar minha alegria, ali também estavam alguns ex-alunos! Rapazes e moças que conheci pequeninos; acompanhei durante um bom tempo e quando chegou a época, alfabetizei, lá no Quintal! Tão diferentes, agora; crescidos, elegantes!
Observei cada um que era chamado para receber seu certificado... Todos com aquele passo entre firme e titubeante; que, desafiador e confiante,  quer e vai em frente... mas que ainda, por vezes, hesita... necessita de um olhar e de uma mão que assegure: “Vai! Estou contigo”! Naquele momento, como em tantos outros, que atualizaram na memória, eu senti e imaginei que os professores, ali presentes, também sentiam: orgulho de ser professor! 
Os jovens formandos não se comportaram como meros expectadores! Cada vez mais eu via as aparências embelezando as essências! Eles participaram; vibrando, falando, cantando; mostrando talentos e sonhos... muito, muito além dos necessários para passar num vestibular! E de sonhos foi o que mais se falou ali. Especialmente um velhinho; um personagem maravilhoso que entrou de mansinho, de repente e, diante da silenciosa e pulsante platéia, falou sobre SONHOS!  De tê-los bem claro! De exaltá-los! De perseguí-los! De cultivá-los! De protegê-los! De não abandoná-los! E caso isto aconteça: de resgatá-los!
        Impossível, para mim,  encontrar com esta palavra: FORMATURA e não lembrar do meu pai! Ela provocava grande comoção nele; especialmente porque lhe recordava  uma melodia... “A formatura... é linda esta música”, ele sempre dizia, cantarolando-a. Nós ríamos, porque não a conhecíamos e porque, quando falava dos seus sentimentos, o pai exagerava nos gestos, no tom de voz; teatralizava!  Aos poucos, na lidança com os próprios sentimentos, aprendi que não é fácil encará-los e compreendi porque o pai precisava de um “traguinho”, ou então brincar, para expressar o que sentia. A partir disto, passei a “ler” de outra forma, o meu "velhinho". Quando, um dia, a curiosidade foi grande demais, procurei por esta melodia e, encontrando-a, entendi o olhar lacrimejante do meu pai, sempre que a ela se referia. E eu também chorei! Piegas, mas real. Uma canção que fala do esforço e da alegria de uma mãe, abandonada pelo companheiro, para criar e “formar” seu filho; que, finalmente,  recebia seu diploma de médico!
        Ah! Com este significante, olho para elas, as formaturas, sempre com o olhar marejado! Não me canso, não sinto fastio. Eu curto! Curti as “minhas formaturas”, todas: do ginásio, do magistério e da faculdade! Naquela época, os aparatos externos não eram tão apelativos; era tudo mais comedido e, de acordo com meu olhar e entendimento, focado na essência. Mas a emoção de vencer uma etapa; de chegar ao fim de um ciclo, de uma caminhada; de “chegar lá”... acredito que seja a mesma; independe dos aparatos. É bom demais! É prazeroso! Motivo de orgulho!  Para todos!
         No decorrer da vida, no encontro e na lidança com escola, eu me deparei com aqueles que viveram intensamente esta culminância em cada fechamento de ciclo, até a chegada do tão esperado diploma universitário. Vibrei com eles! E também com outros, que optaram por não querer e não participar desta festa. Vibrei com eles, também! Cada um escolheu de acordo com o seu momento. Considero isto especial. Aprendizado. Escolher é fundamental!  Isto é bem diferente de não poder ou de não ter opção; como muitos! Estudar porque todo mundo estuda; ir pra faculdade porque todo mundo vai; ir pra formatura porque todo mundo vai... estudar para passar num vestibular... não! Estudar é um prazer! Para tudo há um momento e um por quê. Alguém vive sem estudar? Sem aprender, neste cotidiano tão desafiador, cheio de demandas? E só existe este caminho para estudar: o da escola? Diplomas não garantem sucesso, felicidade, êxito e nem um emprego; todos sabem e pesquisas recentes confirmam. Exemplos disto também não faltam. Mas ajudam, facilitam algumas coisas. É um caminho... um bom caminho! Acredito que possa melhorar! Eu gosto dele! Gosto da escola! Na verdade, adoro! 
E, a bem desta verdade, é preciso distinguir as coisas: oferecer, garantir o acesso de todos, ao estudo de qualidade,  interessante, cativante; do Infantil ao Superior, é uma coisa! É (ou deveria ser) dever do estado, da sociedade, da escola, da família... Porém, a escolha do sujeito e\ou sua adaptação a esta sequência, é outra coisa! Nem todos se adequam. Quais as alternativas para estes? Organizar a sociedade, o mercado,  para acolher os profissionais que se formam; é algo também muito sério e que precisa andar concomitante. 
Há tanta coisa envolvida, misturada, nisto: muito ideal; muita coisa boa e muita coisa desnecessária, ultrapassada;  coisas belas e coisas inúteis; promissoras e injustas, construtivas e desafiadoras... Sim, há muito para estudar, refletir, amadurecer, avançar, conquistar, transformar em relação a isto!
Por ora, sem perder o foco no que é justo e necessário, vamos curtindo este presente e os belos momentos com que nos presenteia! Parabéns por ontem, queridos alunos! Parabéns por ontem, Leo!!!! Acalentem vocês e acalentemos nós todos, o que nos foi recomendado: não esqueçamos dos nossos sonhos! Nenhum dia!
Voltando para casa, perguntei à pequena:
- E então querida, gostou da formatura do Leo?
- Gostei, vovó!!!!
- Agora já sabe o que é uma formatura?
- Sei, vó! É uma porção de gente sentada!!!!

            

A dor de ser só


Vi teu olhar assustado
tua angústia,
tua dor,
teu desejo de sair,
reencontrar o teu lugar!
Pegar tuas coisas,
teus medos
tuas verdades,                                                           
tuas asas,
tua vida
e ir embora dali...
avivar o corpo
que crescia em limitações...
Mas não pude fazer nada.
só olhar.
Não havia o que dizer
o que fazer. Só esperar.
Ambos prisioneiros
em nosso momento,
em nossas teias
fragilidades
impotências...
Próximos,
envolvidos de benquerer,
mas sós.
Talvez te bastasse
me ver,
estar ali,
segurando tua mão
como tantas outras vezes.
Achei que sim.
Fechaste os olhos
e, enfim, dormiste.
Minha mão ficou ali,
te acompanhando
num voo inquieto...
Até que encontraste
algo repousante,
acolhedor;
um oásis talvez...
Relaxaste!
Soltaste minha mão.
E, um tempo depois,
partiste! De vez e só.
Meu olhar te encontrou
na brisa suave
da tarde que
também morria
e minha mão te acompanhou
num aceno
até que te diluíste nos
azuis do horizonte,
leve, livre... finalmente!
Finalmente, tu!
E rindo teu riso maroto!
Certamente,  fazendo graça,
com teu vocabulário singular
olhar curioso,
ávido de detalhes e sutilezas;
a respeito de novas
mãesagens...
E eu fui encontrar
com minha solitude
e com estes mistérios
que me rondam...
ora inquietam
e extasiam;
ora singularizam e
ora entrelaçam
afetos, vida e morte;
metáforas e realidade...
Tchau, pai!

O melhor professor


Das árvores,
as folhas soltam-se
ao sabor
do vento,
da chuva
das estações
e do seu tempo...
Entregues e preguiçosas,
acumulam-se,
na calçada,
ao longo do meio-fio,
na rua...
        Durante muitos anos, onde estivesse, meu pai celebrava um ritual com estas folhas que envelhecidas, precocemente ou não, perambulavam pelo chão, pisoteadas, ignoradas, rejeitadas. Todos os dias, ele, a vassoura, as folhas e o que mais estivesse ali jogado. Um encontro firmado, juramentado;  fizesse chuva; fizesse sol.
        Quando possível, eu gostava de observar e acompanhar este fazer matinal, meticuloso e teimoso do meu pai. Ele exagerava: varria também a rua e muitas vezes, extrapolava o seu espaço e varria os espaços dos vizinhos, por puro prazer! Mas era demais para suas condições físicas. No entanto, os exageros sempre foram sua marca registrada; seu charme e seu prejuízo. Isto não teve jeito.
        Ele varria e classificava; organizando montinhos: folhas, pauzinhos e outros descartáveis encontrados; encaminhando cada qual para um destino.
        Eu pensava e ainda conjeturo sobre o que mais o meu pai varria, ali? Lembranças? Culpas? Saudades? Excessos? Sonhos? Esquecimentos? Amores? O tempo?
        Não varria com raiva, nem com pressa, nem de qualquer jeito. Varria com zelo, com carinho, com capricho. Muitas vezes, depois de tudo limpinho, lá vinham deslizando outras e mais outras folhas e ele, pacientemente, como numa dança, esticava a vassoura e puxava uma a uma... até combinar uma trégua! Não era como se desprezasse, juntasse lixo. Nem que isto o aborrecesse! Era como se acolhesse, protegesse aquelas sobras, aqueles descartáveis... destinando a eles um último olhar, um último cuidado. Era um trabalho bem feito. De entrega, doação e interação funda; como outros que fazia. Era bonito olhar! Assim como sempre foi apaixonante observar minha mãe passando roupa... uma arte!
        Nestes últimos dias, em que o pai esteve doente, as folhas se acumularam sobre a calçada, sobre o meio-fio e  sobre a rua, num claro lamento. E quando, ele definitivamente decidiu ir embora; levar seu olhar sutil e riso maroto para curiosar outras mãesagens por aí; eu decidi varrer, sentindo-me guardiã deste seu fazer. E foi tão bom! Mas, com certeza, preciso de treino cotidiano.
        Num destes momentos de treino matinal, uma senhora passou e perguntou-me:
        - Bom dia! Tem notícias do seu “Schimite”, o velhinho que estava sempre varrendo esta calçada... soube que está doente...
        - Bom dia! Ah! Ele faleceu, senhora! – respondi, a emoção subindo para os olhos.
        - Puxa! Que pena! Mas Deus sabe o que faz.... – consolou ela, mostrando-se bem despachada e, emendou, curiosa: - E a senhora, trabalha aqui? Quem é?
        Ah! Minha memória funcionou rapidinho! E atualizou, num de repente,  momentos e situações em que ouvimos, eu e meus irmãos, a mesma pergunta, durante longos anos, num passado nem tão longe assim e para a qual tínhamos uma mesma resposta, cheia de significantes e orgulho: - “Sou filha do Schmitz, lá do Samrsla”  ou “Sou filha do Schmitz, lá da Casa dos Retalhos” (lugares onde o pai trabalhava). Éramos, nós quatro, reconhecidos no reconhecimento da figura, das qualidades e responsabilidades do nosso pai. Era bom demais!!!
        Curti fortemente a lembrança; mas o momento era outro. Respirei e falei:
        - Sou a filha dele, do velhinho, do Ximitão! Estou aqui aprendendo  como se varre bem uma calçada, agora que ele não está mais por aqui!
        Ela me olhou um pouco surpresa e seguiu seu caminho, sem saber o que dizer ou sem querer dizer alguma coisa. 
        E eu quase pude ouvir o riso debochado do meu pai e a frase que enjoamos de tanto ouví-lo repetir, sempre que acontecia algo assim: meio sem jeito, meio sem graça, meio errado, meio chato, meio “mico” com ele ou com algum de nós: -“ Não se preocupem, isto acontece nas melhores, nas piores e nas médias famílias...”! 
            Apesar do pouco treino, dizem que estou varrendo bem. Bah! É que tive o melhor professor!



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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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