50 - Lua cheia

Era uma lua linda
a que veio
espiar e flagrar
o coração distraído.

49 – Rosa que já foi

De repente entrou pela janela
junto com a brisa,
na tarde ensolarada,
agitando suavemente
cortinas e lembranças
liberando ternura
em quantidade,
uma cor...
o rosa bebê
o rosa pink
o rosa da rosa
o sonho cor de rosa
da vida num mar de rosas!
E reclamou
de mansinho, espaço.
Um espaço que já foi grande,
depois recolhido e bem guardado
no baú das ilusões doces.
Bom abrir o baú
e olhar para as
fotos dos sonhos
que um dia fizeram parte
e aqueceram a vida.
Tiveram sua importância.

48 - O homem do passo certo

          O passo era certo, todos os dias, no sol ou na chuva. Ia sempre pelo mesmo trajeto, não arriscava caminhos desconhecidos, calçadas novas, parques coloridos, avenidas com jardins atraentes. Tinha um olhar apertadinho, penetrante, que capturava tudo ao seu redor. Mas o tudo era sob a sua ótica, sempre 8 ou 80. Não havia meio termo. Nem para ele, nem para os outros. Ou era uma santa ou era uma vagabunda. Ou gorda ou magra. Ou um bom homem ou um ladrão. Ou esperto ou “tabacudo”. Ou tomava todas ou não tomava nenhuma. Ou gostava muito e para sempre ou logo lhe “saíam das caixas”... Não perdoava um deslize, um erro, um gesto mal interpretado; cultivava os desafetos e as mágoas com precioso cuidado e deleite. Não maquinava vinganças, mas mantinha bem atualizados os rancores; expondo-os como troféus. Assim com o mundo, assim consigo próprio. Nunca uma surpresa. Nunca uma possibilidade do novo ou da mudança. Meticuloso. Controlado. Contido. E tinha o passo sempre certo. E apontava como ninguém, o passo errado, descompassado dos outros; lá do alto da sua superioridade. Um dia descobriu-se que era apenas um garoto assustado, com medo do mundo. Mas ninguém teve coragem de contar a ele.

47 - Muito mais do que decodificar...

             Levei um texto simples para a aula de Língua Portuguesa, escrito por uma criança de 10 anos, de outro estado. Isto fez com que entrássemos, sem que eu houvesse planejado para aquele momento, na questão do sentido das palavras e o contexto. Três palavras, embora não estivessem presentes no texto, surgiram enquanto conversávamos sobre o mesmo: “elegante”, “pobre” e “simples”. As crianças são demais! Inteligentes, observadoras, espontâneas e quando questionei sobre o significado de cada uma destas palavras, logo perceberam, na medida em que as opiniões eram externadas, que existem interpretações diferentes para cada um delas; isto de acordo com o que cada um pensa e de acordo com o contexto. Aprofundamos, então, o fato de que ser alfabetizado é muito mais do que simplesmente decodificar sinais; é compreender o que se lê; perceber as sutilezas nas palavras, apropriar-se dos vários significados; tornar-se letrado. De um outro ponto, observo a semelhança com o que acontece nas relações interpessoais. Fiquei um pouco preocupada com meu filho que foi estudar num país longínquo, de língua estranha. Só um pouco porque a comunicação entre as pessoas anda por outros caminhos. A língua falada é só um detalhe. Falamos a mesma língua com muitas pessoas e não nos entendemos. Cada um compreende, interpreta de acordo com seu conteúdo, experiências, o que provoca muitas tempestades, estragos e distanciamentos. A generosidade anda muito distante e o medo, a indiferença e a língua afiada, muito presentes. Compreensão parece que se torna, no entendimento comum, sinônimo de desleixo e permissividade e a questão a ser aprendida é a de que é preciso desconfiar, estar sempre com um “pé atrás” em relação ao outro. Aprofundo, então, o fato de que ter uma boa comunicação com as pessoas, é muito mais do que simplesmente, falar a mesma língua ou escutar e decodificar sua fala; é perceber as sutilezas do que é falado, escutar o que não é falado, tornar-se bom ouvinte e, na maioria dos casos, estar bem antenado e escolher palavras com cuidado.

46 - "Silentium" (3)

Fechar os olhos
respirar
relaxar
aquietar
mente
corpo
coração
somente
ser
e
estar
muito
além
de
qualquer
lugar
bem
aqui
nesta
conexão
entre
eu
e
eu
mesma
talvez
a
harmonia
possível
entre
as
tantas
sonhadas
e
que
resultaram
em
quimeras.
Meras.

45 - Encanto em tempos

O tempo nos vários tempos
convoca e eu me divido
entre meus lados
converso, rio, erro
penso e repenso, sinto,
avanço, paro, volto,
me alimento, cuido da vida,
me dedico este tempo:
observar o que acontece...
E me surpreendo e encanto com
esta rotina que reflete
e mistura o que é
e o que gostaria que fosse.
Sutil e belo, me encanta
repetida e fortemente
o que se esconde nos
azuis, nas águas, nos sons,
nos misteriosos verdes!
E me encanto... tanto (!)
com os filhos,
que vieram de mim
a mim, numa gestação
de ternura sem fim !
Me encanto com as gentes
que encontro, reencontro,
que me põem a pensar...
E me encanto sempre
com o amor que brota
lá no fundo,
simplesmente,
vivificante,
inundando tudo
motivando as respirações
fonte,
semente,
arco-íris,
abrigo
meu presente!

44 – Mundos dentro de outros e outros mundos...

         João tem sempre atualizado os registros da nossa infância, o cotidiano na casa, as lidanças com o pai e a mãe e as diferenças extremadas entre os dois; nossas ”viagens” de férias, no fusca, para o litoral; as diferenças na nossa criação e no trato: os guris de um jeito e eu, de outro... De algumas coisas eu também lembro, mas de outras fui esquecendo, apesar de ser a mais velha. Estar com ele sempre me faz olhar para trás, quando posso, então, perceber com maior clareza as marcas e os significantes que ficaram e que foram decisivos para ser do jeito que sou e eles, do jeito que são, os meus irmãos. Neste verão, nosso curto mas intenso encontro recordou cenas e fatos do nosso núcleo familiar saindo em busca de maior inclusão social; de como fomos nos atrevendo a dar passos mais largos e longe do nosso ninho, num esforço grande no exercício da organização para economizar durante o ano para a viagem de férias e para construir valores de ambicionar, de querer e desejar coisas que até então eram consideradas como privilégio de poucos, dos outros. Agora, depois de tantos anos passados e dos rumos diferenciados que cada um de nós tomou, avançou e cresceu, podemos olhar e rir com saudade de fatos pitorescos, do tipo: nós seis, dentro de um fusca, acomodados entre latas de bolachas feitas em casa e uma panela de ferro (para as “bóias” que o pai adorava fazer); com um bagageiro, em cima do carro, que de acordo com o João era uma “casa” coberta de lona, que chamava a atenção de todos... chegando numa praia famosa, depois de um dia e pouco de viagem e descarregando todo aquele arsenal, em frente aos olhares curiosos de vizinhos nas casas e prédios ao redor. Eu não me lembro como me sentia diante disto; mas o João disse que ficava envergonhado por ter que descarregar as latas de bolacha e a panela de ferro diante do olhar dos rapazes e moças “da cidade”, que segundo a lembrança dele, riam de nós! Mas isto era só no primeiro momento, na chegada e logo esquecido, porque eles, os guris, se articulavam entre si ou com um e outro desconhecido, que logo se transformava em parceiro para jogar, andar, se aventurar, se divertir! Assim fomos descobrindo outros mundos fora do nosso pequeno mundo; cada um de acordo com seu olhar e apreensão singular das experiências; gostando destas descobertas e construindo desejo por tantas coisas que, talvez, se os fatos tivessem ocorrido diferentemente, não acontecesse. De alguma forma, que valoro muito hoje, nossos pais foram, naquele tempo, arrojados e “saindo”, possibilitaram a nós, no mínimo, a percepção e abertura para encontrar novas saídas, novos sonhos, novos mundos. Aprendemos também fazer graça, rir e dar valor às pequenas coisas; a perseverar, esperar ou a nos contentar com o pouco, com o possível, mesmo quando o desejo é pelo muito.

43 - 1º dia de aula

          Todos os dias de aula são especiais! Mas o primeiro dia... este sempre é super! Para todos os envolvidos neste contexto. Há uma expectativa de todo um vir a acontecer; expressa nos olhos brilhantes, nas falas atropeladas, nos risos que misturam alegria e inquietude; nas mãos que acarinham o material novinho, pequenos tesouros cada ano mais sofisticados, perfumados, incrementados! Conseguiremos corresponder? O que o novo ano letivo esconde nas suas entrelinhas? Que surpresas, aprendizados? E o que não alcançarmos fazer? Que limites, desafios, demandas nos esperam nas escadas, nos corredores, no quintal, nas interações, no cotidiano de sala, nos sonhos de cada um? “Sabem o que é um combinado”? “É assim, ó... quando eu e meu amigo combinamos brincar no quintal e a gente brinca muito, é um combinado que deu certo... mas tem o combinado que não dá certo, quando o amigo, “descombina” e não brinca comigo”. "Então, que combinados vamos fazer para iniciar o ano”? “Ah! Vamos combinar respeitar; não zombar do outro e fazer os trabalhos com capricho...”.Nossa, que letra bonita você tem”! “É... mas não sei fazer umas coisas muito bem...”. “Mas olha, importante é tentar...  e você é inteligente”! “Como é que você sabe?”Eu vejo nos seus olhos! Aposto que você gosta muito de desenhar...”. “Você leu a minha mente, eu adoro”!... E assim, devagarinho, laços vão se construindo, outros aprofundando; a confiança e o diálogo ganhando espaço; uns mais abertos, outros mais reservados e os aprendizados acontecendo, nas suas especificidades e de acordo com as singularidades. É o começo. O desejo e idealização inicial carecem de constante alimento e atualização e, mesmo assim, o resultado será uma incógnita; de algumas coisas não daremos conta; muitas não acontecerão conforme o planejado e outras, acontecerão além e apesar do planejado. E o encanto do trabalho parece estar aí, neste desafio, neste aprender e refazer contínuo em parceria com as trocas maravilhosas e sempre positivas.

42 - Onde está Teseu?


          Eu nunca gostei dos labirintos. Tive medo deles na infância. Todas as vezes que entrei em algum deles, em brincadeiras, fiquei apavorada! Com a sensação de estar sufocada, perdida, sem noção de direção e até mesmo de tempo naquela busca enlouquecida de encontrar logo a saída. Nada é bonito num labirinto; não há para onde olhar, curtir. Não há beleza, só presenças ameaçadoras, desconforto, medo. Tudo que se quer, é sair dali. Imaginei muitas vezes aquele horrível labirinto de Creta, construído por Dédalo, onde, de acordo com a mitologia, reinava o solitário minotauro, esperando por suas vítimas, encurraladas, desesperadas e sem a mínima chance de escapar. Em quantos labirintos a gente entra, voluntaria ou involuntariamente, no decorrer da vida?!!! Onde se reproduzem estas mesmas sensações de desespero, desamparo; quando nos sentimos ameaçados por algo terrível, monstruoso e diante do qual nos sentimos impotentes, frágeis, desorientados, perdidos, sozinhos e sem conseguir encontrar nem mesmo a menor possibilidade de saída... Muitas vezes o labirinto está somente dentro da mente da gente e ele é pavoroso! Quando nos deparamos com teorias, conceitos, preconceitos, fantasias, hipóteses, idéias, valores diferentes e contraditórios, que infernizam e paralisam as chances de “ser feliz”, de ter sossego, encontrar o nosso eixo e a própria verdade. Uma crise de labirintite faz a gente experimentar sensações semelhantes, quando náuseas e tonturas ininterruptas nos fazem perder o chão, a noção de tempo e espaço e mergulhar num mundo desesperador onde nada se articula, organiza, se mantém de pé e não se encontra conforto, em posição, em lugar nenhum e o que se encontra é somente o nada vertiginoso nos engolindo, num sorriso vitorioso. A etimologia, em relação à palavra labirinto, aponta para uma derivação “que se entronca com “lábrys”, machado de corte duplo”. Um mestre, chamado Samael, fala que “Conta a tradição que no centro do Labirinto existia a síntese, isto é, o Lábaro do Templo. A palavra labirinto vem, etimologicamente, da palavra lábaro. Este último, era um machado de dois gumes, símbolo de força sexual, masculino-feminina. Realmente, quem encontra a síntese comete a maior de todas as tolices quando sai do centro e regressa aos complicados corredores de todas as teorias que formam o labirinto da mente”. Descomplicar é difícil. Fácil realmente, é complicar, sair “do centro”, encantando-se ou deixando-se levar por isto ou aquilo, atrás de quimeras, facilidades, vontade do outro, etc e, de repente perceber-se prisioneiro no labirinto... a espera de que surja, de algum corredor, o “salvador” Teseu. Este, dificilmente vem de fora, na verdade, diz-se que temos que encontrá-lo dentro de nós...

41 - Nada é nada...

Tudo marca.
A passagem do tempo;
as presenças e as ausências.
O tempo marca por fora e
marca por dentro.
As marcas de fora
provocam as de dentro,
as de dentro
transformam as de fora!
As marcas lembram o riso
liberado e o riso reprimido.
O choro revelado
e aquele escondido.
O caminho percorrido
entre os pensamentos,
as fantasias, os equívocos
até chegar a alguns
difíceis aprendizados.
Marcas dos encontros,
tropeços e recomeços,
delicadezas e sutilezas.
algazarras, murmúrios
e silêncios preenchidos.
Marcas do trabalho,
das lutas, das perdas,
dos planejados cumpridos.
Marcas das especialidades,
dos temperos finíssimos:
os filhos, o cotidiano
o amor e os amigos!

40 - A Roda

Conforto,
desconforto.
Acomodar
desacomodar.
Espaço,
fechamento.
Alegria,
aridez.
Melindres.
Fragilidades.
Um esquecimento,
uma má palavra,
um algo de nada
que fica muito grande
e produz desconforto.
Um sorriso,
um abraço,
uma boa palavra
um algo de nada
que fica muito grande
e produz conforto.
E a vida segue.
























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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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