48 - O homem do passo certo

          O passo era certo, todos os dias, no sol ou na chuva. Ia sempre pelo mesmo trajeto, não arriscava caminhos desconhecidos, calçadas novas, parques coloridos, avenidas com jardins atraentes. Tinha um olhar apertadinho, penetrante, que capturava tudo ao seu redor. Mas o tudo era sob a sua ótica, sempre 8 ou 80. Não havia meio termo. Nem para ele, nem para os outros. Ou era uma santa ou era uma vagabunda. Ou gorda ou magra. Ou um bom homem ou um ladrão. Ou esperto ou “tabacudo”. Ou tomava todas ou não tomava nenhuma. Ou gostava muito e para sempre ou logo lhe “saíam das caixas”... Não perdoava um deslize, um erro, um gesto mal interpretado; cultivava os desafetos e as mágoas com precioso cuidado e deleite. Não maquinava vinganças, mas mantinha bem atualizados os rancores; expondo-os como troféus. Assim com o mundo, assim consigo próprio. Nunca uma surpresa. Nunca uma possibilidade do novo ou da mudança. Meticuloso. Controlado. Contido. E tinha o passo sempre certo. E apontava como ninguém, o passo errado, descompassado dos outros; lá do alto da sua superioridade. Um dia descobriu-se que era apenas um garoto assustado, com medo do mundo. Mas ninguém teve coragem de contar a ele.

 

0 comentários:


Minha foto
2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

Arquivo do blog