8.5



Deve estar voando por aí,
sem medo
né, querido...
atravessando as nuvens..
voando feliz sem precisar
entrar num  avião!
Mergulhando n’algum rio de água mansa,
boiando, feito menino!
Ou escolhendo a sombra
de uma parreira
pra ouvir um sertanejo das antiga
ou uma valsa gauchesca,
assoviando baixinho,
revirando memórias...
Ou, quem sabe,  bisbilhotando o vai e vem,
cheio de lances,
de uma rua movimentada!
Ou então, quem sabe empacotando presentes
lá pro Papai Noel!!!!
Ah! E rindo!
Observando e rindo,
fazendo graça
de tudo e de nada.
Livre!
Das amarras  e  limites do corpo,
das marcas do tempo, na alma.
Sem fronteiras...
Só pode! Só pode!!!
Ai que lindo!
Ah! Pai! De certo,
nem lembra que está de aniversário, hoje...]
que a gente podia estar
comendo um churrasquinho
com mandioca,
talvez uma polenta
com galinha
e rindo, uns com os outros...
celebrando os seus 85...
Mas não lembra!
É que ficou sem idade, né pai,
aí neste mundo  
de sutilezas, delícias e belezas...
Lembrar é coisa da gente,
de nós que ficamos aqui,
sentindo saudade!

Sissi


      Sissi  apareceu  perto  do  meio dia. A vovó e a  netinha de cinco anos, voltavam de um trabalho exaustivo e praticamente inútil: varrer e  juntar  as folhas que, cansadas ou curiosas, despencam, graciosas e afoitas, do arvoredo em redor; acumulando-se nas calçadas, meio fio, rua e jardim, todos os dias; toda  hora; todo minuto. Ah! Que trabalho duro! Só mesmo duas tonchas, uma “veia” e outra nova, para “dar conta” deste imaginário!
- “Que trabalheira, né vovó! Olha! Elas não param de cair”... 
Preparar o almoço era uma boa justificativa para encerrar o trabalho; naquele momento, sem que isto parecesse uma derrota!    Quando abriam as janelas para arejar a cozinha, viram o inseto, grudadinho no vidro!
Um mosquito? Uma libélula? Não. Nunca tinham visto uma figurinha deste tipo; diferente, elegante e cheia de cerimônias. O que fazia ali? E ficaram entregues, esquecidas do tempo, contemplando-se mutuamente, através da parede de vidro: ela pelo lado de fora; a vovó e a pequena, pelo de dentro. As panelas, a comida, o fogão, lá... esperando. O assunto, ali na janela, é que era o urgente, o interessante!!!!
O inseto dava sinais de que queria comunicação! Mexia as anteninhas, as asas, as patinhas, abria a boquinha, visível que só! Passava uma e outra patinha pela cabeça, como se estivesse preocupado com algo.
Era instigante demais! A  vovó lembrou das panelas:
- Conversa com ela, querida! A vovó vai começar o almoço.
Mexendo nas panelas, observava o movimento da menina e do inseto. A pequena aproximou-se do vidro e conversava baixinho. A vovó não conseguia escutar.
- “O nome dela é Sissi, vovó! Eu perguntei e ela balançou a cabeça, dizendo que sim. E ela é uma fadinha! Olha só o corpinho dela!!!!
- É, ela é muito linda, querida!
- “Vovó! Eu não entendo o que ela fala, ainda; mas eu pergunto e ela responde com as patinhas e a cabeça. A gente ficou amiga!... Vou contar um segredo pra ela”!
A vovó distanciou-se para não escutar algo sem querer. O momento, na janela, era de grande intimidade e cumplicidade. Coisa sagrada. Não dava para invadir. A conversa foi longa... Até que pequena anunciou:
- “Ela já foi, vovó! Tinha que ir pra casa. Acho que vou fazer um desenho e deixar pra ela, se ela voltar quando eu não estiver aqui”.
Ganhou um abraço da vovó e foi procurar o material.
As duas voltaram para o trabalho. Uma preparando a comida e a outra, um desenho para sua nova amiga. Um silêncio gostoso aquele. Silêncio preenchido.
- “Pronto vovó! Vou deixar o desenho aqui na janela, pertinho de onde ela estava. Deixa bem aqui! Não deixa ninguém mexer! Quando a Sissi voltar, vai ver e vai gostar! As amigas gostam de fazer desenhos e dar, uma pra outra”...

Promessa é promessa. O desenho permanece ali, na janela. E a vovó espera. Espera a netinha e a Sissi. Em algum momento as duas voltarão e será tudo de bom, as três juntas, tomarem um chá e conversar “tonchisses”.

Pai





Uma querida amiga, apaixonada pela matemática, disse-me um dia, há muito tempo,  que aprender subtrair e dividir é mais difícil que aprender adicionar e multiplicar. Entendi. Quem não entende? As subtrações que a vida nos faz são dolorosas. Umas, mais.
Este é o meu primeiro dia dos Pais sem o meu pai. Nem sempre estivemos juntos, neste dia, por causa da distância geográfica; mas eu sabia que ele estava lá. E era bom saber que estava lá, vivendo sua vida, sua rotina. Era só ligar e ouvir:
- “Aaalôôôô! Oh, minha filha! Como vai? E daí, quais são as últimas do evangelho”?!!!
 Já sou vovó; estou a um passo dos sessenta anos, mas de repente sou só filha e me sinto órfã de pai. E sinto esta dor sem remédio, este vazio.
Um dia, como dizem que acontece com todos, o meu “pai-herói” caiu, desmistificou. Isto produziu marcas. Mas, depois da decepção, cresci e aprendi a ver, amar e respeitar o ser humano que ele era. Meu pai era um sujeito agradável, parceiro, cativante, que sabia fazer graça com as palavras! Sem esforço, criava, transformava, acrescentava significantes e significados a elas, conforme o momento. Certamente, havia quem não gostasse. Mas ele era hábil e nos divertimos muito com ele e por causa dele. Mesmo quando não estava presente, a lembrança das suas “patacoadas”, nos trazia o riso e o brilho nos olhos. Até hoje! Me flagro, com freqüência, junto a alunos e amigos, lembrando: “Ah! Meu pai, agora, diria isto”! E sinto minha alma sorrir! Certamente, meu encanto pelas palavras, vem daí.
Meu pai tinha noção de seus limites e de algumas intolerâncias dos outros. Aprendeu brincar com isto: “tirando os defeitos, até eu sou bom”! Quando errava, fazia uma bobagem ou recebia uma crítica, repetia um ditado popular: ... “Ah! Isto acontece nas melhores, piores e médias famílias”... O que provocava divisão: irritação de um lado e risos de outro.
No hospital, me presenteou com uma última gargalhada. Ele já não abria os olhos e nem respondia às nossas solicitações. Eu o desafiei: - “Pai, por favor! Estou precisando que o senhor melhore! Tenho uma porção de espigas de milho, lá em casa, esperando que alguém tire aqueles cabelinhos! E ninguém faz isto melhor do que o senhor”! De imediato soltou uma gargalhada! Chegou erguer a cabeça do travesseiro e abrir levemente os olhos! Depois, mergulhou, definitivamente, no silêncio.
A saudade do meu pai atualiza sua palavra em mim e desafia minha palavra a reproduzir as suas histórias e produzir as minhas. Seguimos juntos, meu pai Ximitão e eu, agora no campo das sutilezas, dando continuidade às histórias, vida às palavras e significados ao nosso encontro.

- “E aí, minha filha, como vão as coisas”?

Alívio


i



- “Vovô, por que você vai subir na árvore? Cuidado, vovô, não vai cair! Você está cortando a árvore, vovô”? – pergunta a pequena, curiosa e inquieta.
- “Não, querida! O vovô não vai cair e não vai cortar a árvore! O vovô só vai tirar estas plantinhas que se grudaram na nogueira. Elas estão fazendo a nogueira sofrer. Estão tirando a comida dela. Se a gente deixar assim, a árvore vai secar, vai morrer! E não dá! Esta árvore tem sido muito boa para todos, há muitos anos! Nos tem  dado nozes gostosas... agora é nossa vez de ajudar a nogueira; fazer alguma coisa boa para ela”! – respondeu o vovô, esquecendo a idade e escalando o tronco e os galhos da velha e boa nogueira; como se fosse um garoto!  
Sem entender muito bem, a pequena chamou-me: - “Vovó, vem só ver o vovô! – e aninhou-se no meu colo, olhando o vovô; deixando entrever duas preocupações: uma com a árvore, que precisava de ajuda e outra com o vovô, que podia cair...
Mas o vovô não caiu. Foi limpando, com zelo e tenacidade, o tronco da generosa nogueira, que agonizava “nas mãos” dos parasitas.
- “Por hoje, tá bom... temos que arrumar uma escada maior para limpar os galhos mais altos”... – disse o vovô, um longo tempo depois.
Dava para ver que a nogueira estava respirando melhor!
Observando a cena, pensei no quanto meus olhos e interpretação tinham se equivocado. Muitas e muitas vezes olhara para a majestosa nogueira e a admirara ainda mais por aquela cobertura  verdinha, que no meu entender, a deixava mais bonita! Mas não era assim. Era uma coisa de aparência. Nada a ver com a essência ou realidade. A planta, uma parasita, estava sugando e destruindo a nogueira, que não tinha como se defender. Curiosa, investiguei... há muitas coisas interessantes sobre plantas parasitas  e sobre este “abraço fatal” que dão nas árvores...
Ah! Quantas metáforas a nogueira possibilitou! Como é importante a gente “apurar”, sutilizar e aprofundar o olhar! Como vemos pouco... ou como é superficial e muitas vezes, ingênuo o nosso olhar. Maravilhoso poder e saber que é possível ver, saber, aliviar, libertar.   

"Barbárvore"


Te vi
e te amei.
Te senti
e abracei.
Te admirei
e fotografei!
Tão linda!
Cheia de braços,
nós e laços
com a terra,
as estações,
o ar,
o céu...
Tão enraizada como eu!
Enraizada no tempo,
nas histórias
do ontem,
de tantos antes
mescladores de instantes...
Tão leve como eu!
Leve e solta
espichando espaço;
catando horizontes;
esperançada
de sol,
de sonho,
encontros e  ternuras...
Alternando,
sem trégua,
proximidades
e lonjuras...



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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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