Mantra



À noite,
a estrada
é mistério.
Não se vê carros,
só seus vultos
e as luzes...
Eles passam
e vêm  e seguem,
de todos os lados e
para todos os lados...
Não se vê pessoas
mas sabe-se
que estão ali...
correndo
indo embora
ou voltando...
Livres ou 
prisioneiras de 
outros ou de si;
envoltas pelo
manto da noite
e por este
mar luminoso
de beleza
desencontros
e anonimato.
Om, mani padme hum!
Na magia da noite
o mantra sagrado vibra!
Ecoa em mim
eu me sinto Contigo;
viajante como os outros
e com os outros
nesta beleza, na dor,
nos desencantos,
na fragilidade, na esperança
e na essência!
Essência
das nossas buscas
e dos nossos descompassos
por estas estradas de
ilusões, sonhos,
durezas, verdades
e arco-íris no horizonte...
Depois da noite,
depois da chuva...
Om, mani padme hum!

Abraço

O que mais me encanta?
Um abraço!
Quando escrevo,
abraço!
Minha palavra
é um abraço!
Devolutivas
significam 
abraço recebido!
E minha palavra
acolhida,
abraçada;
enternece,
vibra,
enlaça
e abraça
outras e outras...
O abraço então gira
e retorna feliz
para meus braços!

Ao pé da letra



- Vamos brincar de super-heroína, vovó?
- Vamos! Só que a vovó brinca e prepara o almoço, tá bom?
        A proposta não foi muito do agrado da pequena, mas concordou. Sabia que ali só tinha a vovó para fazer o almoço e, ao mesmo tempo, só a vovó para brincar com ela.
        - Você precisa me ensinar esta brincadeira, querida; porque a vovó não sabe brincar disto. Quando era pequena, eu brincava de outras coisas. Não conhecia as super-heroínas, só as fadas, as bruxas e as  princesas...
        - Ta bom, vó, eu te ensino! – e abriu um sorriso gigante!
        Nos intervalos entre o cortar legumes, amassar o aipim para fazer o escondidinho; preparar a salada, lavar a louça, lá ia eu, a  vovó, entrando no imaginário da pequena; correndo pela cozinha para socorrer uma velhinha perseguida por um assaltante malvado! Salvar um gatinho preso por uma bruxa! Resgatar um bebê que havia caído no rio! Libertar o meu pai e meu avô que estavam prisioneiros de perigosos bandidos... ufa!!! Vida de super-heroína é dura!
        Depois de um tempo, cansei! Propus, então,  brincarmos de restaurante:
        - Eu sou a dona do restaurante e você vem almoçar, tá bom? Pode trazer sua filha (a boneca Pepina)... que tal?
        - Sim, vovó! – concordou ela, olhos brilhando; porque pra ela, brincar é tudo! Está sempre pronta!!!
        Veio, sentou na mesinha do “restaurante” e ficou aguardando, com a filhinha ao lado, no carrinho.
        - Só um minutinho, viu, minha senhora! Minha ajudante não chegou ainda e as coisas estão um pouco atrasadas... mas vou servir um pinhãozinho de aperitivo e um chazinho... pode ser? – falei, como “dona do restaurante e cozinheira”.
        - Claro! Tudo bem! Adoro pinhão e chazinho! – falou a minha “cliente”.
        Depois de experimentar o “aperitivo”, partilhar o mesmo com a filha Pepina e fazer “mil caras e bocas” a “cliente” elogiou:
        - Está uma delícia! Pode servir mais um pouquinho?
        Eu servi e quando voltei para as panelas, comecei, repentinamente,  a “chorar”. A pequena “cliente” tirou os olhos do pinhão e da filha. Olhou preocupada e perguntou-me, gentilmente, aproximando-se:
        - O que foi, dona cozinheira?
        - É que daqui a pouco vou receber visitas para o almoço... minha ajudante não chegou e eu não sei cozinhar muito bem....
A “cliente” ficou muito séria, pensativa... de repente, falou, solícita:
        - Não se preocupe! Ela vai chegar loguinho e vai dar tudo certo!
        - Será? Mas e se ela não chegar? O que vou fazer?  - Eu "chorava" insistente e exageradamente.
     - Calma! Eu vou torcer por você! – falou a “cliente”, cheia de compaixão.
        - Vai torcer por mim? Ai que bom! Obrigada! - falei, animada, no papel da cozinheira.
        - Vou sim e a comida vai ficar bem deliciosa! Vou torcer bastante!
        E ato contínuo, começou a torcida, batendo palmas:
        - Maisa! Maisa! Maisa! Maisa!
        Coisa linda!
      Era uma torcida entusiasmadíssima! Literal. A fantasia e a realidade transitando de lá para cá, em perfeita sintonia entre nós duas e entre nossos mundos internos e externos. Enchi de abraços e beijos!!!! 

Mistura


A caixa de colas coloridas é convidativa! Os olhinhos da menina, minha netinha, brilham só em vê-la! Mexericar, então! Observo... Ah! Delícia abrir todos os tubinhos! Apertar, ver e sentir a cola sair, grossinha, pastosa... contornando desenhos, colorindo o papel... Deslizar por entre os dedos, as mãos, é melhor ainda!!! Ah! Que ninguém veja! Que ninguém atrapalhe prazer tão intenso!!!!   
Foi o dindo, que vendo isto, deu a ideia:
- Que tal fazer misturinhas?
A pequena olhou para ele, curiosa. Um pouco desconfiada.
- Sim!!! É uma coisa bem legal de fazer e você ainda vai descobrir uma porção de cores! – estimulou o dindo.
- Eu sei, dindo! Fiz na escola: misturei azul e amarelo; ficou verde!!!! – ostentou, a guriazinha, sua sabedoria de 4 anos. E ainda sustentou o olhar do dindo; como se dissesse: - não me subestime!
- Viu?! Então você já sabe misturar... Agora pode fazer outras experiências e encontrar novas cores!!!! – considerou o dindo.
O desafio mexeu com a pequena! Como toda criança, logo se encantou pela possibilidade de curiosar, descobrir coisas e já queria apertar todos os tubinhos e misturar todas as cores de uma vez!!!! Ah! A impulsividade das crianças... vivem o momento, inteiro! Tudo é agora! O agora é tudo!
E lá veio o adulto, o dindo, cortar prazer; orientar, ajudar a organizar, colocar regras, lei. Mediação necessária. Assim como este espaço construído e preservado: a possibilidade de investigar, mexericar e para estas misturas e descobertas específicas. Como já sabe interagir com o material, com cuidados, combinados, etc; a pequena se autoriza e trabalha com independência. Quando o interesse acaba e os olhinhos já esticam para outra coisa,  chama a vovó para ajudar na arrumação e guardar os materiais e as “obras”... Estas? Vão acumulando no varal e na escrivaninha da vovó...
Duas coisas sempre me tocam, nos momentos em que observo minha neta; assim como meus alunos, neste fazer: a mediação e a mistura .
Mediar é uma certeza e uma incógnita. É necessário, mas até que ponto... Percebo que a tendência nossa, dos adultos,  é ficar “dando pitaco” o tempo todo. E com isto, a gente atrapalha o centramento e o interesse da criança ou de “quem quer que seja”. Mais específica e rudemente: a gente enche o saco das crianças com tanto falatório, observações, regras... A gente fica “palpitando” e com isto, tira do foco... Muitas vezes as crianças ficam dispersivas, alheias ou indiferentes porque não as deixamos sozinhas consigo mesmas para conhecer, saborear, viver, refletir, ter e elaborar suas percepções; entrar em contato com o silêncio, com a ausência de palavras; com sua singularidade, suas preferências... Invadimos seu tempo, seu espaço! - Coisa feia! Coisa egóica. Coisa desrespeitosa! – digo para mim mesma, quando me flagro com este comportamento. E reflito! Desejo melhorar! Quero aprender a não passar do ponto. Nem com minha neta; nem com os alunos e nem com ninguém.
Porém, interagir tem disto. Se a gente não interage, não corre o risco: errar! Talvez seja mais fácil ficar de fora; não se envolver; poupar-se de incômodos, demandas, preocupações, frustrações. Só que por vezes, isto é sinônimo de omissão, ignorância, covardia, medo, insegurança. Para educar, é necessário se envolver! E isto é sinônimo de troca, humildade, reflexão, trabalho, dor, alegria, aprendizado, crescimento. Em cada encontro temos que escolher.
E misturar  me encanta! Maria mistura tintas e encontra novas cores! Minha mãe, cunhadas e amigos, mestres na arte, misturam ingredientes e surgem quitutes deliciosos!  Uma de minhas amigas mistura tecidos coloridos e produz maravilhas! Poetas e compositores  misturam palavras, notas, sons e temos todas estas delicadezas escritas, tocadas e cantadas por aí, traduzindo encantos e desencantos! Partilhar saberes, então... mistura boa, curativa! Um outro ser, a vida... são exemplos de ricas misturas de tantos e tantas formas, traços, cores, jeitos, trejeitos...
Certo que, como em tudo, temos aqui também os dois lados da moeda. Preconceitos e intolerâncias e injustiças e desrespeito têm produzido muita dor e destruição.  Mas não é disto que falo, agora. Eu falo, agora, destas misturas que estão sempre se refazendo ou reinventando e que podemos aprimorar! Essencial a singularidade, a especialidade, a generosidade de cada ingrediente, na mistura! Quando nos diluímos na entrega, supõe-se que o melhor de nós esteja ali. É o que dá qualidade, sabor inigualável, beleza e valor a este novo que surgiu!  
          Nosso mundo está coberto de belezas geradas assim, nesta mistura amorosa de individualidades, de afetos, conhecimento, intuição, alegrias, dor, espiritualidade, generosidade, idealismos. Maria, aprendendo isto, misturando cores e vendo surgir belezas e o novo, que o diga! Reflita. Viva e espalhe!


Cirandar com o vento




No meio da manhã
surpreendeu-me o vento!
Alegre! Apavorando as folhas,
mexericando meus cabelos,
irriquieto,
afoito para abraçar!
Ah!
Abri meus braços para ele!
Envolveu-me!
Geladinho, familiar;
afoito para segredar...
Conta! Conta, vento!
Conta-me sobre aquele que veio,
e eu não vi!
Sobre aqueles que
choram e riem
do lado de lá!
Conta-me
Sobre estes que eu amo
e não encontro!
Estes que admiro
e não conheço!
Conta-me histórias
de sol, de mar,
de dor e de amor
que intuo em minhas entranhas...
Conta-me destas
gentes distantes
que ignoram medos
e cicatrizes;
dançam e rezam
alegrias e delicadezas
que de lá
ecoam bem aqui, 
na minha alma!
Conta-me mais!
Das saudades...
- Vento, vento meu!
Existe em mim, quem
sinta mais saudade
do que os olhos meus?
Conta-me de mim!
De quando me encontras
nestes por aí
voando meus sonhos...
E me leva! Ah! Me leva
cirandar até o pôr-do-sol
neste teu sopro;
neste estremecer,
assim, do nada.
só de puro prazer!




Amor de reencontro


St John's! Primeiro olhar
e fiquei apaixonada!
Foi pela profusão
de céu e mar e águas
misturando e refletindo azuis
suaves,
tranquilos?
Ou foi por esta
primeira imagem
aproximando olhar
e horizonte?
Quem sabe foi  por
este abraço protetor
dos morros antigos,
exalando sabedoria?
Ou pelas casinhas coloridas
simpáticas, acolhedoras,
sem cercas, alarmes,
dizendo “fique tranqüila, mãe”!...?
Ou pela beleza e simplicidade dos
“dentes-de-leão”,
florescendo livres
por todos os lados... ?
Talvez pelo pôr-do-sol
chegando sempre inusitado,
tão fora de hora?
Ou porque tudo isto,
feito moldura,
adornava o
reencontro com afetos profundos?
Amor...
Às vezes, o amor brota
neste primeiro olhar;
se confirma e aprofunda
no cotidiano porque
tudo favorece!
Às vezes, nada favorece!
E o amor precisa
de muita rega,
desejo, esperança
para brotar.
Mas ele brota!
Se ele for semeado,
brota! Mesmo que demore
algum tempo
ou muito tempo...
Mas precisa regar
e não esmorecer!
E acreditar que está ali
mesmo que tudo esteja
aparentemente seco,
árido, estéril.
Este, dá muito trabalho... ufa!
Mas proporcional alegria!
Gratidão, então,
por estes amores
de reencontro!
Estes que chegam como presentes!
Sem esforço,
sem dor,
sem luta,
sem “mas”, sem “poréns”...
Como se sempre
estivessem ali...
Só a espera do reencontro!

Ao lado


Desperdiçar
é não viver!
Não produz falta
nem saudade.
O vivido
e o que podia ter sido
(quase vivido),
bem aqui, ao lado,
num universo paralelo
pulsando
cores, cheiros, estações,
gostos, sensações
abraços, melodias, palavras,
presenças e ausências
fomentam isto,
que é doloroso e prazeroso,
intraduzível e
incompartilhável:
saudade.


Minha foto
2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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