Mistura


A caixa de colas coloridas é convidativa! Os olhinhos da menina, minha netinha, brilham só em vê-la! Mexericar, então! Observo... Ah! Delícia abrir todos os tubinhos! Apertar, ver e sentir a cola sair, grossinha, pastosa... contornando desenhos, colorindo o papel... Deslizar por entre os dedos, as mãos, é melhor ainda!!! Ah! Que ninguém veja! Que ninguém atrapalhe prazer tão intenso!!!!   
Foi o dindo, que vendo isto, deu a ideia:
- Que tal fazer misturinhas?
A pequena olhou para ele, curiosa. Um pouco desconfiada.
- Sim!!! É uma coisa bem legal de fazer e você ainda vai descobrir uma porção de cores! – estimulou o dindo.
- Eu sei, dindo! Fiz na escola: misturei azul e amarelo; ficou verde!!!! – ostentou, a guriazinha, sua sabedoria de 4 anos. E ainda sustentou o olhar do dindo; como se dissesse: - não me subestime!
- Viu?! Então você já sabe misturar... Agora pode fazer outras experiências e encontrar novas cores!!!! – considerou o dindo.
O desafio mexeu com a pequena! Como toda criança, logo se encantou pela possibilidade de curiosar, descobrir coisas e já queria apertar todos os tubinhos e misturar todas as cores de uma vez!!!! Ah! A impulsividade das crianças... vivem o momento, inteiro! Tudo é agora! O agora é tudo!
E lá veio o adulto, o dindo, cortar prazer; orientar, ajudar a organizar, colocar regras, lei. Mediação necessária. Assim como este espaço construído e preservado: a possibilidade de investigar, mexericar e para estas misturas e descobertas específicas. Como já sabe interagir com o material, com cuidados, combinados, etc; a pequena se autoriza e trabalha com independência. Quando o interesse acaba e os olhinhos já esticam para outra coisa,  chama a vovó para ajudar na arrumação e guardar os materiais e as “obras”... Estas? Vão acumulando no varal e na escrivaninha da vovó...
Duas coisas sempre me tocam, nos momentos em que observo minha neta; assim como meus alunos, neste fazer: a mediação e a mistura .
Mediar é uma certeza e uma incógnita. É necessário, mas até que ponto... Percebo que a tendência nossa, dos adultos,  é ficar “dando pitaco” o tempo todo. E com isto, a gente atrapalha o centramento e o interesse da criança ou de “quem quer que seja”. Mais específica e rudemente: a gente enche o saco das crianças com tanto falatório, observações, regras... A gente fica “palpitando” e com isto, tira do foco... Muitas vezes as crianças ficam dispersivas, alheias ou indiferentes porque não as deixamos sozinhas consigo mesmas para conhecer, saborear, viver, refletir, ter e elaborar suas percepções; entrar em contato com o silêncio, com a ausência de palavras; com sua singularidade, suas preferências... Invadimos seu tempo, seu espaço! - Coisa feia! Coisa egóica. Coisa desrespeitosa! – digo para mim mesma, quando me flagro com este comportamento. E reflito! Desejo melhorar! Quero aprender a não passar do ponto. Nem com minha neta; nem com os alunos e nem com ninguém.
Porém, interagir tem disto. Se a gente não interage, não corre o risco: errar! Talvez seja mais fácil ficar de fora; não se envolver; poupar-se de incômodos, demandas, preocupações, frustrações. Só que por vezes, isto é sinônimo de omissão, ignorância, covardia, medo, insegurança. Para educar, é necessário se envolver! E isto é sinônimo de troca, humildade, reflexão, trabalho, dor, alegria, aprendizado, crescimento. Em cada encontro temos que escolher.
E misturar  me encanta! Maria mistura tintas e encontra novas cores! Minha mãe, cunhadas e amigos, mestres na arte, misturam ingredientes e surgem quitutes deliciosos!  Uma de minhas amigas mistura tecidos coloridos e produz maravilhas! Poetas e compositores  misturam palavras, notas, sons e temos todas estas delicadezas escritas, tocadas e cantadas por aí, traduzindo encantos e desencantos! Partilhar saberes, então... mistura boa, curativa! Um outro ser, a vida... são exemplos de ricas misturas de tantos e tantas formas, traços, cores, jeitos, trejeitos...
Certo que, como em tudo, temos aqui também os dois lados da moeda. Preconceitos e intolerâncias e injustiças e desrespeito têm produzido muita dor e destruição.  Mas não é disto que falo, agora. Eu falo, agora, destas misturas que estão sempre se refazendo ou reinventando e que podemos aprimorar! Essencial a singularidade, a especialidade, a generosidade de cada ingrediente, na mistura! Quando nos diluímos na entrega, supõe-se que o melhor de nós esteja ali. É o que dá qualidade, sabor inigualável, beleza e valor a este novo que surgiu!  
          Nosso mundo está coberto de belezas geradas assim, nesta mistura amorosa de individualidades, de afetos, conhecimento, intuição, alegrias, dor, espiritualidade, generosidade, idealismos. Maria, aprendendo isto, misturando cores e vendo surgir belezas e o novo, que o diga! Reflita. Viva e espalhe!


 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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