Sonho


               
     


                  Eu tinha um sonho e um dia, quando meu pai visitou-nos, pedi:
- Pai, vamos vestí-lo de Papai Noel, para entregar os presentes às crianças, aceita?
        Aceitou! E foi uma festa! Magia misturada com o real, oportunizando criatividade, imaginação, parceira e brilho no olho. O vô Ico, pela primeira e única vez “de Papai Noel”, encantou os netos: meus filhos e minha sobrinha afilhada! Todo mundo sabia de quem eram aquelas canelas finas!!!! No entanto, o personagem tem força, tem magia e todos ficamos emocionados com a presença do Papai Noel em nossa casa, naquele ano.
        Neste ano de 2018, assumi meu desejo de vestir a roupa, assumir o personagem e qualquer censura que pudesse ocorrer! Eu me vesti e me senti Mamãe\Papai Noel!!!!
Muitos Natais passaram entre um e outro momento. Agora eu estava ali, no lugar do meu pai, como se o tempo não houvesse passado... mas ele passou! Não temos mais o vô Ico;  antes, eu era só mãe e com todos os filhos juntos. Agora, sou mãe de filhos crescidos e liberados da minha “saia” e fui promovida, sou avó! Mas senti a mesma magia! 
Adoro os círculos! E seu movimento na vida. Observo como as coisas circulam, enquanto o tempo passa e, como, de repente, nos reencontramos numa mesma esquina ou situação. Este viver em círculos é fantástico, surpreendente e desafiador. No mesmo lugar, outra vez... mais velhos, modificados pelas experiências, tendo ou não feito os aprendizados sugeridos; mas, de algum modo, sutil ou escancaradamente, na mesma situação!  Bom é perceber quando isto acontece e ter a opção de escolha: superar, transcender, enriquecer porque amadurecemos, aprendemos ou,  repetir, porque ficamos aprisionados ou vitimizados naquele lugar.
Neste ano tão cheio de belos voos, emoções desencontradas, revelações e desnudamentos em todos os âmbitos; vestir a pele da Mamãe\Papai Noel foi um resgate interno: o sonho e a esperança precisam arder! E passe o tempo que passar; aconteça a dor que acontecer, sempre é o tempo de semear amor!  
         


O homem que pedala deitado


        
     
 
Soube que um dia, numa cidade do RS, um menino, passeando pela rua, de mãos dadas com o pai, de repente gritou:

        - Pai, pai, paiêêêê!!!! Olha lá! Olha lá!!!!

        - O que foi, filho?

        - Olha lá, pai! O HOMEM QUE PEDALA DEITADO!!!! Vamos lá!!!!  Quero pedir um autógrafo pra ele!

        E eles abordaram o HOMEM... E não só ganharam um autógrafo como conversaram com ele e iniciaram uma camaradagem; destas precedidas por uma admiração secreta. A pessoa admira, daí conhece e gosta mais ainda! E pode virar amizade das grandes! Certamente porque o sujeito admirado, no caso, além da qualidade de “pedalar deitado”, é boa gente; gente que tem o coração nos olhos e voz embargada por qualquer coisa.

        Descobri que pelas ruas e estradas do RS e, também atravessando fronteiras, com olhos “encharcados de horizontes”, pedalava deitado em tardes nostálgicas de sábado; ou manhãs silenciosas de domingo ou no entardecer, em dias de semana, quando o sol está mais calmo e o horizonte enfeitado de cores, abrindo espaço pra quietude, reflexão e tomadas de consciência. Soube, também, que lá de quando em quando, ele se encontra com outros de pedal e pedalam juntos, partilhando percursos, estradas, desejo, alegria! Em todas estas incursões, constatações importantes do ciclista-cidadão em relação ao trânsito: desrespeito aos pedestres e ciclistas e aos espaços destinados a eles; às faixas de segurança; o desleixo para com estradas e o desprezo para com a natureza e suas criaturas às margens das vias públicas. Mas também, constatações especialíssimas do ciclista-cidadão-ser humano a respeito de responsabilidade, sonho, amizade, respeito, humildade, singularidade, desafios, superação, aprendizado, cooperação, sintonia, exercício físico, contemplação e belezas naturais.

        Aí, fiquei curiosa! Muito curiosa para conhecer tal figura! Na minha imaginação, ele já estava transformado num “super-herói”: um cara “super” do bem; superando limites, obstáculos internos e externos e, “de lambuja”, como dizia meu pai, ajudando quem precisa, com o que dá e pode! E até o que não pode! Porque, investigando, soube que é dos caras que, também como dizia o meu velho Ximitão, “se não tem sobrando, tira a camisa do corpo para dar a quem não tem”.

        As suspeitas eram de que ele devia ser das “bandas” do Noroeste do RS, lugares onde ele era visto com maior frequência e também onde fica a minha cidade natal; fui investigar e descobri, pasmem, a identidade do HOMEM QUE PEDALA DEITADO! Na verdade, nem fiz muito esforço, porque não era nada secreto!

        O  HOMEM  QUE  PEDALA DEITADO é singularíssimo! E,certamente faz parte do time dos heróis modernos! Destes de “carne e osso”; que trabalham “de sol a pino”; que não têm preguiça! Destes que “vestem a camisa”; que têm palavra; que honram o “fio do bigode” mesmo não tendo bigode! Destes que não nadam com a maré; dos que “não vão com os outros”, ou seja, “na onda” dos outros! Dos que se preservam. Preservam vida, a força, a saúde, o movimento, a atenção, a identidade, a individualidade, a emoção e sensibilidade e, a justeza das coisas. Destes que ainda sabem trocar uma lâmpada, trocar uma torneira, uma telha;  cortar a grama, trocar um pneu; coisas dos homens “das antigas”  e ainda trocar uma fralda, ajudar na cozinha, se preciso, coisas dos homens “modernos”!  E encontram tempo e prazer em dar atenção, passear, tomar sorvete; brincar, rolar no chão e escorregar, em morros gramados, em cima de um papelão, com os netos...

        Ele é parceiro bom de jornada: de pedal e de vida! Tem lá suas questões, como todo mortal. Mas é o tipo do cara com quem você pode contar; que diz coisas assim: “tamo junto” com cara de quem está mesmo junto contigo! E isto dá força, coragem, ânimo para quem escuta!
        Vou conhecendo e me encantando com as proezas  deste HOMEM QUE  PEDALA  DEITADO;  admirando sempre mais o ser humano brilhante que habita ali dentro e que eu conheço há muito tempo; meu mano véio! Um querido!

"A vida não desanima"



“Doce é sentir
em meu coração,
humildemente,
vai nascendo o amor!
Doce é saber,
não estou sozinho,
sou uma parte,
de uma imensa vida...
O  céu nos deste,
e as estrelas claras;
nosso irmão Sol,
com nossa irmã Lua;
nossa mãe Terra,
com Frutos, Campos, Flores;
o Fogo e o Vento,
o Ar e a Água pura;
fonte de vida
de toda criatura”...

        O poema é lindo! Desde que o ouvi, pela primeira vez; num filme: “Irmão Sol, irmã Lua”, lá na adolescência, nunca mais esqueci. Amo! Tocou e inquietou meu olhar e meu coração para sempre.
        Amar implica ser humilde. Sendo arrogantes, sabichões, egoístas e preconceituosos, nunca entenderemos, nem aprenderemos, nem viveremos. As guerras, a violência em todas as suas manifestações, o feminicídio, o genocídio, a homofobia, a hipocrisia, a miséria, a injustiça, a dor e a exclusão do diferente... bem o demonstram.
        Amar implica ser humilde para VER, SENTIR, RECONHECER o outro, seu valor. Um duro e, ao mesmo tempo, doce aprendizado. De um ângulo, considero que estamos muito longe disto. Mas de outro, quando observo nossas crianças, muitos jovens, adultos e belas semeaduras: aqui, ali, no mundo inteiro e, vejo brilho e encanto em muitos e tantos olhos; me reanimo!
       Vibrei e fortaleci com as palavras simples e sábias de um pescador aqui, de nossa região, que esteve na escola, semana passada, conversando com uma turma de alunos: “a vida não pode desanimar”!
        Gosto de imaginar e perceber a vida como sendo um aprendizado num acolhedor “Quintal”; onde uns jogam bola, outros sobem em árvores! Uns deslizam pela rampa; outros pelo escorregador e outros balançam! Uns leem nos cantinhos, outros escrevem, contam histórias, ensinam e calculam! Uns desenham; outros constroem casas, castelos, ruas! Uns observam, investigam, fazem misturas para ver o que acontece! Uns brigam e outros ajudam a atualizar e reconciliar! Uns caem, outros se machucam e outros, ainda, dedicam-se a cuidar. Um cantam, dançam, pulam; outros dormem ou assistem! Uns dirigem carinhos; outros, cadeiras e outros, ainda, uma caixinha, uma bicicleta, um avião ou um sonho, uma imaginação! Uns se rebelam, questionam, transgridem e aprendem, no seu tempo, sobre causas e consequências; sobre pedir desculpas, desculpar; sobre desafiar-se e tentar; modificar! Uns sentem medo, paralisam, ficam doentes e sofrem; alguns confortam, colocam-se no lugar do outro e animam, tratam, curam. E alguns, simplesmente contemplam as nuvens a sonhar e poetar! Todos deparam-se com limites, regras, leis, diferenças e aprendem, no seu tempo e ritmo, a respeitar, perseverar, transformar, superar!
        Gosto de imaginar a vida como este luminoso e acolhedor “Quintal”; onde cada um é como é; como se esforça e consegue ser. Onde há escuta, alegria, ombro e colo. Liberdade para ir e vir; chorar e rir; ficar em silêncio ou tagarelar. Quietude, espaço e vez.
        Gosto de imaginar a vida, esta que “não desanima”, como sendo este “Quintal” de labuta; de movimento, experimentação, reflexão e criação; sob o olhar amoroso, protetor e justo da mãe Terra, do irmão Sol, da irmã Lua, das irmãs Estrelas e dos irmãos Elementos: nossas fontes de vida!
        Gosto de sentir que, assim, gradativa e humildemente, vai crescendo amor, em mim; em ti e em quem desejar!



Semeie amor


- “Vovó”!
- Hum...
- “Sabe o que eu estou pensando”...
Tirei meus olhos das panelas e olhei para a pequena, que já estava há um bom tempo sem falar, brincando com slime...
- O que você está pensando, querida?
- “Eu  estou pensando que se os ladrões, naquele dia, tivessem lido o que está escrito, ali, na geladeira, eles não teriam roubado nada, aqui na tua casa”...
Eu sabia a que ela referia. Em 2016; trabalhamos e partilhamos uma mensagem com familiares queridos, durante o Advento. Na época, anotei a mesma no bloquinho de recados, na geladeira e ela permanece ali. Ninguém apaga! De lá para cá, recados e lembretes são registrados no curto espaço ao redor;  mas ninguém fala ou apaga a mensagem, ninguém se atreve! Acredito que foi um combinado entre corações!


Como sempre acontece, o comentário inusitado da pequena, mexeu fundo comigo. Escuto com atenção e prazer tudo o que esta minha neta me fala. E, em relação a este assunto do assalto, tenho andado preocupada... O fato se deu no domingo, dia do segundo turno das eleições deste ano. Enquanto votávamos, ladrões invadiram nossa casa. Quando chegamos, encontramos a mesma toda revirada! Foi algo extremamente chocante para nós, adultos; imagine para ela, que estava conosco!
Difícil tratar deste assunto, especialmente com uma criança. Bom se pudéssemos poupar os pequenos destas violências... de todo e qualquer tipo de violência!
  Os ladrões, entrando em nossa casa, não invadiram somente o imóvel; invadiram meu íntimo, levando coisas preciosas, que não têm preço; produzindo uma dor que ainda não consigo nomear. Mas não sinto raiva, ódio. Por enquanto, só tristeza e luto. Lamento esta realidade. Triste realidade a que todos estamos submetidos, cotidianamente.
Combinamos, entre os familiares, não tocar no assunto em presença da pequena e nos mantermos atentos às reações dela. Observei que cada dia, comigo, algo aparecia: um comentário, uma pergunta, um medo, uma insegurança, um olhar fazendo uma varredura atenta no ambiente, etc. E hoje, expressou este pensamento! Algo mais profundo. Vindo com reflexão. Não só do instinto.
Ela podia ter concluído, como muitos, que: “ih, vovó, de que adianta você rezar por nós... isto não impediu esta coisa ruim acontecer... não adianta ser bom, etc. Mas não! Ela só disse que “se tivessem lidonão teriam roubado”! E nisto, eu vislumbrei esperança! E eu encontrei palavras:
- Verdade! E sabe que eu acho que eles leram!
Ela me olhou, atenta!
- Acho que sim, querida! Eles entraram na casa através de uma janela do quarto da vovó, na parte de cima e pegaram coisas que estavam lá, né? Então, quando chegaram aqui embaixo, na cozinha; é bem provável que tenham visto a nossa mensagem e foram embora! Não levaram nada do que estava aqui!
E não levaram mesmo; nem mexeram na cozinha.
Não sei se fiz certo, falar assim. Fiz o que o coração inspirou e senti que para ela, ouvir isto, foi bom; relaxou. E foi isto que importou, para mim, no momento. Em outros “amanhãs”, certamente ela fará novas perguntas, reflexões e associações. Aí veremos. Será outro dia e nós duas, o acréscimo de outros dias e experiências.
Mas hoje!!!! Hoje foi especial. A sua fala animou minha crença e minha esperança. Maria Margot acha que, se os garotos, sim porque as evidências indicam que foram jovens; soubessem que deviam semear amor, não teriam assaltado nossa casa! Ela não sabe, ainda, que esta é uma realidade extremamente complexa.  De minha parte, tenho preocupação. Muita! Como vamos resolver e tratar esta violência que ganha espaço e parece já nascer dentro de alguns indivíduos? Penso muito sobre isto e sobre as causas.
Minha neta, como é natural nas crianças, fez uma generalização: quem lê, sabe. E sabendo, faz ou não faz; escolhe. Simples.
Ela ainda vai aprender que acessar à leitura, para muitos e muitos,  não é assim fácil como foi para ela; que não é porque um sujeito lê, que se pode dizer que sabe. Saber passa por muitas conquistas, que estão relacionadas ao desejo, às oportunidades, à reflexão, à autonomia, à autoestima, à saúde, ao respeito e valor que lhe dá o outro, ao exercício cotidiano de questionamento, investigação, experimentação e reelaboração de conceitos, preconceitos e limites; à generosidade e ao benquerer recebido ou não. Sem falar do exemplo, das atitudes, do jeito de “ser” dos que estão educando o sujeito.
Crianças fazem isto: ora nos deixam sem palavras, sem ação; ora inspiram palavras e pensamentos sem fim... sou grata! Tem sido um privilégio conviver e aprender com alunos, filhos e agora com Maria. Nos momentos mais insípidos, eles estão ali, lembrando sobre o que semeamos e sobre o valor da semeadura; resgatando nossa fênix, nossa alegria e esperança!
Maria, num momento ímpar, sublime; atualizou nossa tristeza e, ao mesmo tempo, resgatou a minha, a nossa crença mais profunda: que semear amor é o melhor jeito de transformar e melhorar os sujeitos e o mundo!
Agora, estou aqui, imaginando a continuidade desta nossa conversa... sobre como se semeia amor e onde encontrar as sementes!!!
Maria, eu te amo!

O novo





Advento!
Adventus!
Advenire!
Gosto imensamente
deste tempo!
Aos sessenta,
contabiliza fundo
esta experiência
de vida, de mundo,
de repetição e de crença.
Revisar é preciso,
imperioso; vem da alma!
Tudo do mesmo jeito,
mesmo tom,
mesma resposta,
mesmo feito,
não dá.
O mundo gira,
a vida passa...
Tantos encontros
e desencontros interferem,
marcam, transformam
e num piscar de olhos
não somos mais como antes.
A mecanicidade parece conforto,
mas não é! Ela espinha, maltrata.
Quem eu sou, agora,
merece outro trato!
Merece o novo que se anuncia
na inquietude interna
e nas luzes, enfeites,
nos perfumes e cores,
nas demandas externas.
O novo é este menino
que nasce e nasce de novo!
Não nasce fora, nasce dentro;
na simplicidade, na quietude,
na maturidade forjada
e tem pensamento, tem sentimento
de menino, de criança;
que eu quero, que eu sinto
e que me encanta:
olhar curioso e de respeito;
palavra útil, sincera;
atitude ética, generosa;
interação tranquila,
partilhada,
gentil e amorosa.





Bailarina


    Gatineau,  Canadá -
   Mosaïcanada  mosaicultura: a arte de criar desenhos e esculturas com flores e plantas  variadas. 

Bailarina!
Com o vento
gira no movimento;
com a música
revira sentimentos!
Equilibra peso,
palavra na ponta da língua
desconforto na ponta do pé.
Baila alinhada,
comportada;
nada fora do lugar,
nenhunzinho "cabeloflor" sequer.
É flor bailarina!
Dança, gira,
revira, equilibra
e revela 
sensibilidade
 talento,
 amor
à música,
à dança
à natureza mulher,
à vida:
esta borboleta dançante
em metamorfose constante,
despetalando-se
cotidianamente em flor:
bem-me-quer
malmequer...


Maternagem em flor



Parque Jacques Cartier, em Gatineau, Quebéc, Canadá

O outono iniciava
mas foi um restinho de primavera
que festejou em meus olhos,
aquecendo a manhã geladinha:
uma explosão de flores!
Não em canteiros;
mas em esculturas!
Esculturas de flores!
De repente, a vida descansou,
meu olhar quedou
o joelho dobrou...
- “É a Te Fiti, vovó!” – diria Margot...
Do meu mais íntimo
brotou um soluço
que, incontido,
virou correnteza
de emoção, de lágrima...
Era ela, sim!
Plasmada em flores,
bela! Sorrindo para mim!
O eterno feminino!
A Grande Mãe Natureza!
Doce! De olhos cerrados
vasculhando minha alma,
com uma delicadeza de doer...
Mãe amorosa!
        Grande Mãe!
        Provendo com amanheceres,
sol, água, possibilidades!
Com a fertilidade da terra,
com os talentos individuais,
com as singularidades!
Me deixei envolver,
abraçar e ali ficar...
entregue e esquecida de mim;
mergulhada nesta maternagem
que me liga aqui, lá e a ti!
Ai que cansaço,
irmãos de ventre,
que me deu ali!
Das querelas,
das injustiças,
do medo,
das asperezas e engodos.
Depois do cansaço,
o silêncio do vazio...
Ali, então, ela semeou!
E, de lá para cá
meu desejo é sair por aí
esculpindo, com abraços,
um sem fim de belezuras !



Resgate surpreendente


       


                   Não sei dizer quantas vezes isto já se repetiu, aqui, em frente de casa: o abandono de animais, gatos e cachorros recém nascidos ou com poucos dias de vida. Já salvamos a vida de muitos. Adotamos alguns e encaminhamos outros, depois de cuidados, a lares e abrigos. Não temos condições de ficar com todos que aparecem. É muito triste este descarte. Covarde.

        No sábado passado,  apareceram dois gatinhos pretos, bebezinhos. Um, bastante ativo e chorão; outro, tranquilo e dorminhoco.
        Trouxemos para dentro de casa; demos leitinho com conta-gotas, acarinhamos e aplicamos “reikinho”, como diz a netinha Maria Margot. A primeira noite não foi nada boa. O Chorão não sossegou. Mas seguimos a rotina, alimentando, cuidando.
        A segunda-feira amanheceu com os miados de uma gata adulta, pelas redondezas. A suspeita foi a de que era a mãe dos gatinhos, procurando por eles!  Mais tarde, chegou a notícia de que também havia um gatinho abandonado, miando embaixo da rampa, na escola, ao lado de nossa casa... e que quando foram resgatá-lo, não o encontraram mais.  A hipótese era a de que a mãe viera buscá-lo. Será?!
        Acendeu uma esperança! Se fora isto, então era provável que a gata viesse em busca dos que estavam conosco. Retiramos os gatinhos de dentro de casa e os deixamos à vista, no quintal, dentro de uma caixa. Ficamos escondidos, vigiando. Eu tinha preocupação; moramos no abraço de uma floresta; outros animais poderiam vir atacar os pequeninos... felizmente, isto não aconteceu!
        Na segunda, à tarde, a mãe apareceu! Também preta. Ela entrou em nosso quintal e miava desesperadamente; mas não aproximou-se dos filhotes. Foi embora. Naquela noite, depois de alimentá-los, nos arriscamos deixar os dois filhotinhos fora de casa; acreditando que a gata só viria pegá-los se não estivéssemos perto. Dormi pouco, apreensiva, escutando o Chorão.
        Logo cedo, na terça,  vimos que um deles, o Tranquilo, não estava na caixa!  E que o Chorão, chorava ainda mais desconsolado! Que barbaridade! Mas por que a gata não levara os dois filhotes? Durante o resto do dia, o Chorão ganhou muito colinho, “reikinho”, papinha e cuidados especiais de todo mundo. Aquietou um pouco. À noite, resolvemos dar uma última chance à gata mãe e deixamos, novamente o Chorão do lado de fora, na caixinha... Perto da meia noite, não escutando mais os miados,  fomos averiguar... ele não estava mais na caixa! Então ela viera!!!! A mãe gata! Linda! Veio atrás e fez o resgate dos filhotes perdidos!!!! Demais!!!
        Que coisa! O que teria acontecido? Os vizinhos próximos não sabiam do que se tratava. De onde vieram os gatinhos? Quem tentou separar esta mãe e seus filhotes? E como esta gata veio atrás? Que amor e grande paciência moveu esta mãe para resgatar os filhos!!! Haveria outros gatinhos espalhados pelas redondezas? Mas, e se não foi a gata, quem pegou os filhotes? Por vezes este pensamento me assalta... porém as evidências apontam para o resgate e meu coração, apesar do “batalhar das antíteses”, lá na mente, está sossegado!
        E eu gosto de imaginar esta “mãezona”, heroína, solitária e enlouquecida de dor... mas corajosa! Procurando suas crias... investigando cada canto, cada cheiro, cada miado... desafiando obstáculos; enfrentando a maldade e a má vontade humana; virando “mundos e fundos” para recuperar seus filhotes! Para estar com seus filhotes, apesar da adversidade e daqueles que se julgaram no direito de separá-los!!!! Já estávamos nos apegando aos gatinhos, fazendo planos para integrá-los aos nossos outros gatos... mas nada pode ser melhor para eles do que estar com sua mãe! Ainda mais uma mãe destas! Vida longa ao Chorão, ao Tranquilo e sua mãe guerreira!

      


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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