O homem que pedala deitado


        
     
 
Soube que um dia, numa cidade do RS, um menino, passeando pela rua, de mãos dadas com o pai, de repente gritou:

        - Pai, pai, paiêêêê!!!! Olha lá! Olha lá!!!!

        - O que foi, filho?

        - Olha lá, pai! O HOMEM QUE PEDALA DEITADO!!!! Vamos lá!!!!  Quero pedir um autógrafo pra ele!

        E eles abordaram o HOMEM... E não só ganharam um autógrafo como conversaram com ele e iniciaram uma camaradagem; destas precedidas por uma admiração secreta. A pessoa admira, daí conhece e gosta mais ainda! E pode virar amizade das grandes! Certamente porque o sujeito admirado, no caso, além da qualidade de “pedalar deitado”, é boa gente; gente que tem o coração nos olhos e voz embargada por qualquer coisa.

        Descobri que pelas ruas e estradas do RS e, também atravessando fronteiras, com olhos “encharcados de horizontes”, pedalava deitado em tardes nostálgicas de sábado; ou manhãs silenciosas de domingo ou no entardecer, em dias de semana, quando o sol está mais calmo e o horizonte enfeitado de cores, abrindo espaço pra quietude, reflexão e tomadas de consciência. Soube, também, que lá de quando em quando, ele se encontra com outros de pedal e pedalam juntos, partilhando percursos, estradas, desejo, alegria! Em todas estas incursões, constatações importantes do ciclista-cidadão em relação ao trânsito: desrespeito aos pedestres e ciclistas e aos espaços destinados a eles; às faixas de segurança; o desleixo para com estradas e o desprezo para com a natureza e suas criaturas às margens das vias públicas. Mas também, constatações especialíssimas do ciclista-cidadão-ser humano a respeito de responsabilidade, sonho, amizade, respeito, humildade, singularidade, desafios, superação, aprendizado, cooperação, sintonia, exercício físico, contemplação e belezas naturais.

        Aí, fiquei curiosa! Muito curiosa para conhecer tal figura! Na minha imaginação, ele já estava transformado num “super-herói”: um cara “super” do bem; superando limites, obstáculos internos e externos e, “de lambuja”, como dizia meu pai, ajudando quem precisa, com o que dá e pode! E até o que não pode! Porque, investigando, soube que é dos caras que, também como dizia o meu velho Ximitão, “se não tem sobrando, tira a camisa do corpo para dar a quem não tem”.

        As suspeitas eram de que ele devia ser das “bandas” do Noroeste do RS, lugares onde ele era visto com maior frequência e também onde fica a minha cidade natal; fui investigar e descobri, pasmem, a identidade do HOMEM QUE PEDALA DEITADO! Na verdade, nem fiz muito esforço, porque não era nada secreto!

        O  HOMEM  QUE  PEDALA DEITADO é singularíssimo! E,certamente faz parte do time dos heróis modernos! Destes de “carne e osso”; que trabalham “de sol a pino”; que não têm preguiça! Destes que “vestem a camisa”; que têm palavra; que honram o “fio do bigode” mesmo não tendo bigode! Destes que não nadam com a maré; dos que “não vão com os outros”, ou seja, “na onda” dos outros! Dos que se preservam. Preservam vida, a força, a saúde, o movimento, a atenção, a identidade, a individualidade, a emoção e sensibilidade e, a justeza das coisas. Destes que ainda sabem trocar uma lâmpada, trocar uma torneira, uma telha;  cortar a grama, trocar um pneu; coisas dos homens “das antigas”  e ainda trocar uma fralda, ajudar na cozinha, se preciso, coisas dos homens “modernos”!  E encontram tempo e prazer em dar atenção, passear, tomar sorvete; brincar, rolar no chão e escorregar, em morros gramados, em cima de um papelão, com os netos...

        Ele é parceiro bom de jornada: de pedal e de vida! Tem lá suas questões, como todo mortal. Mas é o tipo do cara com quem você pode contar; que diz coisas assim: “tamo junto” com cara de quem está mesmo junto contigo! E isto dá força, coragem, ânimo para quem escuta!
        Vou conhecendo e me encantando com as proezas  deste HOMEM QUE  PEDALA  DEITADO;  admirando sempre mais o ser humano brilhante que habita ali dentro e que eu conheço há muito tempo; meu mano véio! Um querido!

 

0 comentários:


Minha foto
2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

Arquivo do blog