Preconceito X Encontro


      Histórias que não gosto de contar aos meus alunos são estas sobre a brutalidade no trato, a violação dos territórios e direitos, culminando no massacre dos povos indígenas e a escravidão no Brasil. Também as de menos-valia em relação às mulheres e outras minorias. Mas conto.
Raízes fundas de desrespeito, preconceito e dor que precisam de muito amor, reflexão e trabalho voltado à consciência individual e coletiva para curar, mudar e transformar, eliminar.
Por outro lado, eu me regozijo contando histórias sobre personagens relacionados a eles, sua resistência, suas lutas e conquistas! Verdadeiros heróis e heroínas!
As cores e as formas e a expressão dos nossos corpos e de todos os corpos dos demais seres da natureza, são adornos belíssimos da singularidade, do coração e da alma que habita cada um. O verdadeiro encontro não é com o invólucro, é com o conteúdo. Para uns, isto é tão claro, tão natural, tão espontâneo, que é até ridículo falar. Pena que para outros, não. Com estes, é preciso trabalhar, semear, forjar em dura batalha; caso contrário, perpetua este olhar arrogante e ignorante dos que desprestigiam, banalizam e oprimem tudo e todos os que são diferentes.

Ciranda

    (Caricatura: Guilherme Schmitz)

No tabuleiro dos dias
ontem estávamos assim ...
Hoje, não mais...
“Passa, passará
quem de trás, chegará”...
Uma geração
sucede outra...
as  singularidades
têm continuidade...
Tons e tiques,
sentimentos,
jeitos de olhar
o horizonte
e a lua cheia;
tocar e pegar a colher...
sonhar a vida
e pagar as contas;
a textura de cabelo
e o exercício do ofício...
Bagagens e acessórios
atualizam... renovam esperanças!
Aos cabelos brancos,
à calmaria do passo
e do abraço
sucede a vitalidade ;
o ímpeto
a alegria
do novo!
Permanece o encanto
e a curiosidade
fazendo enlaces...
Delicadezas, preferências,
inteligências, traços,
debilidades, histórias
que se repetem,
mudam de rumo,
transformam
renovam
aprofundam...
Tudo coisa de Mãe!
Da Grande Mãe!
Que no amoroso ventre,
com seu velho, perseverante
e bom coração,
segue nos forjando,
a nós, mães,
em duras e doces provas,
para gestar, manter
e transformar a VIDA...
esta ciranda sem fim,
este movimento incessante
de encontros, desencontros
e recheios personalizados,
inusitados,
apaixonantes!

Investigação noturna

         


    Irresistível este amor bandido do gambá pelas galinhas, especialmente pela Brigite! Ela vem sobrevivendo a ele, ao contrário da Magali, Lola e Chochô; que lutaram, é verdade, mas sucumbiram. Brigite foi a primeira que chegou ao galinheiro e pelo jeito, será a última. Sobrevivendo, ela se fortalece, mas percebo que está cansada. De lutar e de ficar sozinha. Sente falta das companheiras e da companhia.
         O ataque, à noite passada, foi terrível. Acordamos com o seu cacarejar forte, desesperador! Era lá do outro lado da casa, mas parecia que estava ali, ao nosso lado. Ela tinha certeza que ouviríamos! Confiança construída.
O vovô saltou, impulsivamente da cama, sem colocar agasalho e calçados nos pés. Atravessou o escuro e se jogou no frio da noite, para dentro do galinheiro, de uma altura de 1,50 cm... Considerável, no escuro. Embora conhecesse o terreno, como a palma da mão; a emoção poderia atrapalhar suas percepções... Mas ele foi preciso!
         O gambá estava com “a boca na botija”. O embate foi épico! Isto testemunharam as bananeiras, o coqueiro, o vento, as roupas no varal, em cima do galinheiro e a vítima, encolhida, paralisada junto à cerca. O “herói” sexagenário e vencedor, após alguns minutos, emergiu das sobras da noite... Teve  misericórdia para com o agressor vencido, afugentando-o para dentro da mata. E encaminhou Brigite, sã e salva, aos seus “aposentos”, dentro do galinheiro. Ela tremia, apavorada! Ele limpou-se e, tranquilamente, voltou para o sono interrompido.
         Quando o dia clareou o cenário, vimos os estragos: penas para todo lado e a Brigite... Ops!!! Sem rabo! O gambá arrancara o seu rabo de penas!!!! Oh! Que lástima! Era tão lindo!!!!
         A notícia espalhou... houveram comentários entre os familiares, via internet e uma visita, pela manhã. À noite, a pequena chegou, lupa em punho; muito séria:
         - “Vamos investigar, vovô! Vamos achar o rastro deste gambá e falar com ele”!
         - Se vocês o encontrarem, o que vai fazer? – curiosa, esta vó!
         - “Vou dizer pra ele: - Pare de pegar nossas galinhas! E vou perguntar por que ele tirou o rabo de penas da Brigite! Olha só... agora ela ficou sem rabinho e está com frio, coitadinha! ... Vovó! Vovó! Vovó!!!! Acho que eu sei por que ele pegou o rabo de penas”!!!
         - É? ... Por quê?
         - “É porque ele tem um rabo muito feio! Acho que queria enfeitar com as penas da Brigite”!
         Detalhes acertados, os dois detetives mergulharam na noite fria, atrás do gambá; de bota, toca, cachecol, chapéu, casacos e muita coragem. Para iluminar suas intenções, a lanterninha antiga...
         Uma eternidade depois, retornaram. Serviço feito mas não feito.
         - “Não encontramos o gambá, vovó! Estava muito escuro. Muito frio. Acho que ele não vai sair de casa, hoje... Mas eu falei pra Brigite: - se ele aparecer, grita que a gente vem te salvar”! Hoje eu estou aqui e vou ajudar!
         Depois, preparando-se para dormir, numa conversa “entre meninas”:
         - Você foi muito corajosa andando lá fora, atrás do gambá... mas também... com estas botas!
       -  “É ... a gente investigou bastante... mas eu não caminhei, vovó, eu fiquei no colo do vovô!





Trabalho


 A quê viemos, mesmo?
Ah! A trabalho!
Então, ao trabalho!




Espero


O  sol se recolheu
antes da hora.
De certo tinha um compromisso
lá no outro lado
do morro...
Esta ausência
fala de lugares,
em minha casa,
onde não me deixo ficar;
daqueles
que eu não vejo
não falo
não abraço!
Das árvores que não olho.
Do tempo que não alongo
com meus filhos!
Do que ensaio
e não faço!
Ah! Queria não ter
isto e aquilo,
para fazer
isto e aquilo!
Bom deve ser para Deus,
onipresente!
Cuido, cuido e não  cuido.
Amo, amo e não amo!
Espero.


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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