De puro amor!

Belas assim...
é de amor!
De um que fala
pro outro:
- Meu amor!
Belas assim,
só por amor!
De um que vê
no outro:
- O meu amor!
Belas assim,
de tanto amor!
De um que
alimenta no outro:
 amor!
Belas assim...




Convivência

            

      
      Observei o lagarto, as galinhas e o gato Sig, convivendo com tranqüilidade, no quintal; partilhando espaço e comida com uma civilidade que se torna rara, no campo dos seres humanos.
Todos os dias fica mais claro que conviver, no planeta, está difícil! Avanços na linguagem, na escrita e no pensamento; descobertas e desenvolvimento científico e tecnológico não eliminaram a barbárie. Ela continua viva; mais viva do que nunca dentro do homem. Intolerância, menos-valia, ganância e arrogância corroem as relações, espalham desconfiança, alimentam intrigas e mal entendidos; disseminam insegurança, distanciamentos, inverdades, isolamentos, terror e violência. O que aparece, cotidianamente, é que “humanos não pensam em estratégias para conviver melhor uns com os outros. Pensam em estratégias para viver melhor uns do que os outros. O que pouco aparece é o afeto, partilha, escuta, solidariedade e poesia. Estes nunca estão nas manchetes; mas sobrevivem no anonimato. Teimosos e apaixonados, crescem, perseverantes, por entre grosserias, ironias, pessimismo, preconceitos; infantilidades, limites, impotências, ignorâncias e hipocrisias.
      Por isto, quando vejo galinhas, lagartos e gatos que conseguem conviver; encontrar maneiras de manter e respeitar o espaço, um do outro;  eu me emociono e alimento minha esperança! 

Elas dançam!


As folhas dançam!
Como dançam!
As românticas,
na brisa fresca e perfumada
das manhãs e das tardes de primavera!
As apaixonadas e arrebatadas,
nos temporais da madrugada!
As melancólicas,
nas ventanias de inverso!
As afobadas e impulsivas;
no ritmo do minuano ruidoso...
E todas dançam!
As pequenas
as raras
as compridas
as exóticas
as amareladas,
as belas
e as que ninguém vê.
Fecham os olhos verdes
e dançam...
As reservadas e inseguras:
coreografias belas
mas contidas.
As mais soltas?
Estas, tão soltas
que de tão livres
desprendem-se
de marcas,  limites
e ritmos...
... e não dançam mais;
flutuam!
Diluem-se
no tempo
e na entrega;
felizes como ninguém!

Esperança

Por  vezes
a vida é esta
sucessão de desencontros
impotências
mal entendidos
mal interpretados,
mal intencionados
grosserias, asperezas,
Babel.
Mas há também
esta doçura
que cativa, abraça;
que produz encontros
de olhar
de palavra
de gestos
e de silêncios;
que aproxima
e enlaça.
Alguém compreende e ajuda;
abraça, telefona, escuta;
manda uma mensagem...
Alguém se importa com alguém
em algum lugar.
Alguém pergunta e confia:
- Você gosta de mim, vovó?

Lógica infantil

   Brigite e Lola   
        Minha netinha, de quase três anos, vive um momento de grande interesse pelos cachorrinhos; uma mistura de medo, curiosidade e apaixonamento ao mesmo tempo:
- “Vovó, “puquê” o cachorrinho tá amarrado”? “Puquê”  o cachorrinho tá sozinho? Ele não tem mãe? Onde está a mamãe dele”? “Vovó, onde vai aquele cachorrinho, ali”? “Olha, vovó, aquele  cachorrinho na janela do carro... ele tá feliz”! “Aquele cachorrinho é  “babo”, vovó? Tenho medo... mas eu queria “pegá” ele”... “Puquê” aquele cachorrinho “tá tisti”, vovó”?...
E assim vamos, passeando pela cidade. Cada encontro com um cachorro: uma parada, uma conversa; uma história que ela começa e que eu continuo, “viajando” com ela! Uma delícia!
        Em minha casa, temos duas galinhas: Brigite e Lola.  Todo dia, cada uma põe um ovo. Coisinha linda! Quando começam a cacarejar exageradamente, já sabemos o motivo, é só ir buscar: os ovos estão lá! A netinha sabe.
         Hoje, no final de um dia intenso de aventuras com a vovó (eu!), enquanto o papai e a mamãe trabalhavam; saíamos  tagarelando do seu apto, nos preparando para a despedida. No corredor, ouvimos o latido insistente do cachorrinho da vizinha de apartamento:
        - Ó vovó... um cachorrinho...
        - É... onde ele está? – perguntei, fazendo de conta que não sabia.
        - Tá ali, no “apatamento” da vizinha, vovó.
        - Ahhh... e por que será que ele está latindo assim? – insisto, imaginando que me diria que ele queria a mamãe dele. Fui surpreendida:
        - Acho que ele “qué botá” um ovo, vovó!
Esta  foi a resposta imediata, firme e muito clara da pequerrucha, que encaminhou-se para o elevador sem olhar para mim, decidida!
        Fofa! 
  Bidú








As filhas do nono e da nona (II)

     


          O nono e a nona tiveram nove filhos: cinco mulheres e quatro homens. Uma história bonita e valorosa: a que viveram juntos e depois, a que cada um construiu e escreveu com sua própria família e, que  agora, continua  através de nós, nossos filhos, netos...
     Aprendi, pelo olhar, sentimento e  relatos de minha mãe e também convivendo, a admirar muito os tios, homens trabalhadores, que deixaram  belos exemplos para os filhos e todos nós.
     Por ser mulher, minha identificação e observação maior foi direcionada a elas, às filhas do nono e da nona; por quem  tive e nutro grande afeto. 
      Na foto, faltam duas (precisamos reuní-las para fazer uma foto oficial): uma tia que mora numa cidade ao lado e outra tia, queridíssima, que está muito enferma. Aparecem apenas três: minha mãe e duas tias.
         Sempre admirei a cumplicidade destas cinco irmãs e sonhei muito em ter uma irmã para dividir a vida, como elas. Mas não tive. Na infância, eu gostava de ir com minha mãe na casa da nona ou de uma e outra tia, semanalmente, para o “mate”, quando também encontrava algumas primas e primos. Estes, eram muitos. Alguns mais velhos, estudavam naquele turno ou trabalhavam e, assim, não nos encontrávamos tão amiúde; mas a quem, nós, os menores, olhávamos com admiração. Também visitávamos, com certa frequência, a casa da tia que morava na cidade vizinha, em finais de semana ou nas férias, o que era um grande acontecimento!
     Além de brincar, eu, particularmente, nestes encontros, adorava observar que enquanto o mate ou o chá-de-mate girava, junto com as bolachinhas, cucas, bolos ou calça virada, a vida era atualizada. E elas, minha mãe e as tias, riam muito e também se queixavam de coisas que não lembro. Eu lembro apenas da sintonia, do calor e de como era bom ficar ali, entre elas, ouvindo o que não entendia, mas que intuía ser do universo feminino; feito de sutilezas, muito trabalho e da alegria que elas extraíam da sua rotina de labuta, dificuldades, limites, sonhos, expectativas. Estas sutilezas eu assimilei. Elas ficaram registradas no mais fundo de minha alma e em vários momentos e fases da minha vida, vieram à tona. Pude compreender, transformar e amadurecer graças a elas. Mulheres trabalhadeiras, caprichosas e peritas na arte do asseio da casa; do passar uma roupa, lavar uma calçada, preparar um mate; fazer uma comida gostosa; um doce mais do que doce!  E ainda, na arte de ocupar-se com os filhos, os netos; acolher uma a outra... Cada uma, a seu modo, agindo e reagindo diante da vida e suas demandas; fortes, talentosas, jeitosas, belas; com uma elegância natural.
     O tempo passou. Distâncias geográficas se instauraram, mas quando eu as reencontro, o afeto e a conversa fluem como antes.    
     Queridas mulheres formidáveis!  Que com o pouco, sempre fizeram muito; extraíram essências;  seguiram em frente, nem sempre acertando, nem sempre agradando; mas "segurando pontas", feito rochas, porto seguro, abrigo... Eu reconheço e vejo vocês (e o que não alcanço ver, intuo) e todo seu brilho, toda sua beleza, sua generosidade e todos os seus feitos cotidianos (uma lista longa que sai do anonimato na medida que aprofundo o olhar) dedicados, na gratuidade, aos seus queridos e a tudo que seus corações elegeram como valor. 



         


A árvore e a menina


A menina nasceu
e de felicidade
o pai plantou
a árvore.
Coisa linda!
Crescem juntas
no trajeto dos dias
entre cuidados e afetos:
a árvore e a menina.
Uma aprofundando
altura e raízes,
a outra, conhecimentos
e doçura.
Definindo, ambas,
a cada ano,
contornos e adornos.
Antecipam frutos:
gentileza, finesse, carinho;
sombra, quietude,
abrigo de passarinho.
Um pouco inibidas,
bastante talentosas
vão se encaixando
no ambiente e no
coração da gente,
suave, de mansinho.
A cada amanhecer
acordam curiosas;
olhos brilhantes,
verdejantes;
olhando o horizonte
ansiosas de vida,
surpresas, magia.
Lindas!
Musas para
o poeta do dia.


Ijuí


Comecinho de inverno,
em pleno Janeiro?
Mas parece.
Brisa geladinha,
sol aquecendo devagarinho...
me abraçando
com delicadeza.
Dia luminoso,
fundo azul
recortado por
flocos brancos
planando
de olhos fechados,
ao sabor do vento...
Em cada canto,
um conto,
um canto,
um rosto e
um reencontro comigo, antes.
A cidade
suas ruas, casas,
árvores, rotina, de antes.
Mas, também
coisas ali plantadas
que não vi crescer.
Rostos maduros
que não vi nascer.
Paisagens transformadas
que não vi mudar.
Colunas, prédios, muros
que não vi gestar...
As raízes estão ali.
Pulsando, palpitando
me acarinhando.
Saudade de mim aqui,
em Ijuí.

Férias engarrafadas

       
       O engarrafamento parecia grande.
- Ô seu guarda! Como estão as coisas?
- Ah, meu amigo... umas três horas para fazer estes 15 km e entrar na BR 101!
Bah! Três horas era muito. Resolvemos voltar para a casa dos parentes e tentar regressar a nossa casa, mais tarde da noite.
Três horas depois, nova tentativa. Mas já não foi possível chegar, de carro, até o posto da polícia rodoviária. O engarrafamento estava visivelmente maior. O jeito foi caminhar até lá... saber alguma coisa...
- E daí, seu guarda, como estão as coisas?
- Pior, como está vendo! Umas seis horas, agora, para fazer os mesmos 15 km até a BR...
Ah, não! Seis horas não ia dar para agüentar!
- Olha, se vocês tiverem onde dormir, melhor voltar e tentar amanhã bem cedinho... o pior é que os hotéis estão cheios... – completou o guarda rodoviário.
Sim, tínhamos a casa dos parentes, dos quais já havíamos nos despedido por duas vezes naquela noite! O jeito foi voltar, “desasados”. Passar a  madrugada dormindo sentado dentro do carro seria uma péssima opção para marcar estes primeiros dias do ano novo; especialmente para nós quatro, de cinqüenta, sessenta, setenta e oitenta e poucos anos (eu, meu marido, minha mãe e meu pai) respectivamente...
Os parentes, é claro, nos acolheram! Conseguimos chegar em casa no dia seguinte, não sem antes “engarrafar” por uma hora e meia, naquele mesmo trecho.
De lá para cá, tenho pensando muito e muito no ocorrido... Ficamos literalmente prisioneiros naquela noite, em Itapoá, SC. E sem celular e sem internet para comunicar o ocorrido aos familiares que estavam nos esperando, em BC. Como é que pode? Minhas férias são em Janeiro e não posso me deslocar de onde moro para ir onde desejo e quando desejo: visitar pessoas, lugares, ir ao supermercado que gosto, ao centro da cidade, etc; se não sair de madrugada ou no horário que o “trânsito” permitir e voltar muito tarde. Ao supermercado, por exemplo, que fica sete\oito quadras de minha casa, tenho ido entre 1h00-2h00 da manhã; porque nesta época do ano, atendem vinte e quatro horas... Tenho que escolher: ou me submeto a isto, ou fico em casa ou perco parte do tempo\dia no engarrafamento. Foi então que me ocorreu, numa tentativa de adaptação ao que os “novos tempos” sinalizam;  criar uma nova opção de lazer: engarrafar nas férias!
Assim, ó: a gente combina e programa: “vamos engarrafar”? No lugar de piquenique na praia ou na beira do rio;  piquenique nos acostamentos. Em vez de caminhar\correr\andar por trilhas verdinhas ou na areia, ou na ciclovia; fazer isto por entre os carros enfileirados. Abrir cadeiras e pegar um bronzeado, aproveitando o sol a pino e o seu reflexo na lataria dos carros. Para quem não quiser o sol, fixar guarda-sóis entre os carros e bater papo, tomar chimarrão, comer bolachinha ou comprar quitutes que são oferecidos pelos quiosques improvisados na beira das estradas. Levar garrafões com água, para um banho refrescante a cada pouco, como se fosse um banho de mar ou rio, ou piscina. E, ainda, brincar de jogar água, umas famílias nas outras; fazer uma “guerra de bexigas”; o que refresca e descontrai, canaliza a raiva (se ela aparecer). Também outros jogos como: “queimada” (com uma bola bem levinha para não quebrar os vidros dos carros);  “bola na cesta”... até um bailão dá para fazer entre os carros e no acostamento!  Excelentes “pedidas” para estabelecer e estreitar laços socio-afetivos neste novo contexto.... 
Estava “me divertindo” com a ideia até que minha cunhada lembrou das “ondas de assalto” nos engarrafamentos. Nossa! Minha ironia perdeu feio para o pessoal do “Mal”, ligeiro na organização, criatividade e agilização do seu fazer; inviabilizando, ou praticamente, desacreditando o meu, por antecipação. Mas só por um momento; porque o pessoal do “Bem”, onde me incluo, não esmorece! Muito mais criativo e perseverante!  Vamos encontrar alternativas.


Resgate


Num pavoroso instante,
a escuridão me toma:
o vazio das palavras!
Embora? Para onde,
minhas palavras?
Busco no vento
nas melodias
na lua silenciosa
no horizonte tranqüilo
nos morros verdes;
e investigo na poesia
no riso das flores
nas nuvens fugidias...
Como tudo pode continuar
como se nada fosse,
nada houvesse?
Perdi-me delas,
quando esqueci de mim
lá no labirinto
das asperezas e securas.
Volto... num resgate alucinado:
não me deixem sem meu ar!
... nas fundezas, escombros
e descampados,
zumbis, elas agonizavam!
Queridas! Queridas! Queridas minhas!
Desilusão alguma
justifica tanto relapso,
tal estrago,
tamanho afastamento!
Perdão!
Ah! Novamente respiro!
Pulso! Vibro! Ressurjo!
Juntas! Ressignificadas: 
eu e as palavras!


Em frente!

        

            Imagem da internet
        Os sons da manhã chegaram dentro do meu sono. Abro os olhos e a luz do dia produz alegria! O calor das cobertas porém, não me deixa levantar e fecho os olhos por mais um pouquinho, vibrando, feliz, porque ainda tenho um tempo antes de ouvir o despertador!   Quem não vibra quando isto acontece?
Da maciez do travesseiro e através da janela, contemplo o que se passa  lá fora: a beleza do dia com todos os convites implícitos à alegria e às infinitas possibilidades de coisas boas acontecerem ou serem forjadas... Isto, porém, não consegue tirar o peso da outra realidade: a minha, a humana; com suas questões e desafios; seus testes, pegadinhas, fraquezas, mesmices e misérias.
Vou dizendo a mim mesma, a minha inquietude: “isto não é importante; tudo bem; aquilo não tem importância; não faz mal, passa logo; dá para ficar sem; não importa, você agüenta; está certo assim;  você suporta; é melhor assim; é bem isto que deve acontecer; você consegue; não podia ser diferente; você é forte; neste momento o outro é mais importante; você supera; tem que ver o lado do outro; você não está certa nisto”... e estas mensagens vão acarinhando, curativando os buracos, as dores, frustrações, os medos, as saudades, a impotência, limites, as mágoas, solidão, os apegos... então sinto minhas bordas e me reconheço individual, só e inteira: eu! E só. E pronto. E é isto.
Então levanto. Respiração tranqüila. As emoções acomodando-se, ante todas as bandeiras de paz espalhadas na mente. Vamos (eu e minhas singularidades) em frente: há tanta coisa para fazer! 


Vagalumes na janela

        
     Vento e chuva. Inicio da noite; auge da temporada e do calor: um apagão. Sem luz, sem ar condicionado, sem ventilador, sem TV, sem geladeira (ai, meus geladinhos de açaí!) ... 
      Em casa, ficamos assistindo a noite vestir suas roupagens, acostumando nossos olhos às sombras. Vencido o primeiro momento do desconforto e das lamentações, nos aquietamos e acomodamos ao novo; na verdade, ao velho; ao que já foi um dia.
        Algo bonito desvelou-se diante de nossas janelas! A chuva parou. O vento aquietou. Uma mansidão nos envolveu e o desejo de conversar nos mobilizou, sem pressa, sem ansiedade. Contemplamos o contorno dos morros,  mais delineado; vimos o céu mudando de cor suavemente e a cantoria da passarada amainando... até surgir aquele silêncio preenchido de sossego e os vagalumes aparecerem! Lindos! Riscando a noite, agora totalmente escura, como se fossem fósforos acesos aqui e ali, por criaturas aladas... Fizeram um bailado por entre as árvores da mata ao redor. Uns viam seus reflexos nas janelas e se aproximavam, pensando que eram outros vagalumes companheiros, batendo de leve nos vidros. Dois deles entraram dentro de casa. Meu filho pegou e pudemos verificar suas “luzes”, esverdeada  e amarela .. coisa bela! Como pode? Mãe natureza abençoada, com estes filhos tão singulares!!!! Ficaram um tempo ali, diante de nós, todos eles, numa performance maravilhosa de movimentos e brilhos, sensibilizando nosso olhar.
        Conversas e lembranças foram surgindo, numa proximidade gostosa; onde a escuta foi a tônica. Bom escutar a voz do outro, no escurinho. Descobrir tons, nuances... Por momentos fechei os olhos e me detive neste escutar... maravilhoso! Minha mãe lembrou coisas da infância, vivida em Ijuí (RS); de quando não havia luz elétrica e utilizavam lampiões; de quando os banheiros era fora de casa e à noite usavam os pinicos, guardados embaixo das camas. Lembrou; de quando, por falta de água suficiente, nas casas, a mãe dela, duas vezes por semana, escolhia uma das filhas para ajudar; colocava toda a roupa da família, que era grande, num cesto e as duas iam, cedinho, de carroça, para a beira de um rio, longe da casa. Lá, passavam o dia, retornando só à tardinha. Lavavam toda a roupa no rio; umas deixavam por um tempo “quarando”, estendidas ao sol, no gramado verdinho ao redor do rio e depois esperavam todas secarem ao sabor do vento e do calor, estendendo-as sobre arbustos e árvores. Levavam lanche para o almoço. Antes de voltar para casa, dobravam tudo bem arrumadinho... assim passavam o dia, nesta lida trabalhosa; sem imaginar  que um dia existiria  sabão em pó, máquina de lavar, secadora e varal de todos os tipos... Detalhe importante é que o rio, este e os outros que banhavam a cidade, eram de águas limpas! Podiam lavar as roupas e podiam banhar-se; num outro momento.
Meu marido lembrou da infância na colônia, no interiorzão de Nova Prata (RS) ; onde também não havia luz e de como, seu pai, um homem simples, mas  inventivo e de rara inteligência, levou luz para casa, produzindo sua própria energia, construindo uma roda d’água e aproveitando as águas do rio que passava perto. Lembrou de pequenas\grandes coisas que aos poucos foram trazendo conforto  e diminuindo o trabalho para a família, construídas pela mão do pai e aprendidas pelos filhos, que atentamente observavam e valoravam os feitos do pai.
Meu pai lembrou do tempo em que viajava (e sua profissão era conhecida como “caixeiro viajante”) por precárias estradas de chão, pelo  interior do RS e divisa com SC... sujeito ao barro ou ao pó e de como era grande a solidariedade e acolhimento dos fregueses em suas “lojas”, “bolichos”, “atacados”, “vendas” ou “comércios”, espalhados aqui e ali, em distantes povoados; vilas, cidadezinhas, beiras de estradas, “fim de mundos”; convidando-o  para almoçar, tomar um refresco  ou para pernoitar nas casas; partilhando o que tinham.
E eu lembrei do meu nono, Isidoro. Depois da “janta”, quando eu era criança, a mãe lavava a louça e descíamos (pois morávamos numa rua mais elevada; quem conhece Ijuí, sabe dos “sobes e desces”) para fazer uma visita, um serão na casa do nono e da nona, que moravam umas duas quadras de casa. Não conhecíamos televisão, ainda. E o bom era ir na casa dos parentes, conversar. Nós, crianças, adorávamos ouvir as conversas dos adultos e ficávamos ao redor ou no  colo deles, quietinhos, ouvindo... Bom mesmo era ir na casa dos nonos!  Na minha  lembrança, a nona Virgínia era mais séria, cara de brava e um pouco resmungona. Sempre tinha uma reclamação de algo, alguém; especialmente criticava as modernidades; das quais não gostava e às quais os netos estavam sujeitos e por quem ela temia; eu nem lembro quais eram estas modernidades... mas me esforçava para agradar a nona. E ela sempre tinha um doce para agradar a gente! Eu esperava com ansiedade o momento em que ela preparava um pratinho e colocava em cima da mesa para que nós nos servíssemos... O nono “Doro”, como alguns chamavam, era muito alegre! Pelo menos na minha lembrança! Falava muito alto! Tinha um cabelo grande e uma barba descuidada, embranquecida. Pegava a gente no colo! Cantva e contava “causos”, histórias que entremeava com silêncios; quando ou tomava uns goles de chá de mate ou preparava um “paiero”, um cigarro de palha. Eu gostava de vê-lo preparando o “paiero”: cortar as tirinhas de fumo, que tinha a aparência de um salame preto; abrir a palha de milho; arrumar o fumo picadinho, desfiadinho dentro e depois enrolar, devagarinho, até ficar pronto... daí, acendia, fumava e soltava a fumaça para cima, sem pressa... e aquele cheiro de fumo ia tomando conta do ambiente... tão bom! Era um ritual fantástico! Eu achava o nono um homem muito forte e importante. À medida que fui crescendo, aprendi a admirar meus avós e pais pela vida e feitos que viveram: todos uns sobreviventes vitoriosos e valorosos. Hoje, de modo geral, dá-se muito pouco valor ao que temos e ao que nos foi legado pelos pais e outros que nos precederam. É uma pena! Falta às crianças estes modelos para admirar e nos quais se espelhar.
A noite terminou, para nós, desta forma inusitada e rica, num dos balneários mais famosos de SC: sem luz! Acendemos uma vela para chegarmos até nossos quartos. Depois, com certeza, cada um ficou a sós com suas recordações e reflexões. Os sonhos, com certeza, belos. Os meus, pelo menos, sim!  Feito vagalumes batendo na minha janela...

Perder para (re)encontrar

Perder o sonho
a vontade
a crença
a compostura!
Enquanto não se perde
não se valora
não se (re) encontra
e a vida descolore.
O reencontro
aviva o sonho
a  vontade
a crença.
Recompõe.


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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