65 - Celebração

      “A celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festa de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte”. (Rubem Alves). 
                  Bonito! E especialmente hoje, eu me sinto, além de sensibilizada, presenteada com as palavras do poeta! E quando se descobre que é possível transformar a morte em “amor-te”, a vida se dignifica, tornando-se uma celebração cotidiana!

64 - Lua cheia II

Uma coisa escandalosa...
... de bonita!
De tirar o fôlego!
De emocionar
de paralisar o andar...
foi a lua que encontrei
de madrugadinha!
Toda vaidosa, faceira.
Apaixonada!
Sim, só pode!
Bela, envolvente,
na quietude da noite!
Por que se enfeita assim,
somente nas madrugadas?
Só para poucos
(ou só para um?)!
Nossa!
Se durmo mais
um pouquinho,
perco, não vejo
e não me contagio!

63 - Coisa boa!

          Rubem Alves falou que “ciência é coisa boa”. Eu também acho. Descobrir coisas é muito bom! Redescobrir, ainda melhor! Adoro ver os meus alunos coletando folhas, flores, bichinhos, pedrinhas, galhinhos... trazer para a sala de aula, pro nosso “cantinho” das ciências. Por vezes vejo um e outro sozinho ou em pequenos grupos, olhando, durante a aula, as coisas coletadas; analisando uma mariposa, um grilo, uma aranha morta, encontrada na rampa. Eu digo a eles que são “pequenos cientistas”. De repente lá vem um, com uma lata na mão: “olha só que formigão encontrei no quintal!... será que ele vai fugir?...”. De quando em quando vem um aluno de outra sala com alguma coisa na mão para doar, colocar no nosso cantinho (todo mundo sabe que na nossa sala tem um lugar para estas coisas): “eu trouxe lá de casa esta borboleta morta pra colocar junto com os outros bichinhos aí na tua sala...”. Algumas vezes também recebemos visitas; gostam de vir ali, olhar... estes dias, alguém trouxe um filhotinho de cobra coral encontrado por aí, morto, lindo! Foi uma festa! Muitas teorias, muitas hipóteses sobre o seu veneno... uma cobra sempre produz muitos efeitos! Temos também um pedaço de osso de baleia (a diretora nos presenteou) e sobre ele muito se discorre, todos os dias! Acontece, também, de entrar uma e outra borboleta pelas janelas; passarinhos virem cantar nas proximidades; um tucano pousar na árvore mais alta... Na verdade, nada sofisticado, nada inovador. Tudo muito simples mas cheio de magia! É especial perceber o brilho de curiosidade nos olhos deles! É curiosidade saudável, bonita que se deslumbra, assombra, encanta com as pequenas coisas! E isto, de fato, é uma parte muito boa: redescobrir o mundo através dos olhos deles! Todos os dias. Todos os anos. É magia, com certeza!



62 - Apenas estar ....

            Há quanto tempo não ficava assim... ouvindo o silêncio do mar, presenteando os olhos com a infinitude e alimentando a alma com a beleza do entardecer que se entrega com gratuidade, respirando ritmada e pacienciosamente. Aos poucos entro em sintonia com esta respiração e tudo em mim aquieta e se e entrega. Nada de correr. Nada de responder. Nada de resolver. Nada de fazer. Apenas me sentir, conversar comigo mesma, cuidar desta que eu sou; assim como parece fazer a gaivota solitária, à beira da praia  e o barco, lá na linha do horizonte, ondulando nostálgico, esquecido das horas. Como é bom este encontro íntimo com as coisas que se gosta! Por vezes, parece que no cotidiano eu me atropelo e fascino diante dos inúmeros afazeres, me perco, fico à deriva e à margem daquilo que clama e urge, dentro! Relegando a segundo plano o que precisa e merece estar em primeiro. Que delícia a solidão preenchida quando contemplada nas suas reclamatórias de espaço e de tempo! Tanto quanto a cumplicidade de mãos que se enlaçam para partilhar amor.

61 - Despedidas

Em todos os instantes
despedidas...
Algo está
algo é
e logo em seguida
já se vai...
Fica aquele
fio compriiiiiiiiiiiiiiido
de saudade
alimentando
o que não é mais.

60 - Boazinhas e queridas



Meigas, mimosas
queridas, suaves
quase perfeitas!
Disponíveis,
solidárias,
atenciosas,
quase anjos!
Tudo suportam,
tudo crêem
nada exigem,
tudo perdoam,
quase santas!
Nos altares
nos asilos,
em casas,
nos locais de trabalhos
nas relações
para se recorrer,
confiar, contar
e demandar;
passivas,
(nocivas?)
quase invisíveis
quase desejadas
quase valoradas
quase respeitadas
quase amadas
quase felizes
quase nada.

59 - Flores

Flores brotavam
na intersecção
e abraçavam a cruz
sorridentes
belas
coloridas
singelas
faceiras
entre os
contidos verdes
muito verdes e
mosquitinhos brancos
evidenciando
a parceria
cúmplice
e amorosa
entre força
e fragilidade
dor e alegria
paixão e
redenção.

58 – Sempre perto

Mesmo com as
distâncias físicas
por vezes imensas,
a gente sempre está
perto de quem
gosta e admira;
a um passo
de um abraço!





57 - Algo na plantação de Eucaliptos...

         Beirando a estrada solitária, uma grande plantação de eucaliptos (Eucalyptus, do grego, eu + καλύπτω = verdadeira cobertura). Em frente e ao redor, a perder de vista, floresta nativa. O sol declinava, sonolento, despedindo-se com cores suaves e nostálgicas espalhadas pelo céu. Uma brisa gostosa acompanhava a quietude que descia pelos morros convocando a passarada barulhenta para o retorno aos ninhos e ao silêncio... Cotidiano e repetitivo, mas sempre encantador! Observei então, um movimento diferente entre os eucaliptos... Como disse, havia uma brisa sutil, que produzia um efeito prazeroso na pele, no corpo, mas insuficiente para balançar as copas das árvores. E todas que meus olhos podiam abarcar estavam imóveis, centradas, reverenciando o majestoso crepúsculo. Menos os eucaliptos! Entre eles havia um buliço, um alarido! Eles se agitavam, se tocavam e neste movimento produziam um murmúrio, uma melodia singular que convidava à aproximação. Pareciam conversar, ora dançar! Cheguei bem perto e espiei. De fato algo acontecia ali, dentro estava mais escuro que fora, mas havia uma claridade tênue, diferente, que minha imaginação interpretou como mistério, magia e com meus olhos internos eu visualizei elementais, criaturas inefáveis, esvoaçantes e belas; felizes, comemorando a beleza do dia que se despedia e, com certeza, a graça de mais um dia! Sim, porque nestes tempos de devastação e desrespeito à natureza, mais um dia de vida, vale comemorar, especialmente os eucaliptos, que ali, têm um tempo limitado e um destino certo: servir de escora nas edificações de concreto que se erguem e invadem a cidade, feito pandemia.

56 - Música e beleza

                Algo delicioso, um presente maravilhoso dos “deuses” para todos nós, é a música! Sei que muitos e muitos concordam comigo! Acompanhei, na sexta, um aluno em adaptação na escola, na aula de canto. Um momento ímpar! Na sala iluminada pela claridade do sol, sentados no chão, ao redor do piano, alunos do 4º ano, alegres e descontraídos, faziam a leitura das melodias do repertório da manhã. De repente, acordes no piano, produzidos pela professora, fizeram a chamada e todos silenciaram. E meu coração disparou como sempre, ao som deste instrumento. O conjunto de vozes era lindo! E cantavam com prazer! Sorriam e ao mesmo tempo estavam compenetrados e não houve nenhum som dissonante! Eles sabiam os tons, os altos e baixos e, como disse e é importante repetir; cantavam com prazer e as melodias enchiam o ambiente e se projetavam para além dele e, em quase todos os cantos da escola era possível inebriar-se e relaxar! Impossível, naqueles momentos, era conceber que podemos criar melodias maravilhosas, extrair sons belíssimos de instrumentos e de nossas vozes; experimentar emoções sublimes quando da audição dos mesmos e, em outros momentos, produzir tantas coisas dissonantes, grotescas até... E as crianças, vivendo intensamente seu momento presente, cantavam palavras assim, que acordavam e faziam vibrar os meus sentimentos: “apagaram tudo, pintaram tudo de cinza”... “nós que passamos apressados pelas ruas da cidade, merecemos ler as letras e as palavras de gentileza”... “ Amor, palavra que liberta, já dizia o profeta”..."hoje é semente do amanhã”... “não se desespere não, nem pare de sonhar”... “nasça sempre com as manhãs”... “fé na vida, fé no homem”... tão bonito! E o menino, que está conhecendo a escola, capturou e falou, tocado: “quero ficar aqui; quero aprender cantar...é a escola mais bacana que eu já vi”! E eu entendi o que ele quis dizer; que havia ali acolhimento e espaço para a expressão dos sentimentos, coisa que as crianças percebem, “sacam” mais rapidamente do que nós adultos.

55 – Entre as farpas, por vezes

       A tendência é fugir, tanto faz se para dentro ou para fora, quando dores ou dificuldades dizem: “presente”. Uma porção de energia e tempo empregados em vão, nesta estratégia. Bobagem. Não se consegue fugir disto que é pessoal e intransferível, seja ele passageiro ou duradouro. Melhor mergulhar, logo de vez; deslizar por entre as farpas; quem sabe se aprenda, compreenda e se chegue do outro lado, melhor. Por entre as farpas, alheias e lindas, borboletas coloridas balançam ao sabor da doce brisa, presas ao móbile da janela. E cada um vê e interpreta, reage,  de acordo com seu conteúdo.

54 - MULHER

Ligo e desligo
deleto e volto atrás
a velha e a nova
a infantil e a madura
a criança e a mulher
a santa e a pecadora
a doce e a amarga
a forte e a fraca
a racional e a emotiva
a banal e a séria
a trabalhadora e a preguiçosa
a ligada e a desligada
a presente e a ausente
a apaixonada e a culpada
a idealista e a moralista
a sonhadora e a árida
a criativa e a medrosa
a que escreve e a que não fala
a que crê e a que duvida...
Tudo intenso demais
forte demais
extremado demais!
Em alternância contínua...








53 - SOPHIA

      Sophia... Eu gosto muito deste nome, é doce! Mais especialmente gosto da combinação Phistis Sophia, do que representa para mim e tantos outros; deste mundo maravilhoso de significados que inquieta e renova o coração e a mente, porque estabelece relação, pontes entre passado e presente; entre homens e mulheres de todos os tempos que desejaram e ampliaram o olhar, o conhecimento e a compreensão. É uma história bonita a que acompanha este nome Phistis Sophia. Phistis, a confiança, a fé, mas não a fé ingênua, de ouvir e simplesmente aceitar; mas a que envolve a experimentação e a compreensão, o que é bem diferente. Sophia, a sabedoria, o feminino do que foi primeiro-gerado, então a primeira-gerada, a Toda-Criadora Sophia, a mãe do universo, o amor. Os sofistas gregos buscavam justamente isto, a sabedoria, o conhecimento sobre todas as coisas simples ou complexas do cotidiano. Hoje, buscam os insatisfeitos com as superficialidades; querendo adentrar no campo dos mistérios, daquilo que aguça a curiosidade, que não se satisfaz com o sim e não, com o lugar comum, com as simplificações e generalizações; que intuem que as coisas sejam um pouco mais do que aparentam ou do que captamos num primeiro olhar; os que indagam, investigam sobre a razão para as coisas serem ou acontecerem do jeito que aparecem... Phistis Sophia... tantas coisas... um livro, um ensinamento profundo, uma descoberta, um tesouro; um espaço, um lugar, um aprendizado, um encontro, um sentimento mediando e qualificando todos os outros na categoria dos sagrados; não do ou só do sagrado ideal e inatingível das religiões; mas do sagrado real que posso experimentar enquanto me compreendo mulher e o que faço aqui.



52 - DESCONFORTO

   Andava pela rua do bairro, silenciosamente, no intervalo do almoço, processando demandas e vivências densas, profundas que o trabalho oportuniza e das quais preciso, em alguns momentos, no cotidiano, me distanciar para justamente processar, compreender, reelaborar, retomar e então, continuar.
      Um e outro carro passava. Tudo muito tranquilo. Eu observei que umas pombinhas andavam pelo asfalto, mas tinha outras coisas me absorvendo e não me detive. Porém uma senhora sorridente vinha no sentido contrário, apontou uma avezinha e espontaneamente falou: - “olha só, a pombinha não tem medo”! Eu sorri e continuei a caminhada. A frase ficou. De fato, as aves deveriam ficar assustadas com a passagem dos carros e com a dos pedestres, como eu e ela, que passamos bem ao lado de uma delas. Pensei: “é a fome... ela está apavorada, mas tem fome...” Lembrei que na minha cidade natal, no RS, existe uma invasão de pombas e outras aves, que vêm à cidade em busca de comida, uma vez que sua fonte de alimento, nas florestas, matos, cedeu lugar às lavouras de trigo, milho, soja... Por causa do medo, da fome, da luta pela sobrevivência arriscam-se, tornam-se ousadas, agindo e reagindo contra sua natureza. Vejo quero-queros fazendo seus ninhos no jardim da casa de uma amiga, porque a construção de um condomínio os expulsou do lugar onde costumavam colocar e chocar seus ovos... É assim, o medo nos impele, a todos, aos inusitados. Uns se escondem atrás dos muros de suas casas, condomínios e máscaras, isolando-se para se proteger e sobreviver; outros reagem agressivamente, na defensiva, antecipando-se e agredindo primeiro, invadindo o espaço do outro; outros seguem sua rotina sem cuidado, fazendo de conta que tudo está bem e não há perigo; ou mesmo sabendo que há perigo, tentam, porque não há outra alternativa: é morrer ou morrer. Outros tentam articulações, soluções; resistentes e idealistas; doando seu tempo, sua vida. Constante é o desconforto coletivo e o desejo de viver e ser feliz. Mas não há consenso e menos ainda, respeito a isto: viver e ser feliz.

51 - Garantias

         Há muito tempo atrás, ouvi: “se precisar, a porta vai estar aberta”. Saber disto bastou para seguir em frente; mas não fui conferir se estava mesmo, consegui dar conta das minhas coisas; embora muitas vezes tenha pensado: “será que está mesmo”? Freqüentemente lembro disto, como se ainda hoje, valesse. Foi um significante que ficou e que continua produzindo um efeito de acolhimento, como poucas vezes senti. Isto, agora, me faz associar com uma questão bem atual, quando contemplo “ as concorrências”, em todos os setores da vida, oferecendo garantias disto e daquilo e as pessoas buscando garantias nisto e naquilo. Garantia da qualidade dos produtos, garantia de funcionamento; garantia de cura; garantia de melhor educação, de sucesso no vestibular e de lugares de destaque no contexto social; garantia de que a tintura, a cirurgia, a lipo, a plástica vão nos deixar com melhor e mais atraente aparência; garantia de emprego, garantia de felicidade, de amor eterno e fidelidade; garantia de não sentir dor e por isto as anestesias, os medicamentos. Hoje aparece também o desejo de garantia de que os morros não irão desabar; enchentes, tsunamis, terremotos e a morte não irão nos surpreender. Muita gente ainda quer a garantia de um lugar no céu! Receitas e garantias povoam o cotidiano. Num primeiro momento como é fácil garantir qualquer uma destas coisas a alguém! Que felicidade para quem garante e para quem está sendo garantido! É tão grande o desejo de ter este poder, esta onipotência. Mas quanta leviandade e infantilidade! Porque tudo que aparece e se confirma é a nossa impotência diante das nossas próprias fragilidades e muito mais, ainda, diante da natureza, dos acontecimentos e dos outros, especialmente daqueles que amamos, quando a impotência dói mais. Nosso desejo de resolver, proteger, cuidar, curar, encaminhar, dar e fazer o que consideramos como melhor esbarra em muitas variáveis, uma delas, o arbítrio e o desejo do outro. Este aprendizado é duro. Por isto eu me aproprio e repito, porque cada vez acho mais bonito, maduro, justo, possível e real: “se precisar, a porta vai estar aberta”...


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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