52 - DESCONFORTO

   Andava pela rua do bairro, silenciosamente, no intervalo do almoço, processando demandas e vivências densas, profundas que o trabalho oportuniza e das quais preciso, em alguns momentos, no cotidiano, me distanciar para justamente processar, compreender, reelaborar, retomar e então, continuar.
      Um e outro carro passava. Tudo muito tranquilo. Eu observei que umas pombinhas andavam pelo asfalto, mas tinha outras coisas me absorvendo e não me detive. Porém uma senhora sorridente vinha no sentido contrário, apontou uma avezinha e espontaneamente falou: - “olha só, a pombinha não tem medo”! Eu sorri e continuei a caminhada. A frase ficou. De fato, as aves deveriam ficar assustadas com a passagem dos carros e com a dos pedestres, como eu e ela, que passamos bem ao lado de uma delas. Pensei: “é a fome... ela está apavorada, mas tem fome...” Lembrei que na minha cidade natal, no RS, existe uma invasão de pombas e outras aves, que vêm à cidade em busca de comida, uma vez que sua fonte de alimento, nas florestas, matos, cedeu lugar às lavouras de trigo, milho, soja... Por causa do medo, da fome, da luta pela sobrevivência arriscam-se, tornam-se ousadas, agindo e reagindo contra sua natureza. Vejo quero-queros fazendo seus ninhos no jardim da casa de uma amiga, porque a construção de um condomínio os expulsou do lugar onde costumavam colocar e chocar seus ovos... É assim, o medo nos impele, a todos, aos inusitados. Uns se escondem atrás dos muros de suas casas, condomínios e máscaras, isolando-se para se proteger e sobreviver; outros reagem agressivamente, na defensiva, antecipando-se e agredindo primeiro, invadindo o espaço do outro; outros seguem sua rotina sem cuidado, fazendo de conta que tudo está bem e não há perigo; ou mesmo sabendo que há perigo, tentam, porque não há outra alternativa: é morrer ou morrer. Outros tentam articulações, soluções; resistentes e idealistas; doando seu tempo, sua vida. Constante é o desconforto coletivo e o desejo de viver e ser feliz. Mas não há consenso e menos ainda, respeito a isto: viver e ser feliz.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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