Dormir de pé

- “Vovó, to com sono... me faz dormir... de pé”!
De repente, abandonando o papel e o lápis, a pequena se aconchega no meu colo. Assim, de repente! Estava desenhando, cantando... e o sono chegou, sem avisar! Chegou cheio de urgências e com esta súplica doce: “de pé, vovó”!
Ah! Como curto isto! “Dormir de pé” significa eu estar de pé, andando de lá para cá, pela casa; com ela no colo, cabeça entregue e acomodada no meu ombro e eu, cantando um vasto repertório; um pouco fiel, um pouco parodiando melodias de ninar e outras, que gosto! Assim foi com meus filhos, um dia e, agora é com ela, minha neta! Bom demais!
Acho uma das coisas mais sublimes: ninar alguém! Eu sinto uma sensação grandiosa de inteireza e pertença... É um prazer! Mas... é muito mais um impulso que vem fundo e conhecido... algo que me emociona e me conecta com minha ancestralidade. A ternura que é produzida neste encontro de ninar, é um fio condutor que me liga com o passado. É muito grande! Não é de agora. Eu me sinto depositária deste legado e o exerço com todo meu ser e amor!
Desde meu último filho até agora, meu repertório de melodias aumentou, enriqueceu e, ao mesmo tempo que vou resgatando as antigas, que a pequena curte com atenção e depois reproduz nas brincadeiras; eu aprendo novas. E aprendo misturá-las; mais livre para criar, modificar...
Um dia destes, veio à memória aquela: “Ana Maria entrou na cabine, e foi vestir um biquíni legal; mas era tão pequenino o biquíni”... Ela abriu os olhos e perguntou:
- “O que é cabine, vovó”?
- Sabe aquele lugar, lá nas lojas, onde a gente entra para experimentar uma roupa...
- “Ah! O provador, vovó”!!!!
Bah! Fiquei envergonhada por tê-la subestimado!!!
Mas daí, o sono passou um pouco e ela começou a cantar, parodiando:
- “Ana Maria entrou no provador e foi vestir um vestido legal! Mas era tão apertado o vestido, que a Ana Maria até sentiu-se mal”....
Cantou, repetiu mais um pouco e depois tornou a relaxar a cabeça no meu ombro:
- “Canta você, agora, vovó!”
Demorei um pouquinho e ela tornou a pedir.
É que eu estava “mexida”! Coisa linda, isto, poxa!!! “Mexida” é estar mais do que emocionada! Como eu não ficaria mexida com esta troca espontânea de afeto e parceria? Cumplicidade? Confiança?
Quando sinto que sua cabeça “pesa” no meu ombro; que os bracinhos pendem e começa ressonar; aguardo mais um pouquinho e então agradeço: por merecer! Merecer viver isto! Que não tem similar. E então a coloco na sua caminha. E de vó, me transformo em guardiã deste sono. Algo delicado, que também me é confiado pelas minhas ancestrais, no mais secreto da alma! Ali, me reencontro com meu universo feminino; com tantas e tantas mulheres que foram antes de mim... talvez eu mesma! Fortaleço. 

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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