174 - A velhinha, no mercado

            Ela conversava, argumentativa com um homem, que, com ela, escolhia batatas e tomates. Estava muito indignada e preocupada com a situação no Rio de Janeiro, com o aparato militar e policial subindo os morros, atrás dos bandidos e traficantes. Ela capturou o meu olhar de imediato! Era graciosa, cheia de rendinhas e enfeites e exalava afeto, cumplicidade com as coisas, olhar profundo. Eu escolhia vagens e beterrabas e viajei no sotaque e na conversa deles; imaginando que eram parentes, estrangeiros morando no Brasil; vindos pra cá, depois da guerra, em busca de uma possibilidade de vida melhor, de sossego e que esta situação de tensão e de violência, agora focada no Rio de Janeiro, estivesse, atualizando medos, vivências dolorosas... certamente, como diria meu pai, “imaginações nada comprováveis” (minhas!)! Então eles saíram do meu foco e eu me voltei ao que devia... Por pouco tempo, pois, de repente, a velhinha estava ao meu lado, escolhendo frutas. Nos olhamos e sorrimos uma pra outra, nos gostando à primeira vista! Ela falou que estava escolhendo frutas para sua gatinha! Imagina que a gatinha não comia ração antes de comer uma frutinha! E que a gatinha se chamava Michele! Homenagem à Michele Obama, pois admirava muito o casal norte americano! Trocamos impressões sobre vários assuntos circulando entre as cenouras, alfaces, cebolas, maçãs e laranjas. Ela comentou que a filha não gostava que ela falasse assim, com todo mundo; mas que ela gostava. Não gostava de  ficar séria, triste, isolada! Bom mesmo era encontrar as pessoas de sorriso aberto, olhar brilhante, expressão confiável e, conversar! Tantas coisas tínhamos em comum e nem ficamos sabendo o nome uma da outra! Mas eu gostei de pensar e imaginar que quando ficar (se ficar!) velhinha assim, serei bem parecidinha com ela! E, provavelmente, meus filhos terão a mesma preocupação comigo.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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