173 - Solidão

               O que é necessário é apenas o seguinte: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo e não encontrar ninguém durante horas, é preciso conseguir isso...”. (Rainer Maria Rilke).
        Solidão é um produto que ninguém quer, nem de presente e muito menos buscar por ele, voluntariamente. O poeta Rilke parece constatar a mesma coisa, pois fala, na continuidade do seu pensamento, que muitas vezes as pessoas se sujeitam a uma relação qualquer, somente para fugir da solidão. Escreveu isto em 1903. Hoje, em 2010, ele manteria esta idéia? Com maior liberdade, direitos conquistados, quebras de tabus e preconceitos; além de avanços tecnológicos que nos permitem tanto, inclusive relações virtuais; a solidão ainda é presente? Sentimos mais, menos ou a mesma solidão que sentiu o homem primitivo e todos os que vieram depois dele, em todos os tempos, todas as eras? Poder haver algo mais bonito e vital do que estar em interação com o outro? Por outro lado, como é profundamente gratificante ficar por momentos a sós conosco mesmos... mas é isto a solidão? Ficar só? E estar com alguém é não estar só? Uma noite, nesta semana, durante a Noite do Soninho dos pequeninos, na escola, houve um momento ímpar, entre tantos, quando eu contemplava os olhinhos deles, que por sua vez, contemplavam, embevecidos, impressionados, as chamas da pequena fogueira (ao redor da qual estávamos), que se erguiam do quintal silencioso para o céu estrelado, faceiras, quentinhas, brilhantes e barulhentas! Os pequeninos não se mexiam, extasiados com a beleza do fogo, visto assim, num contexto diferente, de aventura, de descobertas fantásticas fora do ambiente familiar. Este olhar embevecido, encantado diante da descoberta das coisas do mundo é algo tocante demais para quem observa! Num outro momento sequencial, quando eu fazia compras num armazém chegou um homem que disse ser portador do vírus HIV e necessitar de R$ 8,00 para completar determinado valor e poder comprar algo que a filha pequena necessitava. A senhora que atendia no caixa fez uma interdição e ele teve que sair, muito bravo. Quando eu entrava no carro, encontrei-o novamente pedindo dinheiro a um casal, que foi bem agressivo com ele, ao que revidou com gestos grosseiros. Eu dei a ele uns trocos que tinha. De impulso, não pensei e, por isto, ouvi severas críticas dos familiares que me acompanhavam. Na sequência, ouvi uma melodia que mexeu e produziu um outro tipo de emoção, intensa, funda, forte, naquele momento: ...“Na escuridão o teu olhar me iluminava \ e minha estrela-guia era o teu riso \ coisas do passado são alegres \ quando lembram novamente \ as pessoas que se amam... \ em cada solidão vencida eu desejava \ o reencontro com teu corpo abrigo \ Ah! Minha adorada \ viajei tantos espaços \ prá você caber assim no meu abraço \ Te amo!’’... Com as palavras do poeta na cabeça refleti que eu não estava só com as crianças na escola, nem no armazém e nem ouvindo a melodia. Muitos compartilharam aqueles momentos comigo, viram e ouviram a mesma coisa. Mas com certeza, as impressões foram bem diferentes. Tenho pensado que a solidão é exatamente este estado que nos pega, num instante, quando nos descobrimos completamente sós na nossa existência, frente a um sentimento, a uma descoberta, a uma constatação, a uma demanda, a uma realidade.... que não há como dividir, não há como o outro saber ou compreender e, por vezes, não há palavras para expressar. É só meu; só eu sinto, percebo, reajo... assim, desta forma, nesta frequência e intensidade; só eu e ninguém mais. É o momento de ser e estar sozinho, se conhecer e reconhecer diferente, completamente único e desamparado. Os modelos, as respostas prontas, as receitas, as normas, os dogmas, os conselhos não se encaixam. Talvez, se respirar, não fugir e aprofundar no mergulho, de fato, neste desamparo do primeiro momento, possa , como os pequeninos, descobrir encantos nunca imaginados; descobrir que a solidão é companheira, compreender o que tantos, sábios, já compreenderam e o que o poeta diz, concluindo o pensamento inicial: “...apenas preste atenção no que surge a partir de dentro e eleve-o acima de tudo o que o senhor percebe em torno. Se um acontecimento mais íntimo é digno de todo o seu amor, é nesse acontecimento que o senhor deve trabalhar de algum modo, sem perder muito tempo nem muito esforço para esclarecer sua posição em relação aos outros homens. Quem é que lhe diz que o senhor tem uma posição?... se não há nenhuma comunhão entre os homens e o senhor, procure estar próximo das coisas que não o abandonarão; ainda lhe restam as noites e os ventos que passam pelas árvores e sobre muitas terras; entre as coisas e os animais, tudo ainda é pleno de acontecimentos em que se pode tomar parte... O senhor não percebe que tudo o que acontece é sempre de novo um começo?...”.











 

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