Mulher de ferro


Chovia fina melancolia sobre o asfalto e sobre os verdes misturados, às margens, com terra recém lavrada, recém semeada. Dentro do carro, voltávamos, após encontro familiar e festa, no final de semana, do RS. Cada um, na quietude, processando impressões e sensações. E eram tantas, tantas... até que de repente, a menina quebrou o silêncio:
- Olha ali, vovó, a mulher de ferro!
Na viagem de ida, a “primeira viagem longa” dela, eu lhe apresentara, com emoção e orgulho, figuras que haviam povoado minha imaginação, na infância, quando fazia as pequenas viagens com minha família: as torres de alta tensão plantadas ao longo da rodovia, às vezes, às margens, solitárias; às vezes em grupo, enfileiradas, adentrando as lavouras... Para mim, que na época, não sabia nada sobre “torres de alta tensão”, elas eram personagens, homens e mulheres gigantes, com longos e armados vestidos ou com armaduras protetoras, que cuidavam dos caminhos, das plantações e das pessoas que por ali passavam... Eram poderosas! Como reis e rainhas. Eu olhava com simpatia, para elas. Gostava de encontrá-las porque minimizavam a sensação de solidão, que produziam em mim, a imensidão de solo semeado de figuras e cores; os horizontes longínquos;  a estrada sem fim, com casas bucólicas, de varais esvoaçantes, varandas com cadeiras vazias e chaminés fumegantes;  separadas ou ligadas por distâncias imensuráveis e habitadas por gente e um tipo de vida que nem meu imaginário curioso e fértil alcançava. Somente aquelas criaturas gigantes poderiam cuidar, aproximar e dar sentido a tudo aquilo. Como os super-heróis, elas me emocionavam e eu imaginava nomes e histórias que protagonizavam ou assistiam. Isto estabeleceu interação e apaixonamento entre mim, aquelas e outras paisagens que surgiram diante de meus olhos, vida afora e, que depois passei a chamar, imitando meu pai, de mãesagens! Elas aguçaram o meu olhar e a sensação de que sempre há algo a mais... algo que se passa nas entrelinhas... e que é muito mais interessante do que o que se vê num primeiro pouso.
A pequena guardou e tocou minhas lembranças, assim como acrescentou novo significante: “mulher de ferro”!!! Claro! As crianças são incríveis nesta capacidade de ler e sinalizar o que se passa, mesmo sem ter, muitas vezes, palavras para isto. Por ter esta natureza “de ferro” mulheres sobrevivem, conquistam e guardam seu espaço, sob e apesar da “alta tensão”. Atravessando o tempo e as intempéries, elas permanecem e fazem valer sua presença e as parcerias. Segredos e cumplicidades que passam de uma para outra.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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