Com licença

O homem pediu licença para passar. A poltrona dele era a de número 5, janela. A minha, 6, corredor. Acomodou-se e cumprimentou:
- Boa noite! Para onde a senhora vai?
Respondi e por educação, não por interesse, devolvi a pergunta. E logo ajeitei meu “travesseiro de pescoço”, peguei meu tercinho, fechei os olhos e entrei no meu silêncio, para rezar... e também para não dar abertura à continuidade do diálogo com o desconhecido. Não só por isto, mas porque eu gosto de ficar calada quando viajo. Para olhar, pensar e rezar.
Ele era um homem grande que não cabia todo no seu banco. Não deu para seguirmos na indiferença. Sem maldade, invadia meu espaço e eu me chateei muito com isto. Minha bolsa grande veio em meu socorro e com ela fiz um escudo para me proteger do toque involuntário do desconhecido. Mas ele dormia, relaxava e soltava o peso, que se deslocava de lá para cá e acabava fazendo pressão no meu braço, através da bolsa. Eu, então, num esforço, me reorganizava no banco e, através da bolsa, devolvia a pressão e ele ia um pouco para lá; mas logo deslizava para o meu lado... assim fomos por longas horas.
Ele, ao menos, parecia dormir profundamente, porque ressonava; mas eu fazia soninhos curtos; não conseguia relaxar. Por vezes, ficava tomada de grande raiva, por este desconforto sem fim; mas fiquei ali. 
Faltando pouco tempo para chegar ao meu destino, o ônibus esvaziou e ele, antecipando-se a mim, que estava com a mesma ideia; levantou-se rapidamente e acomodou-se nos bancos ao lado, que ficaram vagos. Demonstrou seu desconforto, finalmente! Então, acho que verdadeiramente, descansamos.

Que experiência “mais sem cabimento”! De que isto serviu? Um encontro de desconforto profundo (e quantos assim!)... E lá se foi ele, para uma cidade adiante; viver sua história, da qual não tenho a mínima ideia... E eu cheguei no “meu destino”, para dar continuidade à minha.  Histórias que podiam ter feito uma intersecção, mas não.

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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