Capitulina (4) - Finados

        Era dia de finados.  Dia de “Todos os Santos”, no calendário. Capitulina estava longe de casa, dos seus vivos e dos seus mortos. Não queria  pensar na morte; queria pensar na vida e ser feliz!  Para ser feliz tinha que lutar, ir atrás do que queria. Mas isto não era o que ela pensava; era o que diziam a ela: “vai, Capitulina, arrisca! A vida passa...”. Ela, ela mesma, era covarde. No entanto, naquele dia, acordara com coragem e ia, de fato, arriscar, iria atrás do seu desejo. Pelo menos neste dia! Tomou coragem, parou o ônibus e foi. Sabia onde ele morava e foi atrás dele, sem avisar. Para conversar; de uma vez por todas saber o que significava para ele, declarar o seu amor e fosse o “seja o que Deus quiser”... O ônibus estava cheio; gente sentada, gente em pé; tente conversando alto, rindo... gente polemizando, reclamando... e isto foi bom, porque distraía e não deixava os pensamentos se organizarem e outra vez “dar pra trás”, desistir. Desta vez, iria em frente e tudo estava colaborando para ir em frente. Foi bom. Quando chegou, viu que ele não estava sozinho. Entendeu porque  não havia e não haveria nenhuma história entre ela e ele; havia uma outra! E observou os dois, de longe, um pouquinho só; até recobrar as forças e ir embora.  Parecia tudo perfeito, ali, delicado, harmonioso... os dois, os cachorros, o ninho, o amor, o silêncio preenchido, a cumplicidade explícita, a sintonia forte, a comunhão, pareceria; o sossego, a quietude... tudo. Capitulina sentiu-se uma intrusa e criminosa, olhando. Não deveria estar ali. Mas se não fosse, não saberia. Tudo certo no entendimento, menos no sentimento, para o qual precisa tempo. A verdade arromba, dilacera, sangra; mas organiza. É preciso continuar; voltar para a estrada, para o ônibus,  para casa; para a vida que não para por causa das tragédias particulares. É preciso lutar e ir atrás do que se deseja, sim, seja para viver, seja para morrer para o desejo. Era finados.

 

2 comentários:

Eliciane disse...

Acompanho a novela da Capitulina viu? Aguardo ansiosa os próximos capitulos! Beijos de saudades!

Maisa Schmitz disse...

Querida Eli!Gosto tanto da Capitulina... me desafio apesar de ser tão simplório, ainda. Vou ficar contente quando ela conseguir dizer, de fato, a que veio; se conseguir. Obrigada pela delicadeza e pelo estímulo!


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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