O aulão e a escada


Aula no sábado!  Coisa rara, mas um exercício que fazemos, de quando em quando, na escola. Observo meus alunos, animados, falantes, trabalhando; sem desconforto ou chateação. Não vieram todos; mas os presentes, aproveitam!
Antigamente, ou seja, no meu tempo, não tínhamos uma agenda cheias de afazeres e  eram normais as aulas aos sábados! Assim como as férias longas, três meses: Dezembro, Janeiro e Fevereiro. A gente não enjoava de tanto brincar, passear pela casa dos parentes e de ficar à toa, de bobeira, nas tardes quentes do verão!!! Piscina, televisão e praia eram jóias raras e preciosas.  Privilégio de poucos. Mas a gente tinha tanta outra coisa para fazer, inventar!
Eu sempre passava uns dias na casa da tia Olga! Adorava! Recebia todos os mimos e ainda havia os discos e a vitrola, que a tia deixava eu mexericar e ouvir! Eram sempre os mesmos, mas que mal tinha; o que a gente gosta não cansa de repetir: eram trilhas sonoras de filmes famosos sobre o “velho oeste”! E havia, ainda, as “Selecções do Reader's Digest”; que eu amava! Lia e relia a cada período de férias. Meu mundo se abria! 
E o melhor: a escada lá de casa! Lugar onde eu me debruçava, via, percebia e interpretava o mundo. “Lagarteava” na escada, comigo mesma e aprendia sobre singularidade e sobre solidão preenchida. Eu lia. E a cada frase, refletia, intervalando minhas emoções. Eu escrevia; cada dia mais apaixonada por este encontro de letras, palavras e emoções! Lembro com exatidão do formato das nuvens; do “chorão alemão que foi crescendo e florindo, junto comigo; do contorno das árvores ao redor e dos pássaros recortando o céu. Ali nasceu meu fascínio pelas pessoas e meu encanto pelas diferenças e semelhanças, observando o que se passava e passava pela rua e ao redor de mim... aprendi a me colocar no lugar do outro, tentando adivinhar seu destino, interpretar seu ritmo, ler sua história  na expressão do olhar, postura... Ali chorei minhas inquietudes, minhas emoções, minhas bobeiras e frustrações na passagem da infância para a adolescência e desta, para a juventude... Acho que foi ali, que me descobri, finalmente, ser diferenciado e autônomo; contatando com minha solidão indecifrável e com minha amiga inseparável: a escrita. 
Que ponte foi esta que se estabeleceu entre o aulão de hoje  e a escada de tantos ontens? 
Deve ser por causa desta sensação prazerosa, que a despeito de tudo, sinto, na realização do meu trabalho, parceiro irremediável da leitura e da escrita. A vovó de hoje, continua se encontrando, encantando e apaixonando pelas letras, palavras e pelo que observa fora de si, como a menina de ontem. Eu sou aquela garota e não me separei da minha essência: eu a reencontro todos os dias e acredito que crescemos, nos humanizamos e embelezamos!

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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