Confiança

           

          
          A vovó queria dormir. Um cansaço... um peso danado tomava conta do corpo e das pálpebras. Efeito do relaxamento provocado pelo início das férias. Mas a netinha não queria dormir. Queria brincar.
            - Vovó, deixa eu pintar  tua unha?
            - Hãhã... mas devagarinho... Pega a toalhinha, coloca o esmalte em cima para não pintar a colcha da vovó, tá?
            - Tá bom, vó!
            A pequena, compenetrada, pintava unhas e dedos da vovó, que acompanhava a cena, um olho aberto e outro fechado; sem mais clareza do que queria: se dormir ou “babar” contemplando as “caras e bocas” da pequena...
            - Acabei, vovó! Olha que lindo que ficou! E passei duas vezes! Agora vou pintar as minhas!
            - Bah! – pensou a vovó!
            Logo, quatro mãos estavam literalmente pintadas! Lindas e brilhantes!
            A vovó, com muita vontade de rir:
            - Ficou lindo mesmo, querida! Agora, fecha bem o vidro; vamos ficar bem paradinhas para o esmalte secar e aproveitar para fazer um  soninho!
            - Tá bom, vovó! Mas, antes, posso passar um pouco de gloss?
            Nem esperou a resposta e já foi pegar a necessaire dela, onde a vovó guarda estes objetos que despertam, na pequena, tanta admiração e prazer: o esmalte, o gloss, o “perfume” – “de criança”, né vó”!
            A vovó abriu bem os dois olhos. E com razão, pois lá vinha a pequena, com sua necessaire, sim! Mas também com a da vovó! Ah! A da vovó era mais interessante!
            - Vó, trouxe a tua, também... pode passar o teu gloss....
            - Obrigada, querida; mas a vovó não quer agora. Vai passar o teu lá na frente do espelho...
            - Já sei vó, é pra não ficar “rebocada” como a Morena Rosa, né?!!!! - e riu!
          Menina danada! Associou de imediato com o verso “olha o tranco da Morena Rosa, rebocada de “ruge” e “batão”, de uma melodia gauchesca! Gosta desta música! Ouve, repetidamente, com o vovô, justamente porque alude a este universo feminino que admira. Um dia, assim que a ouviu pela primeira vez, logo corrigiu: - olha, “vovó, o moço cantou errado, não é batão, é batom”!  E emendou: - “o que é rebocada”? E “ruge”, vovó”?
            A vovó, olhos semicerrados, espiou a pequena, que estava em frente ao espelho grande, observando-se, feliz! Viu como passou o batom com cuidado e depois olhou-se com maior interesse; sorrindo e fazendo trejeitos e “poses! Quando percebeu que ela voltava, simulou que dormia. Sentiu quando a pequena chegou bem pertinho dela... Esperou... sabia que estava articulando um discurso conhecido... que veio logo:
            -  Vovó... agora eu vou maquiar você, tá?
            - Mas agora a vovó quer dormir, “tonchinha”...
   - Ah! Vovó! Você pode dormir! Mas você “quenque” confiar em mim!
            - Hã? – A vovó estava surpreendida, profundamente! Abriu bem os olhos.  O que uma guriazinha de três anos sabe ou pensa sobre confiar? - Meu amor! E o que é isto, confiar?
            - Hum... é... hã...não sei, vó. O que é, vó?!!!
            - Confiar é acreditar.
             A pequena ficou em silêncio... abrindo e fechando o "blush"... até que:
        - Ah... Vó!   Eu confio em você! E agora, você “quenque” confiar em mim! Vou fazer uma “maquiage” bem bonita pra você ficar bem linda, tá... vó!!!!! 
                Abraçou a vovó e riu seu riso doce e brilhante!!!! E sem saber se também ria ou chorava de emoção, a vovó encheu-a de beijinhos!!!!
              

 

5 comentários:

Unknown disse...

Imaginei cada detalhe da cena Maisa! Quantos sentimentos...pura emoção! Imaginando aqui quando ela for mocinha...mulher...velhinha...e ler seus escritos. Lembrar ou imaginar! Que legado Maria sempre vai guardar desta avó tão especial.

Maisa Schmitz disse...

Querida Eliane! Obrigada! Bom demais!

Diana disse...

Quanta emoção senti! E essa é realmente a nossa menina, tão cheia de luz, de vida, de sorrisos, de sentimentos e de imaginação. Que legado de amor, que herança de histórias de amor. De um lado recebeu o nome da avó e da bisavô que a zelam por ela lá de cima e de outra uma avó mais que presente, que vai deixar pra ela o melhor que alguém pode receber. E o melhor de tudo, a Maria Margot merece, faz jus à todo esse carinho, a todo esse amor.

Diana disse...

Quanta emoção senti! E essa é realmente a nossa menina, tão cheia de luz, de vida, de sorrisos, de sentimentos e de imaginação. Que legado de amor, que herança de histórias de amor. De um lado recebeu o nome da avó e da bisavô que a zelam por ela lá de cima e de outra uma avó mais que presente, que vai deixar pra ela o melhor que alguém pode receber. E o melhor de tudo, a Maria Margot merece, faz jus à todo esse carinho, a todo esse amor.

Maisa Schmitz disse...

Que coisa linda ouvir, Diana! Obrigada! Me encanta esta ideia de continuidade; estas marcas e presenças que vão sendo repassadas, de geração em geração, na fisionomia, no nome, nos gestos, nas atitudes e assim vamos nos reconhecendo um pouco nos filhos, nos netos, bisnetos... Misturas, alquimia, histórias, lutas, durezas, aprendizados e, o mais importante, uma linha contínua de amor!Abraço, de vovó para vovó!


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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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