Vó Ica






            Minha mãe foi, merecida e gentilmente, muito lembrada e homenageada pelos 83 anos completos hoje, dia 8 de Fevereiro! Eu, bem pertinho dos 62 anos, estou muito agradecida por este privilégio de partilhar tempo e espaço, no universo feminino, com ela e outras duas mulheres: minha filha, com 39 e minha neta, com 7 anos. Gosto de observar como somos, nesta linha do tempo e da continuidade da vida, tão semelhantes e tão singulares ao mesmo tempo. A passagem pelas fases, as oportunidades de estudo, trabalho escolhas em geral e posicionamentos... tão diferentes! Maria Margot, a pequena, nem tem ideia do quão dura foi a infância e a juventude da bisa Ica; que entre outras coisas, não teve boneca (só as de milho verde), nem tênis, nem mochila, nem TV, computador, celular, nem tanque de lavar roupa! E que estudou somente até o 3º ano, porque, naquele tempo, trabalhar e sobreviver era mais importante que estudar... Por outro lado, a bisneta também não tem ideia do que seja brincar na rua, nos terrenos baldios; subir em árvores; lavar roupa no rio, andar de pés descalços pelos matos, trilhas e ruas, sem medo.
        Ouvi meus filhos, meu marido, meus irmãos e sobrinhos expressando carinho, respeito e gratidão pela vó Ica e isto encheu meu coração de alegria! Porque considero vital este “pertencer”, o estar, importar-se, valorar, respeitar e cuidar um do outro; reconhecendo e atualizando diferenças, as dificuldades, os limites, as imperfeições de um e de todos, das crianças aos velhos. Não acredito no apontar; acredito no estender a mão! No olhar, escutar, perceber, perdoar e recomeçar. Mas nem sempre as coisas são como gostaríamos. São como podem ser, porque temos o direito sagrado, graças a tantos e tantas lutas, de escolher; de ir e vir! E nisto de escolher, por vezes descuidamos, magoamos, rejeitamos... deixamos de ver, escutar e nos afastamos. Por isto, ainda, em nossa cultura, muitos idosos estão à margem. Esquecemos que um dia seremos os velhos.
        Há um livro, belíssimo, do Valter Hugo Mãe: “A máquina de fazer espanhóis”... “ele conta a história de um barbeiro que aos 84 anos perde a esposa e se sente desolado, assustado, descontrolado, com raiva por sua filha nem ter esperado superar o luto de sua esposa e ter lhe colocado em um “lar para idosos”, longe de seus pertences, distante da memória de quem um dia fora, como um inválido. Ler o livro é não deixar de pensar sobre nossa própria velhice, sobre o futuro. É pensar em quem você foi e quem agora é... Ler esse livro é também lembrar dos avós que você não mais conversa e que devem ter um mundo de vivências das quais você não mais se dá conta quando passa rápido por eles, e só acena um rápido “oi”. Um livro imperdível! Oportuniza extensiva reflexão e um encontro muito verdadeiro com a realidade.
        E hoje, no dia do aniversário da minha mãe, eu me sento inflada de gratidão por todo carinho e cuidados que ela teve para comigo, meu pai, meus irmãos, sobrinhos e com meus “filotes”, desde sempre! Dentro de suas possibilidades. E me ponho a pensar, refletir; comparando a jovem que ela foi com a senhorinha que hoje é... vislumbrando e fazendo minhas leituras sobre a passagem do tempo, ali, nas marcas, postura, atitudes, olhar, mãos da nossa vó Ica ... Ah! Tanta coisa, ainda, para trocar, com ela... E atualizo, renovo, com urgência, meu desejo de estar junto, conversar, rir, ouvir e relembrar histórias... Curtir sua presença! Feliz aniversário, mãe! Belos horizontes para todos nós, juntos! 

 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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