O grão de areia e o mar


Apaixonou-se quando ele chegou muito perto dela, numa noite de maré alta. Não estava preparada, ali no seu espaço, imóvel, olhando as estrelas, sonhando, contemplando a vida ao redor. E de repente, ele veio muito, muito perto e ela sentiu sua energia, viu-se no brilho dos olhos dele, ouviu seu riso cantante e contagiante e não precisou de nada mais do que isto para sentir que algo muito forte rompia barreiras dentro de si, acordando, germinando, flor belíssima! E ela, pequeno grão de areia, mais um entre tantos... um insignificante grão, ali na praia, de repente ficou diferente! Coloriu de emoção! Palpitou com os desejos estranhos e inquietantes, sinalizando possibilidades, ousadias, outras praias, gaivotas e horizontes... Ela tornou-se singular! Sentiu desconforto com a imobilidade cotidiana. Ficou curiosa! Atenta, os sentidos em alerta, vibrantes!   Potencializada de amor! Ele... ele era grande e livre, o mar! Cheio de mistérios, imprevisível, encantador! Quanto mais prestava atenção nele, mais descobria a si mesma. Quando vinha, nas tardes e noites de marés; muitas vezes chegando tão perto a ponto de tocá-la suavemente, envolvê-la num abraço macio, quentinho, delicioso; ela se sentia derreter e ao mesmo tempo unificar, tornar-se  nada e  tudo ao mesmo tempo! E a presença, o brilho dos olhos dele, sua gargalhada, o tom da voz sussurrante, o calor do seu abraço eram melodias que lhe contavam de si mesma, deste seu presente inusitado e de coisas de um passado que até pouco tempo, nem sabia que havia e que lhe faziam ansiar e suspirar por um futuro que nunca lhe ocorreu ser provável! Provável de provar! Nas madrugadas de calmaria, à luz da lua, rabiscava palavras de amor, na beira da praia... versos que brotavam espontâneos e irriquietos de um poço sem fundo, dentro do seu mundo! (e como entender que pudesse ser assim tão fundo se tinha a forma de grão de areia?) Antes do sol nascer, ele vinha e recolhia os versos, guardando-os em algum lugar entre seus mistérios profundos, deixando a praia lisinha, outra vez, para que outras e mais outras palavras de amor ela pudesse escrever e ele beber! Este movimento delicioso de toques fortuitos, intervalos, esperas, saudades, silêncios e tanta, tanta ternura, foi encurtando, gradativamente as distâncias entre eles... E, um dia, foram embora juntos! Este momento eu presenciei! Vi quando ele chegou, no entardecer, vestido de onda verde e num abraço grande e forte, tomou-as nos braços, levando-a consigo, horizonte adentro, cantarolante! Vi, quando ela, literalmente, mergulhada e diluída num mar de amor, morreu de amor! As estrelas, a lua e as flores, respeitosamente cobriram a terra inteira de quietude, perfume e doce penumbra.







 

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2023, 14o aniversário do Blog! O meu desejo, por estes tempos, é de um pouco de calma, um pouco de paciência, um pouco de doçura, de maciez, por favor! Deixar chover, dentro! Regar a alma, o coração, as proximidades, os laços, os afetos, a ternura! Um pouco de silêncio, por favor! Para prestar atenção, relaxar o corpo, afrouxar os braços para que eles se moldem num abraço!

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